São Paulo, terça-feira, 11 de junho de 2002

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ARTIGO

Caminho para a prosperidade é a inovação e não a competição

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

O crescimento econômico sustentado e sua distribuição desigual ao longo do planeta são as características mais importantes do mundo contemporâneo. Elas explicam as alterações no poder relativo dos países, a combinação de riqueza sem precedentes e pobreza continuada, a natureza da guerra moderna, a ascensão da democracia e a frustração que boa parte do mundo islâmico sente.
Ao longo dos dois últimos séculos, a renda média per capita real subiu em mais de 2.000% nos países mais ricos do mundo. Na verdade, é provável que o ganho tenha sido ainda maior. Esse crescimento foi mais rápido no século 20 do que no 19, e mais rápido na segunda metade do século 20 do que em qualquer outro período da história.
No entanto, os economistas não obtiveram sucesso em explicar essa revolução que transformou o mundo. Isso, no entanto, começa a mudar. O brilhante livro "The Free-Market Innovation Machine: Analyzing the Growth Miracle of Capitalism" (Princeton University Press, 2002), de William Baumol, professor emérito da Universidade de Princeton, ilumina com grande clareza as origens do crescimento. Ele se baseia nas percepções de Joseph Schumpeter, o economista austríaco, para expor a máquina que propele o capitalismo. Ao fazê-lo, explica por que, no século passado, a economia de mercado enterrou o socialismo -o reverso daquilo que Nikita Khruschov, o líder soviético, afirmou que aconteceria.
Se tivéssemos apenas as tecnologias de 1800, hoje, pequena parte do crescimento dos dois últimos séculos teria ocorrido. No entanto, diferentemente do que supõem virtualmente todos os modelos econômicos, esse dilúvio de inovações não foi um presente dos céus. O professor Baumol argumenta, em lugar disso, que a inovação, e não a competição de preços, é a característica central do processo de mercado. A competição força as empresas a investir em inovação. Caso não o façam, correm o risco de ficarem para trás e serem, por fim, expulsas dos mercados a que atendem.
Até mesmo os heróis da invenção não surgem de fora do mercado. Thomas Edison foi um inventor e inovador excepcional. Mas era também um homem de negócio. Um de seus legados foi o conceito de pesquisa e desenvolvimento em si, que transformou em rotina a atividade de inovação. Em um desdobramento mais recente, estimulado pelas forças de mercado, o setor de capital para empreendimentos está fazendo por empresários e inovadores individuais o que as grandes empresas há muito tempo fazem por suas equipes de pesquisa.
A inovação, portanto, faz parte da estrutura do capitalismo. Vastos benefícios atingem a todos. Os inovadores individuais obtêm, no máximo, um quinto dos benefícios econômicos que eles geram, argumenta o professor Baumol.
Por que a máquina da inovação demorou tanto a surgir? A resposta é que a energia empresarial costumava ser canalizada para a "busca de renda fixa". Em sua forma menos daninha, aquele que busca a renda é um parasita. Na mais prejudicial, é um bandido ou invasor. Na Roma antiga e na China clássica, o comércio era a maneira menos honrada de enriquecer. Por trás dos inimigos do capitalismo moderno pode-se discernir preferência semelhante pelo burocrata, sacerdote ou guerreiro em relação ao mercador "suga-dinheiro" e sua cultura de cálculo racional da cobiça.
A condição necessária para o surgimento de uma economia de mercado que recompense os empreendedores que introduzam inovações produtivas é simplesmente o domínio da lei. Como afirma o professor Baumol, "não existe ocupação cujo produto econômico total seja maior do que o dos advogados", ainda que, igualmente, "não exista nenhuma cuja contribuição marginal seja menor". Nos Estados Unidos, pelo menos, ela deve ser negativa.
Uma preocupação já antiga quanto à inovação, entre os economistas, é o fato de que ela cria monopólios. A possibilidade de criar um monopólio protegido pela lei oferece o incentivo para a inovação. Mas seria melhor se as inovações fossem tão amplamente difundidas quanto possível ao longo da economia.
Assim, paradoxalmente, a maior realização do mercado o torna menos eficiente.
O professor Baumol argumenta que essas preocupações são exageradas. Um estudo de 46 importantes produtos inovadores sugere que o tempo que demora para que surjam concorrentes em um determinado mercado caiu de uma média de 33 anos na década de 1880 para três anos agora. No entanto, o incentivo para inovar não parece ter sido solapado. As atividades de pesquisa e desenvolvimento cresceram em 700% nos Estados Unidos, em termos reais, dos anos 50 para cá.
A explicação, sugere Baumol, é que o mercado mesmo encontrou maneiras de combinar inovação e difusão. Dois desses métodos são o licenciamento e os consórcios de troca de tecnologias. Se o preço valer a pena, é interessante oferecer tecnologia para outras empresas. O resultado será uma difusão rápida da tecnologia pela economia como um todo, e sem perda do incentivo para que se crie.
Toda essa maneira de pensar sobre a economia coloca em destaque dois importantes debates contemporâneos. Primeiro, sugere que abrir os mercados mundiais é ainda mais importante do que se supõe, porque isso aumenta a pressão competitiva sobre as empresas inovadoras.
Segundo, desde que uma economia ofereça ambiente no qual empresas possam funcionar, o debate sobre os detalhes da governança corporativa talvez não seja tão importante. Todas as empresas devem gerar receita que cubra o custo de seus insumos ou perecerão. Assim, a competição entre as empresas inovadoras pode, com o tempo, eliminar os modelos corporativos fracassados. Mas talvez não exista um vencedor único. As companhias japonesas e alemãs, dominadas por alguns poucos indivíduos privilegiados, podem continuar a se sair melhor em alguns mercados, enquanto as norte-americanas, dominadas por acionistas, terão vantagem em outros.
O que torna o capitalismo singularmente bem-sucedido é a pressão que ele incorpora pela geração de novos produtos e processos. Desde que as empresas sejam forçadas a concorrer, o mercado encontrará maneiras de gerar e difundir uma sequência infinita de inovações.
O resultado talvez não seja perfeito, mas é e tem sido imensamente mais frutífero do que qualquer alternativa concebível.


Tradução de Paulo Migliacci


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