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VINICIUS TORRES FREIRE
Leilão desafia teses do mercado
Preço baixo da eletricidade em
usina do Madeira abala críticas
ao novo modelo do setor e à
presença estatal no negócio
O GOVERNO adultera leilões de
concessão de serviços públicos, tem dito o mercado. Perverte as disputas por meio de estatais, que ofertariam preços baixos e
irreais a fim manter o controle dos
empreendimentos na mão do Estado e/ou obrigar as empresas privadas a aceitar rentabilidades baixas.
Como as empresas não podem nem
devem perder dinheiro, tais limitações reduziriam o ânimo do investidor privado e, assim, a oferta futura
do serviço de utilidade pública.
Bem, o preço espantosamente
baixo da energia que será vendido
pela usina de Santo Antônio vai
obrigar os críticos a dar muitos tratos à bola a fim de remendar o, digamos, paradigma de suas queixas.
De fato, geradoras estatais de eletricidade certas vezes venderam
energia a preços estranhamente baixos. Nos leilões mais recentes, em
que o MWh foi vendido em torno de
R$ 125, o mercado baixou o tom,
mas ainda argumentava que estatais
e normas oficiais continuavam a distorcer a formação de preços.
No mês passado, numa reunião do
mercado com o governo, dizia-se
que vender eletricidade a menos de
R$ 116 por MWh seria inviável. Bem,
o teto do preço da energia de quem
pretendia ficar com a usina de Santo
Antônio era R$ 122 (antes de se ouvir o TCU, era R$ 130). Faz um mês,
as empresas concorrentes estimavam reservadamente que o vencedor daria um lance de R$ 100. Saiu
por R$ 78,87 para a energia vendida
no mercado regulado, "cativo" (nós
e empresas que não negociam diretamente seus contratos no mercado
livre, de grandes consumidores de
energia). Os outros consórcios deram lances de R$ 98 e R$ 94, no nível
de leilões de energia "velha" (de usinas já amortizadas etc).
O consórcio vencedor não rasga
dinheiro, não é ingênuo nem junta
uma chusma de ignorantes. Trata-se
de duas das três maiores empreiteiras do país (Odebrecht e Andrade
Gutierrez), a segunda e a sexta empresas de geração de energia (Furnas e Cemig) e um dos três maiores
bancos privados, o Santander.
Um cidadão mais paranóico pode
achar que se trata de um golpe futuro: ganha-se o leilão e, a seguir, arma-se um trambique qualquer a fim
de baixar custos, elevar preços ou
atrasar a usina. Tudo é possível, estamos no Brasil. Mas é difícil argumentar que o negócio seja ruim.
Santo Antônio equivale a um
quarto de Itaipu. Quem levou a usina sai na dianteira para o próximo
leilão, da usina de Jirau, no mesmo
rio Madeira e quase do mesmo tamanho. Haverá financiamento de
75% do BNDES para a obra, a perspectiva de mais sócios (Vale, fundos
de pensão, BNDES) e de preços em
alta para os 30% da energia que irá
para o mercado livre. Os grandes
consumidores, na prática, compensarão o preço baixo da energia no
mercado regulado pelo governo,
uma novidade deste leilão, menos
"regulado" pelo Estado que outros.
Ontem, o pessoal do mercado financeiro estava entre amuado e irritado. Diziam alguns que o resultado
do leilão vai afastar investidores, dada a baixa rentabilidade. Sim, é provável que a taxa de retorno do negócio fique menor. As empresas talvez
lucrem menos e, pois, rendam menos na Bolsa. Mas isso não é concorrência e sinal de que caiu o custo de
oportunidade de investir no país?
vinit@uol.com.br
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