São Paulo, Terça-feira, 11 de Maio de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

A hora dos têxteis

BENJAMIN STEINBRUCH

O histórico acordo emergencial da indústria automotiva, previsto para durar seis meses, estabelecia revisões bimestrais para a sua continuidade. Pela primeira vez os agentes industriais (montadoras e autopeças) se aliaram aos fornecedores, aos trabalhadores e aos representantes de governos estaduais e do governo federal visando uma equação salvadora para toda a cadeia automotiva.
Os pátios estavam cheios de carros, nas fábricas e nos distribuidores. As vendas, paralisadas. E os cortes de pessoal, profundos e dolorosos, ameaçavam atingir milhares de trabalhadores. De outra parte, a crise do setor se refletia na arrecadação de impostos federais e estaduais, aumentando a dimensão da tragédia.
Aí as várias forças intervenientes na cadeia automotiva começaram a se mexer. Cada um cedeu um pouco, houve recuos de todos os lados e o acordo foi firmado. Deu certo: os preços baixaram para o consumidor final, os estoques diminuíram e os pátios foram esvaziados, os empregos foram mantidos, a arrecadação de impostos foi retomada e todas as partes envolvidas contabilizaram sucessos.
Ocorre que estava prevista uma revisão do acordo a cada dois meses. As indústrias, que assumiram o compromisso de congelar seus preços por 60 dias, mostraram-se dispostas a dar continuidade ao processo, mas, ao mesmo tempo, informaram publicamente que precisariam reajustar os preços dos veículos "aos níveis mínimos possíveis", para enfrentar os aumentos de custos decorrentes da desvalorização do real. Foi um deus-nos-acuda. A mídia reclamou, o governo ficou zangado e o acordo foi interrompido neste 4 de maio. Os novos preços foram anunciados, em índices ligeiramente abaixo de 10%, um percentual compatível com os aumentos dos fornecedores de peças e componentes nacionais ou importados, cujos produtos encareceram substancialmente com os novos valores do dólar.
Em um segundo momento, o governo, que havia colocado ponto final no assunto, admitiu reabrir as conversas e prorrogar o acordo, desde que uma auditoria independente provasse a alegação dos fabricantes de que, por causa do encarecimento do dólar, tinham perdido dinheiro no primeiro trimestre do ano.
Estamos todos na torcida para que prevaleça o bom senso e esse importante setor da nossa economia não caia em uma recessão, cujos reflexos certamente irão muito além da cadeia automotiva. A solução positiva beneficiará os consumidores, que, ao comprar um carro, geram perto de 40% de impostos, o que faz do veículo brasileiro, de longe, o recordista mundial das taxações. Ela beneficiará também os mais de 600 mil empregos diretos que estão ligados à cadeia automotiva e que serão, por certo, duramente afetados pelas novas realidades econômicas.
Pois foram esses 600 mil empregos que me tiraram do assunto automobilístico para me levar para a nossa indústria têxtil, que, como uma fênix mecânica, já estava avançando em um grande processo de modernização e que agora se beneficiou do câmbio realista e está se mobilizando para exportar mais e em condições mais favoráveis.
É que as entidades do setor assinalam que perto de 650 mil empregos diretos são gerados pela indústria têxtil, o que faz dela um dos maiores empregadores do país.
Os estudos mostram que, incluídas as confecções, a indústria têxtil tem mais de 15 mil empresas espalhadas por todo o país inseridas na economia regular. E um número extra de 35 mil pequenas e médias empresas irregulares que se integram na chamada economia submersa ou informal e que só não regularizam suas vidas porque a soma da burocracia a um festival de impostos e taxas se constitui em barreira intransponível, um estímulo permanente à ineficiência e à corrupção.
Na totalidade, o setor têxtil fatura R$ 25 bilhões, produzindo mais de 1 milhão de toneladas de produtos e consumindo mais de 800 mil toneladas de algodão em pluma, o que faz dele um dos maiores compradores domésticos de produtos agrícolas.
De outra parte, no entanto, as exportações representam menos de 10% do faturamento da indústria, o que é quase irrisório diante do nosso potencial. No passado, no início dos anos 80, chegamos a participar com 1% do comércio mundial dos têxteis. Hoje esse comércio cresceu e, em 1998, deve ter chegado a US$ 314 bilhões, com as exportações brasileiras oscilando na casa do 0,4%. É quase nada.
A Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil) anunciou, meses atrás, um projeto para elevar as nossas exportações anuais de têxteis a US$ 4,1 bilhões em quatro anos. Para isso, o setor teria que investir mais de US$ 1 bilhão por ano em máquinas, equipamentos e sistemas, dando continuidade a um programa de modernização a que as empresas já se haviam lançado por conta própria, com pouco ou nenhum apoio oficial.
Em 1998, o Brasil exportou US$ 1,1 bilhão em produtos têxteis, bem abaixo do US$ 1,4 bilhão que chegamos a vender lá fora nos anos de 1992 e 1995. Para este ano, a previsão oficial de crescimento é de 20%, mas, mesmo assim, é possível que as importações ainda fiquem acima das exportações.
Em 1998, o Brasil trouxe de fora, oficialmente, US$ 1,4 bilhão em produtos têxteis. Esse número, evidentemente, não inclui os "importabandos", que são estimados em mais de 50 mil toneladas anuais, se contarmos apenas o que chega a São Paulo proveniente do circuito Miami-Nova York-Nova Jersey. Um volume que inibe a geração de mais de 200 mil empregos diretos só na indústria de confecções.
A hora é de levar a sério o projeto de fazer da indústria têxtil uma das principais alavancas do novo desenvolvimento brasileiro. Ela que já foi o principal pólo industrial do país, no início do processo da nossa industrialização.
Para isso, é preciso que o governo olhe com atenção especial as pequenas e médias empresas, cujos custos precisam ser emagrecidos pelo combate aos excessos da burocracia, dos juros, da armazenagem e do transporte. Sem essas algemas do "custo Brasil", a participação dessas empresas na geração de divisas saltaria a grande velocidade. Na Itália, por exemplo, 50% das exportações têxteis são feitas por pequenas e médias empresas. No Brasil, esse índice é de menos de 5%.
O projeto da Abit não é um sonho. Ele pode e deve ser realizado. A não ser que o Brasil ache melhor continuar adiando a sua agenda positiva.


Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional e da Companhia Vale do Rio Doce. E-mail: bvictoria@psi.com.br

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