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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Rodada do subdesenvolvimento?
Quase todos os países hoje desenvolvidos recorreram a tarifas industriais no século 19 e na maior parte do século 20
"Um artifício muito comum quando alguém alcança o ápice da grandeza é chutar a escada por meio da qual subiu, de maneira a impedir os outros de subir
atrás dele. Nisso reside o segredo da
doutrina cosmopolita de Adam Smith."
Friedrich List, 1841
ESTÁ EM andamento mais uma
tentativa de destravar a Rodada Doha da Organização
Mundial do Comércio (OMC). As
diferenças de posição continuam
-tudo indica- bastante consideráveis, mas é possível que se chegue a
algum acordo.
Para países como o Brasil, não está nada claro que um acordo venha a
ser necessariamente positivo. Segundo alguns especialistas, o resultado pode ser até "desastroso". A
Rodada Doha, lançada em 2001 como "Rodada do Desenvolvimento",
corre o risco de transformar-se no
seu contrário: na consagração do
subdesenvolvimento e do atraso relativo dos países menos desenvolvidos. Um novo impasse talvez seja o
menor dos males.
Negociações internacionais costumam ser pouco transparentes. É
comum que a realidade da negociação seja obscurecida por blefes, manobras retóricas e jogos de cena.
Mas, a julgar pelo que está vindo a
público, o problema central da Rodada Doha persiste: os países desenvolvidos não aceitam, na prática,
que ela tenha como foco o desenvolvimento dos países atrasados. Ao
contrário, procuram resultados que
deixariam esses países ainda mais
desarmados do que já estão em termos de instrumentos de política de
desenvolvimento industrial.
Por um lado, os EUA e a União
Européia hesitam enormemente
em fazer concessões expressivas em
termos de agricultura -área em
que o Brasil e outros países em desenvolvimento têm vantagens competitivas solidamente estabelecidas. Não obstante, insistem em extrair dos países em desenvolvimento reduções importantes das tarifas
industriais.
O Brasil, em aliança com a Índia, a
Argentina, a África do Sul e outras
nações, continua resistindo. A mensagem do governo brasileiro aos
países avançados parece clara e, resumindo ao extremo, consiste basicamente de dois pontos: a) não nos
venham com migalhas em termos
de redução das barreiras e subsídios
na área agrícola; e b) não nos peçam
para fazer concessões exageradas
em termos de tarifas industriais.
Sobre esse segundo ponto, recomendo ao leitor um trabalho do
economista sul-coreano Ha-Joon
Chang, professor da Universidade
de Cambridge ("Why Developing
Countries Need Tariffs?", novembro de 2005). A história econômica
recente e remota mostra que para
países relativamente atrasados é
muito difícil, se não impossível, alcançar o desenvolvimento sem lançar mão de tarifas industriais protecionistas, subsídios e outros mecanismos de política industrial.
Chang lembra que quase todos os
países hoje desenvolvidos recorreram a esses instrumentos ao longo
do século 19 e durante a maior parte
do século 20. Os Estados Unidos,
por exemplo, mantiveram tarifas industriais médias em torno de 40%
durante a maior parte do período
entre 1820 e 1945 -níveis muito
mais altos do que aceitam para os
países em desenvolvimento na Rodada Doha. Americanos e europeus
estão "chutando a escada", diria o
economista alemão Friedrich List,
um dos fundadores do nacionalismo
econômico moderno e crítico do liberalismo inglês.
Como observa Chang, os desenvolvidos protegem o seu passado,
quando insistem em manter pesados subsídios e elevadas tarifas agrícolas. Mas querem impedir os países
em desenvolvimento de construir o
seu futuro por meio de proteção industrial e subsídios.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 52, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa
um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).
pnbjr@attglobal.net
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