São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 2003

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RETÓRICA

Plano de ação do ministro da Fazenda tem vários pontos de identificação com documento elaborado por liberais

"Agenda Perdida" inspira discursos e planos de Palocci

GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Como o governo Luiz Inácio Lula da Silva pretende conciliar os compromissos assumidos com a antes criticada ortodoxia econômica e a plataforma de redenção social apresentada desde sempre pelo PT?
O ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) buscou respostas, ou parte delas, em um trabalho que, como sugere o próprio título, parecia destinado ao esquecimento durante a campanha eleitoral: a "Agenda Perdida", elaborada em setembro por 17 economistas de diversas orientações.
Diversas pistas apontam a identificação entre as idéias principais da "Agenda Perdida" e o plano de ação que o médico Palocci começa a sinalizar para sua gestão de superministro, cuja influência tende a extrapolar os limites de sua pasta.
O mais óbvio é a nomeação do secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa, um liberal que foi um dos coordenadores do trabalho -o outro foi José Alexandre Scheinkman, que teve breve passagem pela campanha do hoje ministro Ciro Gomes (Integração Nacional).
Mas um exame detalhado do discurso de posse e de declarações recentes de Palocci mostra que o ministro fez mais do que uma leitura atenta do documento de 57 páginas que se propôs a fornecer "diagnósticos e propostas para a retomada do crescimento com maior justiça social".
Chama a atenção a coincidência de palavras e frases, como na tese de que o país conta com programas sociais "modernos e inovadores", mas precisa de uma "avaliação sistemática" de sua eficácia. Ou na sentença, algo exagerada, segundo a qual "o Brasil não cresce há 20 anos", que abre a "Agenda Perdida" e foi repetida quase literalmente por Palocci na sua entrevista ao programa "Roda Viva", da TV Cultura, na última segunda-feira.
Mais importantes do que a similaridade discursiva, no entanto, são os pontos comuns entre a "Agenda" e o ideário de Palocci que, articulados entre si, podem configurar uma estratégia de governo. São eles:
1) o crescimento medíocre e as frequentes crises financeiras não decorrem de erros da política econômica recente, e sim -principalmente- de um arranjo inadequado das funções do Estado e da legislação;
2) o controle da inflação e a austeridade fiscal não devem se basear em medidas transitórias. Ao contrário, esses princípios devem ser institucionalizados na forma de leis e normas, pois se avalia que a previsibilidade incentivará os investimentos;
3) na área social, a baixa eficácia das políticas públicas não está ligada à insuficiência de recursos. A cada ano são gastos R$ 150 bilhões em saúde, educação, previdência e assistência. Considera-se também que os programas são bem concebidos;
4) o problema principal do gasto social é que, por erros de foco, o dinheiro não chega aos mais necessitados. O governo deve unificar a coordenação dos programas, fazer com que atinjam efetivamente a população mais pobre e criar um sistema nacional de avaliação dos resultados;
5) além das reformas previdenciária, tributária e trabalhista, são necessárias mudanças nas leis que regem os contratos privados, o que os técnicos chamam de reformas microeconômicas. Um exemplo é uma nova Lei de Falências que reduza o risco dos bancos credores e amplie o crédito ao setor privado.
Não é difícil encontrar propostas semelhantes na agenda do governo FHC, em trabalhos acadêmicos ou nos programas de diversos partidos.



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