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No vermelho, setor externo põe crescimento em xeque
Rapidez na deterioração das contas externas pode impor um desaquecimento
Mas, segundo economistas, déficit é financiável, e reservas de US$ 200 bilhões devem garantir expansão do crescimento econômico
FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Puxada pela explosão das importações, a rápida e surpreendente deterioração das contas
externas no último bimestre já
traz dúvidas sobre a sustentabilidade da atual fase de crescimento da economia brasileira.
Alguns economistas ouvidos
pela Folha vêem a necessidade
de pisar no freio do crescimento já para evitar uma crise externa mais à frente. Para eles, o
que mais assusta não é tanto o
tamanho, mas a velocidade
dessa deterioração.
Outra corrente crê que o
atual rombo externo é plenamente financiável por fontes
alternativas de dólares, como
investimentos estrangeiros
produtivos ou especulativos.
Pela primeira vez desde
2002 (último ano do governo
FHC), o Brasil voltou ao vermelho no saldo em dólares de
sua relação com o resto do
mundo -a chamada conta de
transações correntes.
O saldo positivo de US$ 1,4
bilhão em 2007 deve cair a US$
23,4 bilhões negativos neste
ano; e a US$ 27 bilhões, também negativos, em 2009.
A virada ocorre porque as exportações brasileiras não vêm
acompanhando o crescimento
exponencial das importações
-puxadas por uma demanda
interna que a indústria nacional não dá conta de atender.
O dólar barato, pressionado
pelos juros elevados no país
que atraem capital estrangeiro
e, agora, pelo grau de investimento, deve manter a tendência das importações em alta.
Há uma relação direta entre
o saldo comercial (exportações
menos importações) e a conta
de transações correntes: quanto menor o saldo, maior o rombo (ver gráficos).
Reservas são seguro
Em 2008, o saldo comercial
brasileiro tende a cair para cerca de US$ 18 bilhões. Em 2009,
pode ficar abaixo de US$ 9 bilhões, ampliando ainda mais o
buraco nas contas externas.
Em 2002, com as contas externas no vermelho e com um
país praticamente sem reservas
internacionais, o dólar quase
atingiu R$ 4. Neste ano, com
uma previsão de US$ 23,4 bilhões de déficit, o dólar se mantém controlado em torno de R$
1,70. A grande mudança no período foi o acúmulo de reservas
em dólares no Banco Central,
que atingiram US$ 196 bilhões
no mês passado.
"Com reservas nesse patamar, dá para uns quatro anos de
besteiras", afirma o economista
Antonio Delfim Netto.
Como uma crescente fonte
de dólares para o Brasil são as
exportações de produtos agrícolas e minerais, Delfim pondera que "tudo vai depender" de
como o crescimento do mundo
vai se comportar.
Se o mundo continuar crescendo, diz, o saldo comercial
brasileiro tende a ficar no azul,
atenuando os déficits em conta
corrente e a necessidade de financiamento em dólares.
Trajetória preocupante
Para Cláudio Haddad, presidente do Ibmec-SP, "é perfeitamente natural" que o Brasil tenha déficit em suas transações
com o resto do mundo.
"Não vejo como o atual déficit em conta corrente possa
preocupar. É normal que um
país como o Brasil, com baixo
nível de poupança interna, tenha déficit externo", afirma.
Já o economista José Márcio
Camargo, da PUC-RJ, afirma
que "não é o nível do déficit que
preocupa". "O que preocupa, e
muito, é a trajetória."
"Podemos estar saindo de
um superávit equivalente a 1%
do PIB (Produto Interno Bruto) para um déficit de 2% em
pouco mais de um ano. É um
ritmo insustentável e um sinal
inequívoco de que a economia
brasileira está crescendo muito
além do que pode hoje", diz.
O que as contas externas
mostram é que o atual ritmo da
economia brasileira seria insustentável sem a explosão das
importações. Como a produção
doméstica não atende a demanda, a inflação viria com força sem os produtos de fora.
Prova disso é que, enquanto o
comércio cresce a um ritmo de
8,5%, a produção da indústria
local evolui 4,5%. A diferença é
atendida pelos importados.
Mas um agravante atual é
que os preços estão subindo no
mundo inteiro e, ao importar, o
Brasil também começa a trazer
inflação para dentro do país.
Em 2007, as importações
brasileiras cresceram 32%. Para este ano, a previsão de alta é
superior a 43%. Já o crescimento das exportações continuará
abaixo de 20%. Ou seja, o rombo externo vai aumentar.
"As importações triplicaram,
gerando um déficit nada pequeno. Isso em um momento
de aperto de liquidez internacional", diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Para José Francisco Gonçalves, economista-chefe do banco Fator, "a velocidade da piora
é muito forte", e essa tendência
pode se acentuar, já que o dólar
não vem se valorizando, apesar
do aumento das importações.
"O juro alto no país atrai muitos dólares de fora. O "oba-oba"
do grau de investimento só
acentuará a tendência", diz.
"Beliscada"
Sidnei Nehme, diretor-executivo da NGO Corretora, vai
além. Ele acredita que o grau de
investimento tende primeiro a
atrair capital especulativo de
baixa qualidade, que viria ao
Brasil para "dar uma beliscada
maior" por conta do juro alto
praticado no país.
Isso tende a deprimir ainda
mais o dólar, dificultando a recuperação das exportações.
Já a presença de capital estrangeiro de melhor qualidade,
para investimentos produtivos,
demoraria mais tempo a vir
com mais força, diz Nehme.
Gonçalves, do Fator, lembra
também que o juro está baixo
no mundo inteiro (é até negativo nos EUA) e que um repique
lá fora por conta da inflação
global pode atrair de volta os
dólares que vão passar a financiar as contas brasileiras de
agora em diante. "Estamos indo na direção de uma armadilha a médio prazo."
Para o economista Paulo Miguel, da Quest Investimentos, a
tendência de crescimento elevado e de deterioração nas contas externas ocorre no Brasil e
em outros países produtores de
commodities, como Austrália,
Canadá e África do Sul.
"O que vemos é um cenário
de deterioração da conta corrente por um longo período,
mas financiável com investimentos de fora. Mas acreditamos também que chegamos ao
pico da demanda, que terá de
cair para que a deterioração
não seja ainda maior."
Relatório da matriz inglesa
do banco HSBC da semana passada vai na mesma linha: "O
saldo das contas externas (do
Brasil) reforça a percepção de
que a atual exuberância da demanda interna é insustentável.
Uma diminuição no seu ritmo
nos parece hoje obrigatória".
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