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OUTRO LADO
"Eu trabalhei, tenho direito a essa aposentadoria"
DE WASHINGTON
O presidente do BC (Banco
Central), Henrique Meirelles, diz
ter quitado em novembro passado o empréstimo sem juros de
US$ 4,5 milhões que recebeu em
2000 de seu antigo empregador, o
FleetBoston, para a aquisição de
um apartamento em Nova York.
O presidente do BC diz ainda
que a Comissão de Ética Pública
do governo autorizou-o a receber
aposentadoria do FleetBoston, de
US$ 750 mil anuais (R$ 2,4 milhões, R$ 200 mil por mês), enquanto permanecer na presidência do BC.
Meirelles conversou por telefone com a Folha na quinta e sexta-feiras passadas. Ele negou ter saído do banco por oposição de outros executivos a sua gestão. "Saí
porque quis", disse ele.
(MA)
Folha - Em 2000, o sr. recebeu um
empréstimo de US$ 4,5 milhões,
sem a incidência de juros e com carência de dez anos, para aquisição
de um apartamento em Nova York.
O sr. pagou esse empréstimo?
Meirelles - Sim, foi quitado em
14 de novembro de 2002.
Folha - Por que em novembro e
não quando o sr. saiu do banco, em
agosto? O sr. já estava sendo sondado para ser presidente do BC
brasileiro?
Meirelles - Eu me aposentei no
banco em agosto, vendi o apartamento em novembro e, com o dinheiro da venda, liquidei o empréstimo. Entre agosto e novembro, paguei juros de mercado, como o contrato previa.
Folha - O sr. decidiu manter a
aposentadoria concedida pelo
FleetBoston mesmo exercendo as
atividades de presidente do Banco
Central. Considerando os interesses do banco no Brasil, não seria
mais ético suspender esses pagamentos?
Meirelles - Isso já foi aprovado
pelo conselho de ética do governo. Além disso, eu trabalhei, tenho direito a essa aposentadoria.
Folha - Entre 1998 e 2002, o sr. foi
membro do conselho de acionistas
da Raytheon, companhia de armamentos e de aviões que ganhou e
gerencia o Sivam, objeto de uma
das concorrências mais controversas no Brasil. Por quê?
Meirelles - Isso é algo pouco entendido no Brasil. Eu fui membro
do conselho de administração de
três empresas. Da Champion International, da BestFoods e da
Raytheon. Nos EUA, as empresas
abertas normalmente têm como
membros do conselho presidentes, CEOs e executivos de outras
empresas.
Por exemplo: o Alan Belda, da
Alcoa, é membro do conselho do
Citibank. A estrutura de funcionamento das corporações norte-americanas estimula a vinda de
membros externos, que não tenham qualquer tipo de relação
com a empresa, para melhorar o
controle.
Folha - Por que a Raytheon?
Meirelles - Foi feito um convite e
eu aceitei. A Raytheon era a maior
indústria da Nova Inglaterra [área
que cobre os Estados do Maine,
Massachusetts, Connecticut, New
Hampshire, Rhode Island e Vermont". E o BankBoston, o maior
banco da região. Tanto que, se você for hoje olhar o "board" do
FleetBoston, vai ver que um dos
membros é Daniel Burnham, o
CEO da Raytheon. Isso era tão
normal que, antes de mim, outro
executivo e ex-CEO do BankBoston Richard Hill foi membro do
conselho da Raytheon por mais
de dez anos.
Folha - Qual era natureza de sua
assessoria à Raytheon?
Meirelles - Eu representava o
acionista. Aprovava o orçamento
anual, a nomeação de dirigentes
das companhias.
Folha - E no caso da BestFoods,
que não é da Nova Inglaterra?
Meirelles - Fui convidado por
minha experiência internacional.
A empresa era proprietária, no
Brasil, da Refinações de Milho
Brasil. No caso da Champion foi a
mesma coisa. A companhia queria ter conselheiros com experiência internacional.
Folha - Qual é a relação entre sua
saída do FleetBoston, em 2002, e a
decisão do banco de retirar de sua
responsabilidade, em outubro de
2001, a chefia da divisão corporativa?
Meirelles - O banco não tirou nada de mim. Isso foi amplamente
publicado em 2001. Filiei-me ao
PSDB no dia 5 de outubro de 2001,
um pouquinho antes dessas mudanças no banco a que você se refere. Aliás, as mudanças no banco
ocorreram por solicitação minha.
Comuniquei ao conselho em setembro de 2001 que pretendia voltar para o Brasil, que estava avaliando a possibilidade de concorrer a um cargo público. As mudanças no banco vieram em outubro. Mudei-me para o Brasil, para
São Paulo, e de lá gerenciei as operações globais do banco.
Folha - A que o sr. atribui relatos
nos EUA conflitantes a esse? Analistas de bancos e até funcionários do
banco dizem que o sr. estava em
baixa, que foi isolado por um grupo
de executivos oriundos do Fleet Financial Group -entre os quais Eugene McQuade, atual número 2, e
Jay Sarles, que o substituiu na divisão corporativa do banco e é o
atual número 3 na hierarquia da
instituição.
Meirelles - As fofocas são produtos de toda fusão. Existem sempre
especulações, falatórios. Não foi
diferente no caso da fusão do Boston com o Fleet, em 1999. O BostonBank era um "patrician bank"
[de tradição aristocrática", de atacado, juntando-se a um banco de
varejo, que começou no pequeno
Estado de Rhode Island.
Minha situação sempre foi a
mais confortável possível no banco. O CEO [principal executivo"
do FleetBoston hoje é o Charles
Gifford, meu amigo pessoal, que
me levou para Boston em 1996. Se
quisesse, eu poderia estar no banco agora como sempre estive. Somos amigos há 20 anos. Aliás, ele
não gostou da minha vinda para o
Brasil em 2001.
Folha - Uma das versões relatadas em Nova York e em Boston é a
de que o banco estava descontente
com o sr. por vários motivos. Entre
eles, com os gastos de sua mudança de Boston para Nova York, no
ano 2000.
Meirelles - Nunca ouvi reclamações com relação a isso. São coisas
de gente mal informada. Na realidade, o "Chad", juntamente com
o Terry [Terrence Murray, primeiro CEO do banco depois da
fusão", pediu que eu me mudasse
para Nova York em 2000. Queriam que eu fosse o executivo sênior do banco em Wall Street.
Mudei-me a convite do banco, a
pedido do banco. E o banco fez
uma série de provisões necessárias para a mudança.
Eu tinha casa em Boston, tinha
me mudado de São Paulo para
Boston a convite do banco em
1996. Tinha de desmobilizar essa
estrutura em Boston e mudar-me
para Nova York.
Não sei como alguém pode ter
ficado descontente e infeliz com
isso. É como invejar o salário dos
outros.
Folha - Talvez tivessem ficado
descontentes com o custo da mudança. Ao todo, o sr. gastou
US$ 1.761.244 em despesas com
mudanças entre 2000 e 2001.
Meirelles - O custo da mudança
foi decidido pelo banco. O banco
decidiu pagar o custo da mudança para Nova York. É uma coisa
normal dentro da política de remoção de executivos.
Existia em Boston uma casa que
foi vendida, uma séria de despesas relacionadas com isso. Se alguém ficou infeliz, deveria ter manifestado essa infelicidade na reunião do conselho. Não adianta
discordar depois. É o banco quem
define o que está disposto a gastar. O banco define antes, me propõe e eu aceito. Não é o contrário.
Ninguém tem cheque em branco.
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