São Paulo, terça-feira, 11 de maio de 2010

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Pacote europeu leva mercados à euforia

Após forte queda da semana passada, Bolsas se recuperam; especialistas, porém, afirmam que problema de endividamento persiste

Para economistas, plano de € 750 bilhões ajuda a reduzir risco de calote da Grécia e de contágio no bloco, mas não resolve crise no longo prazo

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

Os mercados financeiros passaram da profunda fossa da semana passada a uma enorme euforia ontem, depois que a União Europeia e os bancos centrais dos países ricos anunciaram um imenso muro de € 750 bilhões para conter o apetite dos "lobos".
Lobos foi a qualificação usada pelo ministro sueco de Finanças, Anders Borg, para os movimentos especulativos que golpeavam um país europeu depois do outro.
Que houve especulação ficou evidente ontem: sem que tivesse ocorrido uma efetiva mudança nas condições macroeconômicas de qualquer dos países europeus, a reversão nos mercados foi espetacular.
A Espanha, um dos países sob ataque, viu o índice Ibex de sua Bolsa subir inacreditáveis 14,43%, a maior alta em seus 18 anos de história. A Bolsa de São Paulo avançou 4,11%, e o dólar recuou 3,99%, para R$ 1,777.
A Grécia, o epicentro do terremoto financeiro de 2010, viu os juros exigidos por seus papéis cair a 4,46%, o melhor registro desde o início de abril e a anos-luz dos 12,5% que chegou a pagar na pior fase da crise.
Detalhe: a dívida da Grécia era exatamente do mesmo tamanho quando ela pagava 12,5% e ontem, quando passou a pagar um terço desse nível.
É simples entender a mudança: com o pacote europeu da madrugada de ontem, o risco de um calote grego ou de outros países altamente endividado fica no mínimo contido, se não eliminado. Logo, não há razão para cobrar um prêmio de risco elevado como compensação prévia para um calote.
Mas o fato de os fundamentos da economia grega (ou europeia em geral) não terem mudado da noite para o dia, como não poderiam fazê-lo, é o motivo para que analistas menos impressionados pelo dia a dia façam advertências contra o excesso de euforia.
David Roche, presidente e estrategista global da firma "Independent Strategy", fez o seguinte comentário para a edição eletrônica do "Financial Times": "Inicialmente, os mercados podem se impressionar com o tamanho do pacote. Mas o tamanho apenas quer dizer que mais dívida está sendo acrescentada a um problema que é excesso de dívida".
É uma alusão ao fato de que os governos europeus e o Banco Central estão agora obrigados a garantir ou comprar a dívida dos países que necessitarem do socorro. Roche fecha o raciocínio: "A solução para uma ressaca não é mais álcool".
Reforça Juan José Ruiz, economista-chefe do Banco Santander: "Resolvemos o problema da liquidez. E da histeria.
Agora começa a hora da verdade: quem tiver um problema de solvência que comece a resolvê-lo. Não terá muitas oportunidades mais".
É alusão ao fato de que o muro de proteção erguido agora permite que países altamente endividados cuidem de reduzir seu deficit e seu endividamento, sem a pressão da especulação que elevava diariamente o custo de rolar papéis da dívida.
Criava-se um círculo de ferro: países endividados tinham que se endividar mais ainda para rolar a dívida, o que punha no horizonte a perspectiva de um calote, organizado ou desordenado. Era o grande temor dos investidores e, mais ainda, dos bancos que detêm títulos desses países.
A dívida total dos países que os mercados chamam pejorativamente de Pigs (Portugal, Itália, Grécia e Espanha, aos quais se acrescentou depois outro "i", de Irlanda) é de impressionantes US$ 3,9 trilhões.
A exposição não é apenas dos bancos europeus. Recente relatório da financeira Barclays Capital diz que os bancos norte-americanos têm cerca de US$ 176 bilhões em exposição a esses países (menos Itália).
Não é à toa que o presidente Barack Obama telefonou no domingo a Nicolas Sarkozy, o presidente francês, e a Angela Merkel, a chanceler alemã, para cobrar ação forte e rápida.
A ação veio, foi realmente forte, mas o receio de um calote não desapareceu do horizonte.
Kenneth Rogoff, que já foi economista-chefe do FMI, dizia ontem à BBC que a Grécia, pelo menos, ainda terá que reestruturar a sua dívida, e talvez também Portugal e Espanha.

FOLHA ONLINE
Ouça comentário de Vinicius Torres Freire
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