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Começa ensaio de "produto Mercosul"
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Mal saiu da reunião em que o
ministro argentino da Economia,
Roberto Lavagna, expôs ao governo brasileiro sua proposta de integração das cadeias produtivas, o
ministro Luiz Fernando Furlan
pôs o pé na estrada para dar forma concreta a essa idéia (que, de
resto, é também sua).
Viajou para Bento Gonçalves
(RS) para uma reunião com fabricantes de móveis do Mercosul,
exatamente para começar a trabalhar no que poderia ser chamado
de um produto "made in Mercosul" (ou Mercosur, já que é assim
em inglês e em espanhol).
Na prática, significa que, se a indústria brasileira é craque, por
exemplo, em móveis feitos com
compensados de madeira, fica para o Brasil essa fatia. Se a Argentina faz bem fechaduras, digamos,
essa parte fica com ela (faltaria
acomodar os dois outros sócios,
Uruguai e Paraguai, que têm indústrias menos relevantes).
O exemplo prático dos móveis
não é o único em que se está trabalhando na tentativa de pôr fim
às contínuas divergências entre
Brasil e Argentina, casal que briga
sem parar, mas não quer ou não
pode se divorciar.
O Brasil não pode romper porque perde um dos principais eixos
de sua política externa, que é a
possibilidade de falar não apenas
por ele como também por um
conjunto de países do Sul (o Mercosul hoje; toda a América do Sul
amanhã, se os sonhos do Itamaraty virarem realidade).
A Argentina não pode "se separar" porque o Brasil é seu maior
parceiro comercial hoje em dia, e
ninguém rompe com alguém
com esse cacife.
Mas o governo brasileiro, especialmente o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior, começa a se cansar de
enfrentar pequenas crises periódicas. Como as enfrentadas em
julho, quando os fabricantes de linha branca e TVs daquele país reclamaram contra uma invasão de
produtos brasileiros, caso que
culminou com restrição tarifária
ou por cota aos artigos daqui.
"Não é um grande drama para o
Brasil ter um déficit comercial de,
por exemplo, US$ 1 bilhão com a
Argentina. Mas somos contra ficar examinando setor por setor
microeconomicamente, cada vez
que há uma reclamação", diz Mário Mugnaini, secretário-executivo da Camex (Câmara de Comércio Exterior).
Para fugir desse tormento, a
maneira que autoridades argentinas e brasileiras descobriram é integrar as cadeias produtivas, como no caso dos móveis.
Ou como, eventualmente, no
caso dos sapatos (que foram um
dos temas de ruído nas relações
bilaterais). Neste caso, um país
entraria com o couro, o outro
com as fivelas, quando houver, ou
com a borracha -e sai de fábrica
um "calçado Mercosul".
"Temos que reestruturar as cadeias produtivas do Mercosul.
Não dá para continuar cada um
na sua", diz Mugnaini.
Claro que não se trata de um
processo simples ou rápido. O
produtor de cada um dos lados
sempre haverá de querer que a fatia mais rentável de um dado negócio fique com ele, não com o
produtor do vizinho.
Enquanto o processo não avança, o que está se fazendo para evitar que o Mercosul se desintegre
por tantas divergências são duas
coisas:
1) Resolver sempre que possível
no silêncio do Comitê de Monitoramento as queixas dos setores
(em geral argentinos) que se consideram prejudicados por supostas ou reais invasões de produtos
do outro país.
2) Insistir com os argentinos
que, por muito que o governo
considere estratégica a relação bilateral, há setores internos que
"estão loucos para chutar o balde", na expressão de quem freqüenta assiduamente as reuniões
do comitê.
O recado aos argentinos é claro:
não peçam absurdos porque, se o
fizerem, pode desandar tudo.
Se o recado for entendido, é
possível que os primeiros produtos "made in Mercosul" surjam
antes de que o bloco naufrague.
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