São Paulo, quarta-feira, 11 de agosto de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Crescimento, sim, de novo tipo

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Os pessimistas do crescimento têm hoje entre seus principais argumentos a resistência dos juros à baixa e a próxima exaustão da capacidade da indústria de expandir a sua produção. Levanto, no que segue, algumas dúvidas e ponderações a esse respeito.
Todas as vezes em que, nos últimos anos, o ambiente econômico permitiu o reaquecimento da economia, os investimentos também retomaram -sem que os juros tivessem alcançado níveis, digamos, civilizados. Na presente recuperação, o mesmo está ocorrendo e é de destacar que, desta feita, a reação dos investimentos tem se mostrado excepcionalmente positiva.
Uma importante possível razão para a retomada dos investimentos -não obstante a persistência de juros que em outros contextos seriam considerados proibitivos- é que as frustrações dos últimos anos teriam acarretado um represamento de oportunidades não exploradas. Muitos desses investimentos, convém advertir, seriam de mero desengargalamento. Em tais casos as empresas estariam reequilibrando suas capacidades (linhas de produção, safras de equipamentos etc.), tarefa que teria sido rotineiramente cumprida, caso o ambiente não tivesse sido tão turbulento e frustrante. Não é difícil imaginar que investimentos desse tipo, à medida que voltem a ser justificados pelo mercado, dificilmente seriam impedidos por juros -ainda quando estes se mostrem elevadíssimos nas comparações internacionais. Em outros casos, os investimentos estariam explorando oportunidades antevistas como bastante atraentes em outras retomadas, mas que aguardavam tempos menos bicudos para materializar-se. O que acaba de ser dito significa, em suma, que (também) existe, paradoxalmente, um legado de oportunidades deixado pela quase estagnação.
Passada a fase inicial de mero desrepresamento de oportunidades, tende-se a ingressar num outro quadro. Neste, em não ocorrendo sérias ameaças de crise cambiais, capazes de induzir nova escalada de juros, e à medida que a confiança na economia continue aumentando (como no presente momento), não há por que supor que os juros básicos não possam, moderadamente, baixar. A tão alegada memória de um passado problemático pode, no caso, quando muito, refrear o ritmo de redução dos juros.
O anterior permite ver o quadro atual com outros olhos. Os investimentos teriam sido contidos no passado, prioritariamente, por colapsos (ou ameaças de colapso) do mercado doméstico. E é aqui que entra em cena uma questão central, recorrentemente apontada pelos "otimistas": a razão de ser dos recorrentes colapsos está sendo superada ou mesmo eliminada. Para entendê-lo, convém estilizar o comportamento e reações típicas de numerosas indústrias deste país, desde a abertura.
Durante os anos 90, as indústrias reagiram à abertura, modernizando-se e atualizando o seu portfólio de produtos. Mais recentemente, cansadas de errar em suas estimativas referentes ao mercado doméstico, com a modernização já concluída, e defrontando-se com taxas de câmbio bastante atraentes, passaram a introduzir séria e sistematicamente as exportações em suas estratégias. Ironicamente, ao buscar proteger-se do instável mercado doméstico via exportações, passavam a contribuir decididamente para a estabilização do próprio mercado local. Em outras palavras, a ofensiva exportadora (inegavelmente beneficiada por políticas de apoio às vendas externas) começava a livrar a economia do "desestabilizador endógeno" em que consistia a incapacidade, por parte de uma economia altamente endividada, de expandir as exportações mais rápido que o PIB.
Tanto o represamento de oportunidades quanto a busca de autoproteção via exportações, que beneficiam hoje a economia, são conseqüências imprevistas de decisões tomadas pelas empresas, numa atitude, assinale-se, eminentemente defensiva. Finalizo com duas sumárias observações.
Se é correto o que acaba de ser dito, não há com imaginar sequer que a resistência à queda de juros (que não foi aqui negada) e a duvidosa exaustão da capacidade produtiva das empresas possam, por si só, voltar a produzir crises semelhantes às do passado.
Por outro lado, sendo a atual recuperação tão vigorosa quanto os dados parecem indicar e as restrições ao crescimento tão relativas como tratamos de mostrar, dificilmente se justificam as grandes mudanças defendidas por alguns. E isso não apenas pelo cansaço desta sociedade em relação a (novas) mudanças de parâmetros mas porque os últimos anos parecem deixar claro que esta é uma sociedade em que atores públicos, indivíduos, empresas e movimentos sociais, muitas vezes em parceria, estão por toda parte buscando ativamente novas soluções, contornos e brechas para as dificuldades com que se defrontam. E esse parece ser um ingrediente, raramente percebido, de um tipo de crescimento altamente difuso e descentralizado, que pode estar começando a se afirmar.


Antonio Barros de Castro, 66, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.


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