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OPINIÃO ECONÔMICA
Crescimento, sim, de novo tipo
ANTONIO BARROS DE CASTRO
Os pessimistas do crescimento têm hoje entre seus
principais argumentos a resistência dos juros à baixa e a próxima
exaustão da capacidade da indústria de expandir a sua produção. Levanto, no que segue, algumas dúvidas e ponderações a esse
respeito.
Todas as vezes em que, nos últimos anos, o ambiente econômico
permitiu o reaquecimento da economia, os investimentos também
retomaram -sem que os juros tivessem alcançado níveis, digamos, civilizados. Na presente recuperação, o mesmo está ocorrendo e é de destacar que, desta feita,
a reação dos investimentos tem se
mostrado excepcionalmente positiva.
Uma importante possível razão
para a retomada dos investimentos -não obstante a persistência
de juros que em outros contextos
seriam considerados proibitivos- é que as frustrações dos últimos anos teriam acarretado um
represamento de oportunidades
não exploradas. Muitos desses investimentos, convém advertir, seriam de mero desengargalamento. Em tais casos as empresas estariam reequilibrando suas capacidades (linhas de produção, safras
de equipamentos etc.), tarefa que
teria sido rotineiramente cumprida, caso o ambiente não tivesse sido tão turbulento e frustrante.
Não é difícil imaginar que investimentos desse tipo, à medida que
voltem a ser justificados pelo mercado, dificilmente seriam impedidos por juros -ainda quando estes se mostrem elevadíssimos nas
comparações internacionais. Em
outros casos, os investimentos estariam explorando oportunidades antevistas como bastante
atraentes em outras retomadas,
mas que aguardavam tempos
menos bicudos para materializar-se. O que acaba de ser dito
significa, em suma, que (também) existe, paradoxalmente, um
legado de oportunidades deixado
pela quase estagnação.
Passada a fase inicial de mero
desrepresamento de oportunidades, tende-se a ingressar num outro quadro. Neste, em não ocorrendo sérias ameaças de crise
cambiais, capazes de induzir nova escalada de juros, e à medida
que a confiança na economia
continue aumentando (como no
presente momento), não há por
que supor que os juros básicos
não possam, moderadamente,
baixar. A tão alegada memória
de um passado problemático pode, no caso, quando muito, refrear o ritmo de redução dos juros.
O anterior permite ver o quadro
atual com outros olhos. Os investimentos teriam sido contidos no
passado, prioritariamente, por
colapsos (ou ameaças de colapso)
do mercado doméstico. E é aqui
que entra em cena uma questão
central, recorrentemente apontada pelos "otimistas": a razão de
ser dos recorrentes colapsos está
sendo superada ou mesmo eliminada. Para entendê-lo, convém
estilizar o comportamento e reações típicas de numerosas indústrias deste país, desde a abertura.
Durante os anos 90, as indústrias reagiram à abertura, modernizando-se e atualizando o seu
portfólio de produtos. Mais recentemente, cansadas de errar em
suas estimativas referentes ao
mercado doméstico, com a modernização já concluída, e defrontando-se com taxas de câmbio bastante atraentes, passaram
a introduzir séria e sistematicamente as exportações em suas estratégias. Ironicamente, ao buscar proteger-se do instável mercado doméstico via exportações,
passavam a contribuir decididamente para a estabilização do
próprio mercado local. Em outras
palavras, a ofensiva exportadora
(inegavelmente beneficiada por
políticas de apoio às vendas externas) começava a livrar a economia do "desestabilizador endógeno" em que consistia a incapacidade, por parte de uma economia
altamente endividada, de expandir as exportações mais rápido
que o PIB.
Tanto o represamento de oportunidades quanto a busca de autoproteção via exportações, que
beneficiam hoje a economia, são
conseqüências imprevistas de decisões tomadas pelas empresas,
numa atitude, assinale-se, eminentemente defensiva. Finalizo
com duas sumárias observações.
Se é correto o que acaba de ser
dito, não há com imaginar sequer
que a resistência à queda de juros
(que não foi aqui negada) e a duvidosa exaustão da capacidade
produtiva das empresas possam,
por si só, voltar a produzir crises
semelhantes às do passado.
Por outro lado, sendo a atual
recuperação tão vigorosa quanto
os dados parecem indicar e as restrições ao crescimento tão relativas como tratamos de mostrar,
dificilmente se justificam as grandes mudanças defendidas por alguns. E isso não apenas pelo cansaço desta sociedade em relação a
(novas) mudanças de parâmetros
mas porque os últimos anos parecem deixar claro que esta é uma
sociedade em que atores públicos,
indivíduos, empresas e movimentos sociais, muitas vezes em parceria, estão por toda parte buscando ativamente novas soluções,
contornos e brechas para as dificuldades com que se defrontam. E
esse parece ser um ingrediente,
raramente percebido, de um tipo
de crescimento altamente difuso e
descentralizado, que pode estar
começando a se afirmar.
Antonio Barros de Castro, 66, professor titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.
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