São Paulo, quinta-feira, 11 de outubro de 2007

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Rodada do subdesenvolvimento?

Quase todos os países hoje desenvolvidos recorreram a tarifas industriais no século 19 e na maior parte do século 20

"Um artifício muito comum quando alguém alcança o ápice da grandeza é chutar a escada por meio da qual subiu, de maneira a impedir os outros de subir atrás dele. Nisso reside o segredo da doutrina cosmopolita de Adam Smith."
Friedrich List, 1841

ESTÁ EM andamento mais uma tentativa de destravar a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). As diferenças de posição continuam -tudo indica- bastante consideráveis, mas é possível que se chegue a algum acordo.
Para países como o Brasil, não está nada claro que um acordo venha a ser necessariamente positivo. Segundo alguns especialistas, o resultado pode ser até "desastroso". A Rodada Doha, lançada em 2001 como "Rodada do Desenvolvimento", corre o risco de transformar-se no seu contrário: na consagração do subdesenvolvimento e do atraso relativo dos países menos desenvolvidos. Um novo impasse talvez seja o menor dos males.
Negociações internacionais costumam ser pouco transparentes. É comum que a realidade da negociação seja obscurecida por blefes, manobras retóricas e jogos de cena. Mas, a julgar pelo que está vindo a público, o problema central da Rodada Doha persiste: os países desenvolvidos não aceitam, na prática, que ela tenha como foco o desenvolvimento dos países atrasados. Ao contrário, procuram resultados que deixariam esses países ainda mais desarmados do que já estão em termos de instrumentos de política de desenvolvimento industrial.
Por um lado, os EUA e a União Européia hesitam enormemente em fazer concessões expressivas em termos de agricultura -área em que o Brasil e outros países em desenvolvimento têm vantagens competitivas solidamente estabelecidas. Não obstante, insistem em extrair dos países em desenvolvimento reduções importantes das tarifas industriais.
O Brasil, em aliança com a Índia, a Argentina, a África do Sul e outras nações, continua resistindo. A mensagem do governo brasileiro aos países avançados parece clara e, resumindo ao extremo, consiste basicamente de dois pontos: a) não nos venham com migalhas em termos de redução das barreiras e subsídios na área agrícola; e b) não nos peçam para fazer concessões exageradas em termos de tarifas industriais.
Sobre esse segundo ponto, recomendo ao leitor um trabalho do economista sul-coreano Ha-Joon Chang, professor da Universidade de Cambridge ("Why Developing Countries Need Tariffs?", novembro de 2005). A história econômica recente e remota mostra que para países relativamente atrasados é muito difícil, se não impossível, alcançar o desenvolvimento sem lançar mão de tarifas industriais protecionistas, subsídios e outros mecanismos de política industrial.
Chang lembra que quase todos os países hoje desenvolvidos recorreram a esses instrumentos ao longo do século 19 e durante a maior parte do século 20. Os Estados Unidos, por exemplo, mantiveram tarifas industriais médias em torno de 40% durante a maior parte do período entre 1820 e 1945 -níveis muito mais altos do que aceitam para os países em desenvolvimento na Rodada Doha. Americanos e europeus estão "chutando a escada", diria o economista alemão Friedrich List, um dos fundadores do nacionalismo econômico moderno e crítico do liberalismo inglês.
Como observa Chang, os desenvolvidos protegem o seu passado, quando insistem em manter pesados subsídios e elevadas tarifas agrícolas. Mas querem impedir os países em desenvolvimento de construir o seu futuro por meio de proteção industrial e subsídios.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 52, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).
pnbjr@attglobal.net


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