São Paulo, sábado, 11 de setembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

O que não fazer

GESNER OLIVEIRA

A recuperação da economia em uma conjuntura de elevação de preços de matérias-primas e precariedade da infra-estrutura gera preocupação legítima com o aumento da inflação. A primeira tarefa a ser feita é descartar falsas soluções.
Há pelo menos três caminhos equivocados. O primeiro deles é a opção que estará na mesa do Copom (Comitê de Política Monetária) na semana que vem de elevar a taxa de juros para conter um suposto excesso de demanda e, dessa forma, assegurar o cumprimento da meta de 4,5% de inflação para 2005.
Uma elevação da taxa de juros nas atuais circunstâncias representaria uma ducha de água fria para a retomada da economia. Essa alternativa emitiria um sinal negativo para o investimento produtivo, algo diametralmente oposto àquilo que se deseja. A maior dificuldade no momento é precisamente superar a relutância das empresas em ampliar a capacidade, evitando que os gargalos setoriais ocorram ou se agravem nos próximos 18 meses. O aumento da taxa de investimento constitui uma das condições fundamentais para que a atual recuperação se transforme em um crescimento sustentado.
O custo de uma elevação marginal da taxa Selic em termos de sinalização negativa para o investimento seria alto se comparado àquilo que essa opção poderia ajudar para diminuir a inflação. Se o pior acontecer e o petróleo atingir US$ 50 barril de forma sustentada, o jogo será outro. Mas, nesse caso, não será 0,25 ou 0,5 ponto na taxa primária de juros que vai resolver o problema.
O segundo caminho equivocado é o da promoção de um suposto pacto social que chegou a ser veiculado pelas lideranças da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) como forma de moderar a evolução dos custos salariais. Tal proposição ignora a brutal heterogeneidade das categorias envolvidas, bem como a histórica falta de representatividade das organizações de classe no Brasil. Não se consideram a impossibilidade de um mecanismo desse tipo conviver com o atual sistema de metas de inflação nem o anacronismo de uma volta ao passado de monitoramento e controle de preços.
Além disso, assim como no caso de uma elevação marginal do juro primário, tal proposta não resolveria o problema. As principais pressões de custo não residem na mão-de-obra, mas no custo de matéria-prima.
O terceiro caminho equivocado seria a alteração dos impostos de importação e de exportação de forma a baratear as compras externas e reorientar a produção para o mercado interno. A exemplo da elevação dos juros, tal proposta emite o sinal trocado. Pretende-se que as empresas gerem capacidade produtiva para exportar aumentando o seu coeficiente de abertura em caráter permanente. Há indícios de que isso já esteja ocorrendo em vários segmentos. Uma mudança nas regras do jogo poderia colocar tudo a perder.
Uma intervenção arbitrária diminuindo artificialmente a rentabilidade de algumas exportações afetaria negativamente as expectativas do conjunto dos exportadores sem benefícios expressivos em termos de aumento da oferta interna.
Por sua vez, uma redução pontual ou geral nas tarifas de importação poderia gerar efeitos desastrosos. Como o PIB está se recuperando, já está em curso um aumento das importações. Nesse contexto, a introdução de estímulos adicionais pode representar uma overdose. Se, além disso, os agentes acharem que a medida é temporária, as compras externas aumentarão muito além daquilo que seria prudente do ponto de vista do balanço de pagamentos. Assim, mudanças na política de taxação do comércio exterior devem ser graduais e de longo prazo, evitando-se oscilações motivadas por razões conjunturais.
É mais fácil dizer o que não deve ser feito. Mas os problemas apontados dão uma pista para uma agenda positiva. Diante de um problema de oferta e de uma baixa taxa de investimento, a responsabilidade pelo ajuste não pode recair sobre a política monetária, mas sobre a política fiscal.
Por sua vez, essa última não pode se basear no aumento de impostos pelo simples fato de que já se tributa de forma exagerada no Brasil. Uma vez mais, conclui-se que o esforço deve residir na racionalização e no corte de gastos correntes do governo, única forma de abrir espaço para mais investimento, público e privado.


Gesner Oliveira, 48, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


Texto Anterior: Saiba mais: Itaú e BB obtêm maiores lucros no 1º semestre
Próximo Texto: O Vôo da águia: Déficit comercial dos EUA diminui
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.