São Paulo, sexta-feira, 11 de outubro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Hora da verdade

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Vivemos hoje, no Brasil, um período político de extraordinária importância. Em momentos como esse, quando uma sociedade se coloca diante de escolhas que vão definir os rumos de seu futuro, o bom senso e o debate aberto são fundamentais. A radicalização, que é filha natural do debate eleitoral, pode acabar criando um fosso muito grande no espectro político do país. A leitura da história nos mostra que períodos de grande sucesso ou longos dias de lágrimas e fracassos seguem-se a momentos de opções radicais, como este que estamos enfrentando.
A radicalização da recém-iniciada campanha pelo segundo turno parece, entretanto, inevitável. Se alguém tem alguma dúvida sobre isso, sugiro uma reflexão mais profunda sobre alguns acontecimentos de anteontem. A prova mais clara pode ser encontrada na entrevista coletiva do presidente do Banco Central, depois de uma reunião com o ministro da Fazenda e o presidente da República. A violência com que os jornalistas caíram sobre um Armínio Fraga claramente deprimido, em razão das dificuldades atuais, teve tintas de um fascismo insuportável. A combinação da ignorância sobre os assuntos, que estavam sendo tratados com a militância política explícita de alguns profissionais, somada a ingredientes que se combinaram com uma falta de respeito inaceitável por uma autoridade pública que se propôs ao debate aberto, foi assustadora, mas didática.
Eu tenho, e desculpe-me a falta de modéstia, toda a legitimidade para criticar a equipe econômica atual. Essa legitimidade vem de um longo embate, de mais de seis anos, sistemático e racional com o chamado malanismo. Primeiro fazendo parte de um verdadeiro movimento de guerrilha dentro do governo, que tentou evitar que trilhássemos os caminhos do Consenso de Washington. Depois, por um período muito curto, como vice-presidente do PSDB. Perdidas essas duas trincheiras recuei, a convite do dr. Octavio Frias, para a posição de colunista da Folha, por meio da qual venho, nos últimos anos, mantendo minha luta por novos horizontes da política econômica.
Posso, portanto, afirmar que o presidente do Banco Central é uma pessoa virtuosa, tanto como cidadão como economista. Os erros que cometeu em seu período à frente de nossa autoridade monetária são frutos de uma leitura incorreta sobre nossa economia e, por isso, da escolha de caminhos errados para o país. Não pode ser, portanto, uma vítima dessa caça às bruxas que o radicalismo de parte das pessoas que apóiam o candidato da oposição tenta implantar no país. Colocar as opções que se abrem aos brasileiros hoje, sob a forma do bem e do mal, é a mais eficiente maneira de estragar a riqueza do momento que estamos vivendo.
Para não ficarmos apenas no terreno das generalidades, vamos refletir juntos sobre as consequências desse radicalismo do tipo certo ou errado, na questão do debate econômico. Como já tratei nesta coluna e fica cada dia mais explícito, o pensamento econômico que vai permear e orientar a ação de um eventual governo Lula é muito particular. Quase marginal, quando olhamos para um espectro maior das várias escolas do pensamento econômico. Não pretendo com essas palavras desqualificá-lo, pois eu comungo com muitas das idéias desse grupo. A necessidade de uma política econômica que leve em consideração a realidade social e institucional do Brasil, a importância das questões microeconômicas, a legitimidade de uma ação do governo em certos mercados, a interferência sobre o processo de distribuição de renda são, entre outros, pontos comuns que tenho com esse grupo. Discordamos em questões importantes, principalmente as relativas ao equilíbrio macroeconômico necessário para reencontrarmos o caminho do desenvolvimento.
Além dessas discordâncias em conceitos, não vejo também no programa de Lula e nas declarações dos economistas do PT o reconhecimento da gravidade da situação de crise financeira e cambial atual. Muito em razão desse clima do bem e do mal, que foi construído ao longo da campanha eleitoral, Lula tem procurado associar os problemas de hoje somente ao governo FHC, cobrando dele uma solução para a crise nos meses que faltam para o fim de seu mandato. Alguns de seus companheiros chegaram até a sugerir que a escalada do dólar era uma arma política, para ganhar as eleições. Não percebem que a crise atual tem muito a ver com a transição esperada pelos mercados e que vai ser herdada pelo próximo governo. Passados poucos meses da posse do novo presidente, recairão sobre suas costas as dificuldades econômicas que o povo certamente encontrará, caso o caminho escolhido para enfrentar nossas dificuldades não seja o correto.
Tenho dito quando questionado que um pouco de coragem e muita argúcia por parte da equipe de Lula são ingredientes necessários para que a transição de poder seja exitosa. Coragem para dizer ao povo que a situação é muito grave, que ela vai limitar inicialmente a ação do governo na busca de suas promessas eleitorais e que um período de dificuldades será inevitável. Humildade também para reconhecer que os desafios para 2003 serão extraordinários, principalmente para uma equipe nova e sem experiência anterior na administração de instrumentos perigosos, como a política monetária e cambial, em um momento de grande desconfiança. Argúcia para debitar essas limitações ao governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, mas sem criar falsas expectativas na sociedade. A crise internacional não permite que se estabeleça essa fronteira entre o bem e o mal e o certo e o errado.
Se colocado diante de escolhas como essas, não tenho dúvida em afirmar que, pelo andar da carruagem, um eventual governo Lula vai se dar muito mal na administração da crise que vai herdar.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br

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lcmb2@terra.com.br


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