São Paulo, sábado, 11 de agosto de 2007

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análise

Globalização feliz, mas sujeita a solavancos

PIERRE-ANTOINE DELHOMMAIS
DO "MONDE"

Talvez a situação fosse boa demais para durar. Depois de muitos anos de crescimento sem precedentes, que beneficiou tanto os países mais ricos quanto os mais pobres, a economia mundial, que vinha seguindo um círculo virtuoso que parecia interminável, agora está sob a brutal ameaça da crise imobiliária americana.
Os especialistas vinham esperando e prevendo que os problemas causados por essa crise ficassem limitados aos EUA e que ela não causasse conseqüências a não ser em pequenas instituições especializadas que terminariam punidas por assumir riscos insensatos ao emprestar a pessoas que mal conseguiam se manter solventes. Mas subitamente a crise parece ter se estendido a grandes e prestigiosos bancos, não só americanos como também asiáticos e europeus. Diante das notícias inquietantes, os investidores se assustaram, o que causou alta nas taxas de juros e queda nas bolsas. Com isso, todo o sistema financeiro internacional terminou desestabilizado, e com ele a economia mundial.
E esta vinha atravessando uma fase excelente. No final de junho, o presidente do Banco de Compensações Internacionais (BIS), Malcolm Knight, chegou a usar o termo "era dourada". Estimulado pela decolagem dos chamados BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), países cujo desenvolvimento vem se acelerando mais e mais, o crescimento econômico mundial subiu a 5,4% em 2006. O planeta não tinha elevação assim tão acelerada de sua riqueza desde os anos 1960. Além disso, o crescimento jamais havia se distribuído de maneira tão equilibrada. Mesmo na África, que sofreu abandono econômico nas duas últimas décadas, o PIB subiu 5,5% em 2006.
E, para desagrado dos detratores da globalização, esse crescimento excepcional permitiu redução espetacular da pobreza: em 2004, havia 985 milhões de pessoas vivendo com renda diária inferior a US$ 1, no mundo, ante 1,25 bilhão em 1990.
Além disso, de maneira completamente inédita, esse forte crescimento não veio acompanhado de qualquer surto inflacionário, apesar da alta das matérias-primas. A relativa estabilidade de preços parecia, igualmente, uma conseqüência benéfica da globalização: a concorrência frenética entre as empresas de todo o mundo impede que elas elevem os preços.
Outro elemento novo, os desequilíbrios gigantescos nos fluxos de comércio, parecia estar sendo absorvido sem crises de câmbio.
O último ingrediente desse panorama de sonho: apesar da concorrência com os emergentes e do deslocamento industrial, o desemprego caiu de forma inédita nos países industrializados. Esses níveis de emprego desmentem a idéia de que a globalização é inimiga dos nossos empregos, e que os chineses e indianos desejam roubar nosso trabalho.
Mas se a globalização representa uma tendência positiva, ela ainda assim causa sérios solavancos. Caso o moral dos consumidores americanos sofra porque seus domicílios estão perdendo valor, eles tenderão a consumir menos. Nesse caso, as exportações chinesas também cairão, Pequim comprará menos títulos do Tesouro dos EUA, as taxas de juros americanas terão de subir, o dólar entrará em queda, o euro subirá. Ao final do processo, todos sofrem.
O encadeamento de intercâmbios comerciais, participações de capital e interesses financeiros tem uma conseqüência: da mesma maneira que o crescimento de alguns traz prosperidade a outros, a crise econômica em um lugar causa fatalmente fortes turbulências alhures.
A globalização sempre causou muitos choques porque vem acompanhada de uma sucessão de bolhas especulativas. A conversão cada vez maior da economia dos EUA ao aspecto financeiro bem como a atitude relaxada dos BCs, que falam duro mas operam com generosidade, permite que os especuladores atuem livremente. E eis que surge a crise americana dos créditos imobiliários, cujo impacto ninguém é capaz de prever, hoje.
"O que sabemos com certeza", explicou o economista canadense-americano John Kenneth Galbraith, "é que episódios especulativos nunca terminam docemente. O mais sábio é prever o pior, mesmo que isso seja improvável, na opinião da maioria das pessoas".


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