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COMENTÁRIO
Um jeito melhor para os países darem calote
ALAN BEATTIE
DO "FINANCIAL TIMES"
Os que investem na Argentina não serão os únicos a perder com a reestruturação da dívida. A medida, considerada quase
calote, também deverá prejudica
a credibilidade do FMI, que não
limitou os empréstimos ao país.
Os criadores de políticas dizem
que o FMI precisa de uma nova
"arquitetura financeira internacional", para não ser mais arrastado quando os devedores enfrentarem crises. Mas as tentativas de
criar essa estrutura, desde as crises financeiras da Ásia e da Rússia, em 1998, deram em nada.
O FMI tem defendido a paridade na Argentina. Mas os empréstimos saíram de controle.
Enquanto aumentava a crise,
cresciam os empréstimos, que foram reforçar as reservas do país,
na tentativa de manter a confiança. Hoje, o FMI tem mais de US$
20 bilhões prometidos em ajuda,
um dos maiores programas. Embora conheça o perigo do excesso
de empréstimos, achou difícil impedir que o governo pedisse mais.
"Fomos explícitos com os argentinos", diz Stanley Fischer, segundo no comando do FMI até
agosto e quem se encarregou de
grande parte das negociações.
"Mas é uma relação muito difícil
quando um país tem um programa com você e você o critica. Talvez pudéssemos ter ido a público,
manifestado-nos com mais força,
mas não sei se teríamos convencido os mercados naquela altura."
Mas o FMI continuou emprestando, até que a situação se tornou desesperada. "Ficou claro o
que ia acontecer. O último pacote,
de US$ 8 bilhões, acertado em
agosto, não teve a menor chance",
diz Richard Portes, professor da
Escola de Economia de Londres.
Como esses problemas poderiam ter sido evitados? Uma dificuldade é a falta de acordo internacional sobre como reescalonar
dívidas de governos. Uma decisão
de parar os empréstimos tende a
levar um país à insolvência.
Do pacote de US$ 8 bilhões em
agosto, US$ 3 bilhões eram destinados a ajudar o país a fazer um
reescalonamento "voluntário" da
dívida. Mas foi ineficaz. "O FMI
propôs muito brandamente que a
Argentina tentasse um acordo
com os credores, mas não há um
sistema para ajudá-la", diz Portes.
Não há um procedimento para
que os países suspendam o pagamento enquanto negociam com
os credores. "Se o sistema internacional tivesse uma proposta para impor suspensões, o problema
seria mais fácil", diz Fischer.
O problema é maior quando envolve um grande país emergente,
pois há o risco de que um calote
produza o contágio financeiro,
como aconteceu em 1998. Embora hoje a ameaça seja reduzida,
devido às mudanças nos padrões
de empréstimos, o FMI diz que os
países endividados ainda a usam
como ferramenta de barganha.
Alguns criadores de políticas
defenderam a imposição de limites prévios aos empréstimos, o
que impediria que os pacotes
crescessem demais e obrigaria os
governos a enfrentar os problemas mais cedo. Entre eles está
Mervyn King, vice-governador do
Banco da Inglaterra, que presidiu
uma força-tarefa internacional
depois da crise asiática.
King diz que calotes não são catastróficos em si. "Os credores tinham feito planos [em 1998" baseados em um pressuposto: financiamento excepcional do FMI
ou o jogo do "risco moral", como
foi chamado pelo mercado, e ficaram surpresos quando essa proteção foi retirada."
Mas até agora as propostas de
reformas não tiveram aceitação.
Um recente documento conjunto
do Banco da Inglaterra e do Banco
do Canadá sobre limites para os
empréstimos está sendo revisado
após receber críticas do FMI.
Uma proposta alemã para obrigar
os detentores de títulos do setor
privado a participar da reestruturação pouco avançou.
Uma proposta de mudar a constituição do FMI, que lhe daria poder para suspender litígios durante moratórias, também não teve
apoio. Sofre oposição de investidores do mercado de títulos, contrários à interferência por temer
que ela os obrigue a negociar.
Ainda assim, os problemas argentinos podem dar ímpeto ao
debate. A complacência dos credores pode ser abalada tanto pela
Argentina quanto pelo risco dos
empréstimos aos emergentes
criado pela desaceleração global.
A mudança de governo nos
EUA também pode provocar reformas. A oposição mais decidida
entre países acionistas do FMI a
mecanismos para limitar os empréstimos veio de Robert Rubin e
Larry Summers, secretários do
Tesouro do país no governo Clinton. O governo Bush mostra
maior disposição para mudanças.
O atual secretário do Tesouro,
Paul O'Neill, surpreendeu membros da própria equipe ao mencionar um tribunal internacional
de falências, num depoimento ao
Congresso. "Rubin era um homem de Wall Street e tinha em
mente os interesses dos investidores. O'Neill é um industrial. Ele sabe tudo sobre o "capítulo 11" e como solucionar uma falência", disse uma autoridade do FMI.
A pressão para mudança está
crescendo. Um relatório recente
de um grupo de ex-presidentes de
BCs e ministros das Finanças de
emergentes pediu reformas fundamentais do sistema financeiro
global, salientando a falta de ação
nos últimos três anos.
No final do mês, a comissão
monetária e financeira internacional de governos, que supervisiona o FMI, se reunirá em Ottawa. A gradual implosão financeira da Argentina, com o FMI praticamente impotente para evitá-la,
estará fresca na mente de muitos.
Se a reforma da arquitetura financeira internacional deve se tornar
uma realidade, Ottawa talvez seja
o lugar certo para começar.
Tradução de Luiz Roberto Mendes
Gonçalves
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