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análise
Globalização feliz, mas sujeita a solavancos
PIERRE-ANTOINE DELHOMMAIS
DO "MONDE"
Talvez a situação fosse boa
demais para durar. Depois de
muitos anos de crescimento
sem precedentes, que beneficiou tanto os países mais ricos quanto os mais pobres, a
economia mundial, que vinha seguindo um círculo virtuoso que parecia interminável, agora está sob a brutal
ameaça da crise imobiliária
americana.
Os especialistas vinham
esperando e prevendo que os
problemas causados por essa
crise ficassem limitados aos
EUA e que ela não causasse
conseqüências a não ser em
pequenas instituições especializadas que terminariam
punidas por assumir riscos
insensatos ao emprestar a
pessoas que mal conseguiam
se manter solventes. Mas subitamente a crise parece ter
se estendido a grandes e
prestigiosos bancos, não só
americanos como também
asiáticos e europeus. Diante
das notícias inquietantes, os
investidores se assustaram, o
que causou alta nas taxas de
juros e queda nas bolsas.
Com isso, todo o sistema financeiro internacional terminou desestabilizado, e
com ele a economia mundial.
E esta vinha atravessando
uma fase excelente. No final
de junho, o presidente do
Banco de Compensações Internacionais (BIS), Malcolm
Knight, chegou a usar o termo "era dourada". Estimulado pela decolagem dos chamados BRIC (Brasil, Rússia,
Índia e China), países cujo
desenvolvimento vem se
acelerando mais e mais, o
crescimento econômico
mundial subiu a 5,4% em
2006. O planeta não tinha
elevação assim tão acelerada
de sua riqueza desde os anos
1960. Além disso, o crescimento jamais havia se distribuído de maneira tão equilibrada. Mesmo na África, que
sofreu abandono econômico
nas duas últimas décadas, o
PIB subiu 5,5% em 2006.
E, para desagrado dos detratores da globalização, esse
crescimento excepcional
permitiu redução espetacular da pobreza: em 2004, havia 985 milhões de pessoas
vivendo com renda diária inferior a US$ 1, no mundo, ante 1,25 bilhão em 1990.
Além disso, de maneira
completamente inédita, esse
forte crescimento não veio
acompanhado de qualquer
surto inflacionário, apesar da
alta das matérias-primas. A
relativa estabilidade de preços parecia, igualmente, uma
conseqüência benéfica da
globalização: a concorrência
frenética entre as empresas
de todo o mundo impede que
elas elevem os preços.
Outro elemento novo, os
desequilíbrios gigantescos
nos fluxos de comércio, parecia estar sendo absorvido
sem crises de câmbio.
O último ingrediente desse
panorama de sonho: apesar
da concorrência com os
emergentes e do deslocamento industrial, o desemprego caiu de forma inédita
nos países industrializados.
Esses níveis de emprego desmentem a idéia de que a globalização é inimiga dos nossos empregos, e que os chineses e indianos desejam roubar nosso trabalho.
Mas se a globalização representa uma tendência positiva, ela ainda assim causa
sérios solavancos. Caso o
moral dos consumidores
americanos sofra porque
seus domicílios estão perdendo valor, eles tenderão a
consumir menos. Nesse caso, as exportações chinesas
também cairão, Pequim
comprará menos títulos do
Tesouro dos EUA, as taxas de
juros americanas terão de
subir, o dólar entrará em
queda, o euro subirá. Ao final
do processo, todos sofrem.
O encadeamento de intercâmbios comerciais, participações de capital e interesses
financeiros tem uma conseqüência: da mesma maneira
que o crescimento de alguns
traz prosperidade a outros, a
crise econômica em um lugar causa fatalmente fortes
turbulências alhures.
A globalização sempre
causou muitos choques porque vem acompanhada de
uma sucessão de bolhas especulativas. A conversão cada vez maior da economia
dos EUA ao aspecto financeiro bem como a atitude relaxada dos BCs, que falam duro
mas operam com generosidade, permite que os especuladores atuem livremente. E
eis que surge a crise americana dos créditos imobiliários,
cujo impacto ninguém é capaz de prever, hoje.
"O que sabemos com certeza", explicou o economista
canadense-americano John
Kenneth Galbraith, "é que
episódios especulativos nunca terminam docemente. O
mais sábio é prever o pior,
mesmo que isso seja improvável, na opinião da maioria
das pessoas".
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