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OPINIÃO ECONÔMICA
A hora dos têxteis
BENJAMIN STEINBRUCH
O histórico acordo emergencial da indústria automotiva,
previsto para durar seis meses,
estabelecia revisões bimestrais
para a sua continuidade. Pela
primeira vez os agentes industriais (montadoras e autopeças)
se aliaram aos fornecedores, aos
trabalhadores e aos representantes de governos estaduais e
do governo federal visando uma
equação salvadora para toda a
cadeia automotiva.
Os pátios estavam cheios de
carros, nas fábricas e nos distribuidores. As vendas, paralisadas. E os cortes de pessoal, profundos e dolorosos, ameaçavam
atingir milhares de trabalhadores. De outra parte, a crise do setor se refletia na arrecadação de
impostos federais e estaduais,
aumentando a dimensão da tragédia.
Aí as várias forças intervenientes na cadeia automotiva
começaram a se mexer. Cada
um cedeu um pouco, houve recuos de todos os lados e o acordo
foi firmado. Deu certo: os preços
baixaram para o consumidor final, os estoques diminuíram e os
pátios foram esvaziados, os empregos foram mantidos, a arrecadação de impostos foi retomada e todas as partes envolvidas
contabilizaram sucessos.
Ocorre que estava prevista
uma revisão do acordo a cada
dois meses. As indústrias, que
assumiram o compromisso de
congelar seus preços por 60 dias,
mostraram-se dispostas a dar
continuidade ao processo, mas,
ao mesmo tempo, informaram
publicamente que precisariam
reajustar os preços dos veículos
"aos níveis mínimos possíveis",
para enfrentar os aumentos de
custos decorrentes da desvalorização do real. Foi um deus-nos-acuda. A mídia reclamou, o governo ficou zangado e o acordo
foi interrompido neste 4 de
maio. Os novos preços foram
anunciados, em índices ligeiramente abaixo de 10%, um percentual compatível com os aumentos dos fornecedores de peças e componentes nacionais ou
importados, cujos produtos encareceram substancialmente
com os novos valores do dólar.
Em um segundo momento, o
governo, que havia colocado
ponto final no assunto, admitiu
reabrir as conversas e prorrogar
o acordo, desde que uma auditoria independente provasse a
alegação dos fabricantes de que,
por causa do encarecimento do
dólar, tinham perdido dinheiro
no primeiro trimestre do ano.
Estamos todos na torcida para
que prevaleça o bom senso e esse
importante setor da nossa economia não caia em uma recessão, cujos reflexos certamente
irão muito além da cadeia automotiva. A solução positiva beneficiará os consumidores, que,
ao comprar um carro, geram
perto de 40% de impostos, o que
faz do veículo brasileiro, de longe, o recordista mundial das taxações. Ela beneficiará também
os mais de 600 mil empregos diretos que estão ligados à cadeia
automotiva e que serão, por certo, duramente afetados pelas
novas realidades econômicas.
Pois foram esses 600 mil empregos que me tiraram do assunto automobilístico para me
levar para a nossa indústria têxtil, que, como uma fênix mecânica, já estava avançando em
um grande processo de modernização e que agora se beneficiou do câmbio realista e está se
mobilizando para exportar
mais e em condições mais favoráveis.
É que as entidades do setor assinalam que perto de 650 mil
empregos diretos são gerados
pela indústria têxtil, o que faz
dela um dos maiores empregadores do país.
Os estudos mostram que, incluídas as confecções, a indústria têxtil tem mais de 15 mil
empresas espalhadas por todo o
país inseridas na economia regular. E um número extra de 35
mil pequenas e médias empresas
irregulares que se integram na
chamada economia submersa
ou informal e que só não regularizam suas vidas porque a soma
da burocracia a um festival de
impostos e taxas se constitui em
barreira intransponível, um estímulo permanente à ineficiência e à corrupção.
Na totalidade, o setor têxtil fatura R$ 25 bilhões, produzindo
mais de 1 milhão de toneladas
de produtos e consumindo mais
de 800 mil toneladas de algodão
em pluma, o que faz dele um dos
maiores compradores domésticos de produtos agrícolas.
De outra parte, no entanto, as
exportações representam menos
de 10% do faturamento da indústria, o que é quase irrisório
diante do nosso potencial. No
passado, no início dos anos 80,
chegamos a participar com 1%
do comércio mundial dos têxteis. Hoje esse comércio cresceu
e, em 1998, deve ter chegado a
US$ 314 bilhões, com as exportações brasileiras oscilando na casa do 0,4%. É quase nada.
A Abit (Associação Brasileira
da Indústria Têxtil) anunciou,
meses atrás, um projeto para
elevar as nossas exportações
anuais de têxteis a US$ 4,1 bilhões em quatro anos. Para isso,
o setor teria que investir mais de
US$ 1 bilhão por ano em máquinas, equipamentos e sistemas,
dando continuidade a um programa de modernização a que
as empresas já se haviam lançado por conta própria, com pouco
ou nenhum apoio oficial.
Em 1998, o Brasil exportou
US$ 1,1 bilhão em produtos têxteis, bem abaixo do US$ 1,4 bilhão que chegamos a vender lá
fora nos anos de 1992 e 1995. Para este ano, a previsão oficial de
crescimento é de 20%, mas, mesmo assim, é possível que as importações ainda fiquem acima
das exportações.
Em 1998, o Brasil trouxe de fora, oficialmente, US$ 1,4 bilhão
em produtos têxteis. Esse número, evidentemente, não inclui os
"importabandos", que são estimados em mais de 50 mil toneladas anuais, se contarmos apenas o que chega a São Paulo proveniente do circuito Miami-Nova York-Nova Jersey. Um volume que inibe a geração de mais
de 200 mil empregos diretos só
na indústria de confecções.
A hora é de levar a sério o projeto de fazer da indústria têxtil
uma das principais alavancas
do novo desenvolvimento brasileiro. Ela que já foi o principal
pólo industrial do país, no início
do processo da nossa industrialização.
Para isso, é preciso que o governo olhe com atenção especial
as pequenas e médias empresas,
cujos custos precisam ser emagrecidos pelo combate aos excessos da burocracia, dos juros, da
armazenagem e do transporte.
Sem essas algemas do "custo
Brasil", a participação dessas
empresas na geração de divisas
saltaria a grande velocidade. Na
Itália, por exemplo, 50% das exportações têxteis são feitas por
pequenas e médias empresas.
No Brasil, esse índice é de menos
de 5%.
O projeto da Abit não é um sonho. Ele pode e deve ser realizado. A não ser que o Brasil ache
melhor continuar adiando a sua
agenda positiva.
Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional
e da Companhia Vale do Rio Doce.
E-mail: bvictoria@psi.com.br
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