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OPINIÃO ECONÔMICA
Hora da verdade
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Vivemos hoje, no Brasil, um
período político de extraordinária importância. Em momentos como esse, quando uma sociedade se coloca diante de escolhas
que vão definir os rumos de seu
futuro, o bom senso e o debate
aberto são fundamentais. A radicalização, que é filha natural do
debate eleitoral, pode acabar
criando um fosso muito grande no
espectro político do país. A leitura
da história nos mostra que períodos de grande sucesso ou longos
dias de lágrimas e fracassos seguem-se a momentos de opções
radicais, como este que estamos
enfrentando.
A radicalização da recém-iniciada campanha pelo segundo
turno parece, entretanto, inevitável. Se alguém tem alguma dúvida
sobre isso, sugiro uma reflexão
mais profunda sobre alguns acontecimentos de anteontem. A prova
mais clara pode ser encontrada na
entrevista coletiva do presidente
do Banco Central, depois de uma
reunião com o ministro da Fazenda e o presidente da República. A
violência com que os jornalistas
caíram sobre um Armínio Fraga
claramente deprimido, em razão
das dificuldades atuais, teve tintas
de um fascismo insuportável. A
combinação da ignorância sobre
os assuntos, que estavam sendo
tratados com a militância política
explícita de alguns profissionais,
somada a ingredientes que se
combinaram com uma falta de
respeito inaceitável por uma autoridade pública que se propôs ao
debate aberto, foi assustadora,
mas didática.
Eu tenho, e desculpe-me a falta
de modéstia, toda a legitimidade
para criticar a equipe econômica
atual. Essa legitimidade vem de
um longo embate, de mais de seis
anos, sistemático e racional com o
chamado malanismo. Primeiro
fazendo parte de um verdadeiro
movimento de guerrilha dentro
do governo, que tentou evitar que
trilhássemos os caminhos do Consenso de Washington. Depois, por
um período muito curto, como vice-presidente do PSDB. Perdidas
essas duas trincheiras recuei, a
convite do dr. Octavio Frias, para
a posição de colunista da Folha,
por meio da qual venho, nos últimos anos, mantendo minha luta
por novos horizontes da política
econômica.
Posso, portanto, afirmar que o
presidente do Banco Central é
uma pessoa virtuosa, tanto como
cidadão como economista. Os erros que cometeu em seu período à
frente de nossa autoridade monetária são frutos de uma leitura incorreta sobre nossa economia e,
por isso, da escolha de caminhos
errados para o país. Não pode ser,
portanto, uma vítima dessa caça
às bruxas que o radicalismo de
parte das pessoas que apóiam o
candidato da oposição tenta implantar no país. Colocar as opções
que se abrem aos brasileiros hoje,
sob a forma do bem e do mal, é a
mais eficiente maneira de estragar a riqueza do momento que estamos vivendo.
Para não ficarmos apenas no
terreno das generalidades, vamos
refletir juntos sobre as consequências desse radicalismo do tipo certo ou errado, na questão do debate econômico. Como já tratei nesta
coluna e fica cada dia mais explícito, o pensamento econômico que
vai permear e orientar a ação de
um eventual governo Lula é muito particular. Quase marginal,
quando olhamos para um espectro maior das várias escolas do
pensamento econômico. Não pretendo com essas palavras desqualificá-lo, pois eu comungo com
muitas das idéias desse grupo. A
necessidade de uma política econômica que leve em consideração
a realidade social e institucional
do Brasil, a importância das questões microeconômicas, a legitimidade de uma ação do governo em
certos mercados, a interferência
sobre o processo de distribuição de
renda são, entre outros, pontos comuns que tenho com esse grupo.
Discordamos em questões importantes, principalmente as relativas
ao equilíbrio macroeconômico necessário para reencontrarmos o
caminho do desenvolvimento.
Além dessas discordâncias em
conceitos, não vejo também no
programa de Lula e nas declarações dos economistas do PT o reconhecimento da gravidade da situação de crise financeira e cambial atual. Muito em razão desse
clima do bem e do mal, que foi
construído ao longo da campanha
eleitoral, Lula tem procurado associar os problemas de hoje somente ao governo FHC, cobrando
dele uma solução para a crise nos
meses que faltam para o fim de
seu mandato. Alguns de seus companheiros chegaram até a sugerir
que a escalada do dólar era uma
arma política, para ganhar as
eleições. Não percebem que a crise
atual tem muito a ver com a transição esperada pelos mercados e
que vai ser herdada pelo próximo
governo. Passados poucos meses
da posse do novo presidente, recairão sobre suas costas as dificuldades econômicas que o povo certamente encontrará, caso o caminho escolhido para enfrentar nossas dificuldades não seja o correto.
Tenho dito quando questionado
que um pouco de coragem e muita
argúcia por parte da equipe de
Lula são ingredientes necessários
para que a transição de poder seja
exitosa. Coragem para dizer ao
povo que a situação é muito grave, que ela vai limitar inicialmente a ação do governo na busca de
suas promessas eleitorais e que
um período de dificuldades será
inevitável. Humildade também
para reconhecer que os desafios
para 2003 serão extraordinários,
principalmente para uma equipe
nova e sem experiência anterior
na administração de instrumentos perigosos, como a política monetária e cambial, em um momento de grande desconfiança.
Argúcia para debitar essas limitações ao governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, mas
sem criar falsas expectativas na
sociedade. A crise internacional
não permite que se estabeleça essa
fronteira entre o bem e o mal e o
certo e o errado.
Se colocado diante de escolhas
como essas, não tenho dúvida em
afirmar que, pelo andar da carruagem, um eventual governo Lula vai se dar muito mal na administração da crise que vai herdar.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira
Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail -
lcmb2@terra.com.br
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