São Paulo, domingo, 11 de maio de 2008

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No vermelho, setor externo põe crescimento em xeque

Rapidez na deterioração das contas externas pode impor um desaquecimento

Mas, segundo economistas, déficit é financiável, e reservas de US$ 200 bilhões devem garantir expansão do crescimento econômico


FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Puxada pela explosão das importações, a rápida e surpreendente deterioração das contas externas no último bimestre já traz dúvidas sobre a sustentabilidade da atual fase de crescimento da economia brasileira.
Alguns economistas ouvidos pela Folha vêem a necessidade de pisar no freio do crescimento já para evitar uma crise externa mais à frente. Para eles, o que mais assusta não é tanto o tamanho, mas a velocidade dessa deterioração.
Outra corrente crê que o atual rombo externo é plenamente financiável por fontes alternativas de dólares, como investimentos estrangeiros produtivos ou especulativos.
Pela primeira vez desde 2002 (último ano do governo FHC), o Brasil voltou ao vermelho no saldo em dólares de sua relação com o resto do mundo -a chamada conta de transações correntes.
O saldo positivo de US$ 1,4 bilhão em 2007 deve cair a US$ 23,4 bilhões negativos neste ano; e a US$ 27 bilhões, também negativos, em 2009.
A virada ocorre porque as exportações brasileiras não vêm acompanhando o crescimento exponencial das importações -puxadas por uma demanda interna que a indústria nacional não dá conta de atender.
O dólar barato, pressionado pelos juros elevados no país que atraem capital estrangeiro e, agora, pelo grau de investimento, deve manter a tendência das importações em alta.
Há uma relação direta entre o saldo comercial (exportações menos importações) e a conta de transações correntes: quanto menor o saldo, maior o rombo (ver gráficos).

Reservas são seguro
Em 2008, o saldo comercial brasileiro tende a cair para cerca de US$ 18 bilhões. Em 2009, pode ficar abaixo de US$ 9 bilhões, ampliando ainda mais o buraco nas contas externas.
Em 2002, com as contas externas no vermelho e com um país praticamente sem reservas internacionais, o dólar quase atingiu R$ 4. Neste ano, com uma previsão de US$ 23,4 bilhões de déficit, o dólar se mantém controlado em torno de R$ 1,70. A grande mudança no período foi o acúmulo de reservas em dólares no Banco Central, que atingiram US$ 196 bilhões no mês passado.
"Com reservas nesse patamar, dá para uns quatro anos de besteiras", afirma o economista Antonio Delfim Netto.
Como uma crescente fonte de dólares para o Brasil são as exportações de produtos agrícolas e minerais, Delfim pondera que "tudo vai depender" de como o crescimento do mundo vai se comportar.
Se o mundo continuar crescendo, diz, o saldo comercial brasileiro tende a ficar no azul, atenuando os déficits em conta corrente e a necessidade de financiamento em dólares.

Trajetória preocupante
Para Cláudio Haddad, presidente do Ibmec-SP, "é perfeitamente natural" que o Brasil tenha déficit em suas transações com o resto do mundo.
"Não vejo como o atual déficit em conta corrente possa preocupar. É normal que um país como o Brasil, com baixo nível de poupança interna, tenha déficit externo", afirma.
Já o economista José Márcio Camargo, da PUC-RJ, afirma que "não é o nível do déficit que preocupa". "O que preocupa, e muito, é a trajetória."
"Podemos estar saindo de um superávit equivalente a 1% do PIB (Produto Interno Bruto) para um déficit de 2% em pouco mais de um ano. É um ritmo insustentável e um sinal inequívoco de que a economia brasileira está crescendo muito além do que pode hoje", diz.
O que as contas externas mostram é que o atual ritmo da economia brasileira seria insustentável sem a explosão das importações. Como a produção doméstica não atende a demanda, a inflação viria com força sem os produtos de fora.
Prova disso é que, enquanto o comércio cresce a um ritmo de 8,5%, a produção da indústria local evolui 4,5%. A diferença é atendida pelos importados.
Mas um agravante atual é que os preços estão subindo no mundo inteiro e, ao importar, o Brasil também começa a trazer inflação para dentro do país.
Em 2007, as importações brasileiras cresceram 32%. Para este ano, a previsão de alta é superior a 43%. Já o crescimento das exportações continuará abaixo de 20%. Ou seja, o rombo externo vai aumentar.
"As importações triplicaram, gerando um déficit nada pequeno. Isso em um momento de aperto de liquidez internacional", diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Para José Francisco Gonçalves, economista-chefe do banco Fator, "a velocidade da piora é muito forte", e essa tendência pode se acentuar, já que o dólar não vem se valorizando, apesar do aumento das importações.
"O juro alto no país atrai muitos dólares de fora. O "oba-oba" do grau de investimento só acentuará a tendência", diz.

"Beliscada"
Sidnei Nehme, diretor-executivo da NGO Corretora, vai além. Ele acredita que o grau de investimento tende primeiro a atrair capital especulativo de baixa qualidade, que viria ao Brasil para "dar uma beliscada maior" por conta do juro alto praticado no país.
Isso tende a deprimir ainda mais o dólar, dificultando a recuperação das exportações.
Já a presença de capital estrangeiro de melhor qualidade, para investimentos produtivos, demoraria mais tempo a vir com mais força, diz Nehme.
Gonçalves, do Fator, lembra também que o juro está baixo no mundo inteiro (é até negativo nos EUA) e que um repique lá fora por conta da inflação global pode atrair de volta os dólares que vão passar a financiar as contas brasileiras de agora em diante. "Estamos indo na direção de uma armadilha a médio prazo."
Para o economista Paulo Miguel, da Quest Investimentos, a tendência de crescimento elevado e de deterioração nas contas externas ocorre no Brasil e em outros países produtores de commodities, como Austrália, Canadá e África do Sul.
"O que vemos é um cenário de deterioração da conta corrente por um longo período, mas financiável com investimentos de fora. Mas acreditamos também que chegamos ao pico da demanda, que terá de cair para que a deterioração não seja ainda maior."
Relatório da matriz inglesa do banco HSBC da semana passada vai na mesma linha: "O saldo das contas externas (do Brasil) reforça a percepção de que a atual exuberância da demanda interna é insustentável. Uma diminuição no seu ritmo nos parece hoje obrigatória".


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