São Paulo, domingo, 11 de novembro de 2001

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COMENTÁRIO

Um jeito melhor para os países darem calote

ALAN BEATTIE
DO "FINANCIAL TIMES"

Os que investem na Argentina não serão os únicos a perder com a reestruturação da dívida. A medida, considerada quase calote, também deverá prejudica a credibilidade do FMI, que não limitou os empréstimos ao país.
Os criadores de políticas dizem que o FMI precisa de uma nova "arquitetura financeira internacional", para não ser mais arrastado quando os devedores enfrentarem crises. Mas as tentativas de criar essa estrutura, desde as crises financeiras da Ásia e da Rússia, em 1998, deram em nada.
O FMI tem defendido a paridade na Argentina. Mas os empréstimos saíram de controle.
Enquanto aumentava a crise, cresciam os empréstimos, que foram reforçar as reservas do país, na tentativa de manter a confiança. Hoje, o FMI tem mais de US$ 20 bilhões prometidos em ajuda, um dos maiores programas. Embora conheça o perigo do excesso de empréstimos, achou difícil impedir que o governo pedisse mais.
"Fomos explícitos com os argentinos", diz Stanley Fischer, segundo no comando do FMI até agosto e quem se encarregou de grande parte das negociações. "Mas é uma relação muito difícil quando um país tem um programa com você e você o critica. Talvez pudéssemos ter ido a público, manifestado-nos com mais força, mas não sei se teríamos convencido os mercados naquela altura."
Mas o FMI continuou emprestando, até que a situação se tornou desesperada. "Ficou claro o que ia acontecer. O último pacote, de US$ 8 bilhões, acertado em agosto, não teve a menor chance", diz Richard Portes, professor da Escola de Economia de Londres.
Como esses problemas poderiam ter sido evitados? Uma dificuldade é a falta de acordo internacional sobre como reescalonar dívidas de governos. Uma decisão de parar os empréstimos tende a levar um país à insolvência.
Do pacote de US$ 8 bilhões em agosto, US$ 3 bilhões eram destinados a ajudar o país a fazer um reescalonamento "voluntário" da dívida. Mas foi ineficaz. "O FMI propôs muito brandamente que a Argentina tentasse um acordo com os credores, mas não há um sistema para ajudá-la", diz Portes.
Não há um procedimento para que os países suspendam o pagamento enquanto negociam com os credores. "Se o sistema internacional tivesse uma proposta para impor suspensões, o problema seria mais fácil", diz Fischer.
O problema é maior quando envolve um grande país emergente, pois há o risco de que um calote produza o contágio financeiro, como aconteceu em 1998. Embora hoje a ameaça seja reduzida, devido às mudanças nos padrões de empréstimos, o FMI diz que os países endividados ainda a usam como ferramenta de barganha.
Alguns criadores de políticas defenderam a imposição de limites prévios aos empréstimos, o que impediria que os pacotes crescessem demais e obrigaria os governos a enfrentar os problemas mais cedo. Entre eles está Mervyn King, vice-governador do Banco da Inglaterra, que presidiu uma força-tarefa internacional depois da crise asiática.
King diz que calotes não são catastróficos em si. "Os credores tinham feito planos [em 1998" baseados em um pressuposto: financiamento excepcional do FMI ou o jogo do "risco moral", como foi chamado pelo mercado, e ficaram surpresos quando essa proteção foi retirada."
Mas até agora as propostas de reformas não tiveram aceitação. Um recente documento conjunto do Banco da Inglaterra e do Banco do Canadá sobre limites para os empréstimos está sendo revisado após receber críticas do FMI. Uma proposta alemã para obrigar os detentores de títulos do setor privado a participar da reestruturação pouco avançou.
Uma proposta de mudar a constituição do FMI, que lhe daria poder para suspender litígios durante moratórias, também não teve apoio. Sofre oposição de investidores do mercado de títulos, contrários à interferência por temer que ela os obrigue a negociar.
Ainda assim, os problemas argentinos podem dar ímpeto ao debate. A complacência dos credores pode ser abalada tanto pela Argentina quanto pelo risco dos empréstimos aos emergentes criado pela desaceleração global.
A mudança de governo nos EUA também pode provocar reformas. A oposição mais decidida entre países acionistas do FMI a mecanismos para limitar os empréstimos veio de Robert Rubin e Larry Summers, secretários do Tesouro do país no governo Clinton. O governo Bush mostra maior disposição para mudanças.
O atual secretário do Tesouro, Paul O'Neill, surpreendeu membros da própria equipe ao mencionar um tribunal internacional de falências, num depoimento ao Congresso. "Rubin era um homem de Wall Street e tinha em mente os interesses dos investidores. O'Neill é um industrial. Ele sabe tudo sobre o "capítulo 11" e como solucionar uma falência", disse uma autoridade do FMI.
A pressão para mudança está crescendo. Um relatório recente de um grupo de ex-presidentes de BCs e ministros das Finanças de emergentes pediu reformas fundamentais do sistema financeiro global, salientando a falta de ação nos últimos três anos.
No final do mês, a comissão monetária e financeira internacional de governos, que supervisiona o FMI, se reunirá em Ottawa. A gradual implosão financeira da Argentina, com o FMI praticamente impotente para evitá-la, estará fresca na mente de muitos. Se a reforma da arquitetura financeira internacional deve se tornar uma realidade, Ottawa talvez seja o lugar certo para começar.


Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves



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