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OPINIÃO ECONÔMICA
Concordata previdenciária
PAULO RABELLO DE CASTRO
O texto apresentado como
"reforma previdenciária"
passou na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, por 44
votos a favor e 13 contra. A Comissão admitiu a proposta, sem vícios
de inconstitucionalidade. Segue,
agora, para a Comissão Especial,
que discutirá questões de mérito.
O exame de admissibilidade resultou numa vitória por larga
maioria. Uma vitória fácil, apenas aparentemente. Muitos deputados não quiseram polemizar, já
que o texto sofrerá destaques
quanto ao seu mérito. Essa posição "pragmática" transige com os
vícios que o projeto oficial de fato
carrega.
O governo ofereceu ao país um
projeto de concordata previdenciária no setor público. O projeto
trata dos regimes próprios dos servidores públicos na União, Estados e municípios. O regime geral
do setor privado, administrado
pelo INSS, escapou, apenas com
uma alteração: a elevação do teto
de contribuição para R$ 2.400
-que, tampouco, deveria ser matéria tratada como dispositivo
constitucional.
O que chama a atenção, contudo, é o tratamento discricionário
das diversas situações dos servidores públicos, se já aposentados
(portanto com seus "direitos consumados", no dizer do renomado
jurista Luiz Roberto Barroso), ou
se aposentáveis (ou seja, com "direitos adquiridos", pelo cumprimento de todos os requisitos), ou,
se ainda na ativa, não-aposentáveis (daí, apenas acumulando
"expectativas de direito", que não
são diretamente amparadas pela
norma constitucional).
Aos já aposentados, o texto de
reforma do governo quer impor a
contribuição de custeio na sua
inatividade, que será igual à dos
servidores ativos, e, nos Estados e
municípios, nos seus regimes autônomos, não poderá ser inferior
à alíquota praticada pela União
na cobrança dos seus estatutários.
É patente a insegurança jurídica e
a provável inconstitucionalidade
de estabelecer uma alíquota federal -que, uma vez alterada para
cima, por exemplo, mexerá com
toda a estrutura atuarial montada nos Estados e municípios, cujas
características são tão distintas
entre si! No entanto essa "pérola"
passou batida pela CCJ na Câmara.
Mas, para os aposentados, a
questão não é de alíquota, tanto
quanto da natureza da contribuição, que retroagirá sobre o direito
consumado. É o espelho da esdrúxula idéia que circulou, na semana passada, visando a taxar com
alíquota extra de Imposto de Renda os ex-universitários de vida
profissional "bem-sucedida" -aí
entendido quem estudou em universidade pública e, "pour cause",
ganhar mais de R$ 30.000 por
ano.
Essas propostas estão todas
amarradas num falso questionamento moral, que indaga "se é
justo" que algumas dezenas de
milhares de servidores privilegiados custem aos cofres públicos
mais do que todos os programas
de assistência do governo... A tendência de qualquer platéia, hipnotizada pela falácia do argumento e culpabilizada pela percepção chocante das evidentes desigualdades de toda natureza
num país tão desnivelado quanto
o nosso, é, simplesmente, balbuciar: "Não, não é justo... reforme-se a lei, punam-se os culpados!".
Nessa mesma toada, amanhã
nos perguntaremos se é justo se alguns tenham mais terra, enquanto outros menos ou nenhuma, ou
se é justo que alguns tenham tanta escolaridade, enquanto outros
menos ou nenhuma, e se sobre
aqueles que tiverem acumulado
mais alguma taxação extra terá
de ser aplicada, não pela progressividade de um Imposto de Renda
ou por um imposto geral de consumo, mas pelo simples fato de terem acumulado um direito ou
uma certa riqueza!
Pior é a situação dos servidores
da ativa (veja quadro). Para esses,
como não têm direitos adquiridos, mas mera esperança de direito, a proposta previdenciária reserva uma surpresa "que não é
justa". Se hoje se aposentariam
com a remuneração do último
cargo efetivo, após a reforma calcular-se-ão seus salários ao longo
de toda a vida laboral. Quanto
mais o servidor houver investido
em sua própria ascensão profissional, maior será sua punição,
pois o provento na inatividade refletirá tanto seus menores quanto
seus maiores salários. Isso é justo?
Insisto na pergunta sobre a dita
"justiça", para concluir que este
debate não trata de justiça. Óbvio
que a distribuição da sorte na vida e das chances neste país nunca
foi justa. Não será essa lei que fará
justiça. O que importa, nesse caso,
é a segurança jurídica e o aperfeiçoamento do sistema previdenciário, sob um critério de efetiva capacidade contributiva. E, sob esses
critérios, o texto da concordata
previdenciária é falho, pobre e
atuarialmente impróprio. É politicamente inconstitucional ferir a
esperança acumulada dos servidores ativos, aos quais uma regra
de proporcionalidade sobre os
anos já trabalhados deveria ser
garantida.
Óbvio também que não cabe
uma alíquota única de cobrança
a inativos, que pagarão 11% sobre
R$ 1.500 ou os mesmos 11% sobre
R$ 17.000 ou R$ 20.000. Num caso,
corta-se a verba do diurético, no
outro, corta-se parte da prestação
do Fusca zero do netinho (isso é
justo?)...
Finalmente, onde já se viu falar
de reforma previdenciária sem
previsão constitucional de uma lei
de responsabilidade previdenciária que, de fato, defina os critérios
atuariais pelos quais o legislador,
hoje à galega, eleva ou abaixa tetos, corta pensões de viúvas, estabelece e altera alíquotas de custeio? Isso é sério?
O Brasil continua sendo um
país em que até o passado é precário!
Paulo Rabello de Castro, 54, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail -
paulo@rcconsultores.com.br
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