São Paulo, sábado, 11 de setembro de 2004

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Começa ensaio de "produto Mercosul"

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Mal saiu da reunião em que o ministro argentino da Economia, Roberto Lavagna, expôs ao governo brasileiro sua proposta de integração das cadeias produtivas, o ministro Luiz Fernando Furlan pôs o pé na estrada para dar forma concreta a essa idéia (que, de resto, é também sua).
Viajou para Bento Gonçalves (RS) para uma reunião com fabricantes de móveis do Mercosul, exatamente para começar a trabalhar no que poderia ser chamado de um produto "made in Mercosul" (ou Mercosur, já que é assim em inglês e em espanhol).
Na prática, significa que, se a indústria brasileira é craque, por exemplo, em móveis feitos com compensados de madeira, fica para o Brasil essa fatia. Se a Argentina faz bem fechaduras, digamos, essa parte fica com ela (faltaria acomodar os dois outros sócios, Uruguai e Paraguai, que têm indústrias menos relevantes).
O exemplo prático dos móveis não é o único em que se está trabalhando na tentativa de pôr fim às contínuas divergências entre Brasil e Argentina, casal que briga sem parar, mas não quer ou não pode se divorciar.
O Brasil não pode romper porque perde um dos principais eixos de sua política externa, que é a possibilidade de falar não apenas por ele como também por um conjunto de países do Sul (o Mercosul hoje; toda a América do Sul amanhã, se os sonhos do Itamaraty virarem realidade).
A Argentina não pode "se separar" porque o Brasil é seu maior parceiro comercial hoje em dia, e ninguém rompe com alguém com esse cacife.
Mas o governo brasileiro, especialmente o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, começa a se cansar de enfrentar pequenas crises periódicas. Como as enfrentadas em julho, quando os fabricantes de linha branca e TVs daquele país reclamaram contra uma invasão de produtos brasileiros, caso que culminou com restrição tarifária ou por cota aos artigos daqui.
"Não é um grande drama para o Brasil ter um déficit comercial de, por exemplo, US$ 1 bilhão com a Argentina. Mas somos contra ficar examinando setor por setor microeconomicamente, cada vez que há uma reclamação", diz Mário Mugnaini, secretário-executivo da Camex (Câmara de Comércio Exterior).
Para fugir desse tormento, a maneira que autoridades argentinas e brasileiras descobriram é integrar as cadeias produtivas, como no caso dos móveis.
Ou como, eventualmente, no caso dos sapatos (que foram um dos temas de ruído nas relações bilaterais). Neste caso, um país entraria com o couro, o outro com as fivelas, quando houver, ou com a borracha -e sai de fábrica um "calçado Mercosul".
"Temos que reestruturar as cadeias produtivas do Mercosul. Não dá para continuar cada um na sua", diz Mugnaini.
Claro que não se trata de um processo simples ou rápido. O produtor de cada um dos lados sempre haverá de querer que a fatia mais rentável de um dado negócio fique com ele, não com o produtor do vizinho.
Enquanto o processo não avança, o que está se fazendo para evitar que o Mercosul se desintegre por tantas divergências são duas coisas:
1) Resolver sempre que possível no silêncio do Comitê de Monitoramento as queixas dos setores (em geral argentinos) que se consideram prejudicados por supostas ou reais invasões de produtos do outro país.
2) Insistir com os argentinos que, por muito que o governo considere estratégica a relação bilateral, há setores internos que "estão loucos para chutar o balde", na expressão de quem freqüenta assiduamente as reuniões do comitê.
O recado aos argentinos é claro: não peçam absurdos porque, se o fizerem, pode desandar tudo.
Se o recado for entendido, é possível que os primeiros produtos "made in Mercosul" surjam antes de que o bloco naufrague.


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