UOL


São Paulo, terça-feira, 11 de novembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

COMÉRCIO MUNDIAL

Blocos podem selar acordo para formar uma área com liberdade comercial entre países não-fronteiriços

Europa quer negociação com o Mercosul "sem tabus"

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BRUXELAS

A União Européia e o Mercosul reiniciam amanhã as negociações para formar, eventualmente, a primeira Associação Inter-Regional do planeta, com os europeus dispostos a cobrar que não haja tabus, de parte a parte.
"A agricultura não é um tabu para a Europa. Posta a agricultura sobre a mesa, não seria aceitável que o Mercosul tivesse uma longa lista de tabus", diz Arancha González, a porta-voz de Pascal Lamy, comissário europeu de Comércio (uma espécie de ministro).
"De parte do Mercosul, não há tabu nenhum", responde José Alfredo Graça Lima, o embaixador brasileiro na União Européia e um dos diplomatas de maior competência e experiência na área de negociações comerciais.
Se essa retórica positiva se transformasse de fato em ofertas na mesa de negociação, os dois blocos estariam na iminência de fechar um acordo de livre comércio que teria duas características inéditas: seria a primeira área de livre comércio entre países que não fazem fronteira e seria igualmente a maior do planeta.
O problema é que há, sim, tabus. Pior: um tabu poderoso, o protecionismo agrícola europeu, o mesmo que tem feito encalhar as negociações comerciais no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio).
"O Mercosul não pode aceitar um acordo com a União Européia que não preveja o acesso de produtos em que é altamente competitivo e que não apareceram na oferta européia", diz Graça Lima.
A proposta européia parece, nos números, de fato ambiciosa. Em um prazo de dez anos, os europeus abrirão totalmente seu mercado para 91,5% daquilo que o Mercosul exporta para o conglomerado de 15 países da Europa.
Ocorre que essa oferta cobre apenas aqueles bens que já são exportados, não aqueles que são protegidos e, por isso mesmo, não entram no mercado europeu e nos quais o Mercosul é extremamente competitivo, como lembra Graça Lima.
Caso do açúcar, para o qual os europeus fixaram uma cota microscópica (apenas 19 mil toneladas), quando o Brasil poderia exportar até 3 milhões de toneladas.
A oferta do Mercosul, nos números, também parece generosa: reduzir a zero, no mesmo prazo de dez anos, as tarifas para 83,5% daquilo que importa da UE. Mas, em áreas novas, como serviços e compras governamentais, a oferta do Mercosul é tímida ao extremo.
"Nós sempre defendemos que o acordo não é só para agricultura mas também para produtos industriais, serviços, compras públicas e investimentos. Queremos um acordo ambicioso. Esse é o mandato negociador que temos, a filosofia que animou nossas negociações e algo que nunca ocultamos do Mercosul", diz González.
A troca de reivindicações e críticas, ainda que veladas, soa familiar? É familiar, de fato: foi mais ou menos esse o impasse que levou ao fracasso a Conferência Ministerial da OMC em Cancún (México), realizada em setembro.
De um lado, países em desenvolvimento, liderados pelo Brasil, reivindicando a abertura agrícola dos países ricos (não apenas da UE). Do outro, os europeus insistindo em pôr na agenda os chamados temas novos do comércio, exatamente compras governamentais, investimentos, serviços, ao que se opõe um bom número de países em desenvolvimento.
Se a reunião ministerial UE-Mercosul de amanhã reproduz o impasse de Cancún, haverá novo fracasso? Não, porque os objetivos são diferentes.
Em Bruxelas, trata-se apenas de redesenhar o que os diplomatas adoram batizar de "road map" -o mapa do caminho. Até julho, havia um caminho na negociação UE-Mercosul, que foi devidamente percorrido, com a apresentação de ofertas iniciais, a revisão delas e o lançamento das novas ofertas, mais ambiciosas.
"Tínhamos um "road map" claro até julho. Estamos no momento de decidir o que queremos agora", diz González. Reforça o embaixador Graça Lima: "Trata-se de estabelecer um novo programa de trabalho para a parte teoricamente final da negociação, que vai até outubro de 2004".
O prazo estabelecido pelo embaixador não está no papel ainda, mas leva em conta um dado da realidade: no ano que vem, acaba o mandato da atual Comissão Européia. Logo, ou a negociação acaba nesse período ou tenderá a sofrer uma paralisia até que a nova comissão seja designada, assuma e defina suas prioridades.


Texto Anterior: Em discurso, Bush defende livre comércio
Próximo Texto: Frases
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.