São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 2003

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Pacote de Bush não produz retomada

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

O pacote fiscal anunciado na semana passada pelo presidente dos EUA pode ter chegado tarde demais. O exemplo mais desanimador vem do Japão, que nos últimos anos tentou várias vezes reanimar a economia principalmente com base em aumentos de gastos públicos. E a União Européia continua preferindo defender o valor do euro a reduzir mais os juros para estimular o crescimento.
Um dos principais elementos do pacote é o estímulo ao mercado acionário, pela redução de impostos sobre dividendos. Para aquecer a economia, no entanto, uma recuperação no valor das ações deveria afetar o comportamento dos consumidores. Nos últimos três anos, a queda no valor das ações foi da ordem de 50% nos EUA. O argumento dos mais céticos é simples: se a queda nas Bolsas não levou os consumidores a uma retração nos gastos, alguma recuperação no mercado acionário seria igualmente frustrante.
Mais importante que o valor das ações é o mercado de trabalho. Enquanto o valor das ações despencava, o pessimismo de empresários e trabalhadores não era tão grande. Na semana passada, o anúncio do pacote de Bush coincidiu com a publicação de resultados catastróficos no mercado de trabalho. Dificilmente o apoio ao mercado acionário será forte o suficiente para recuperar esse indicador.
No modelo do governo Bush, a recuperação da economia depende da hipótese -heróica- de que o acionista beneficiado pela redução nos impostos consumirá mais. A recuperação da economia, porém, depende da retomada de investimentos. Reduzir impostos sobre dividendos pode ser bom para quem recebe esses recursos (os acionistas), mas não contribui para o reinvestimento dos lucros.
Em tese, menos impostos, menos regulação e menos intervenção estatal produziriam uma economia mais saudável e capaz de crescer mais no longo prazo. Mas, enquanto o longo prazo não vem, ganham força a recaída recessiva ("double dip") ou a recuperação sem emprego ("jobless recovery").
Está em jogo a distribuição dos custos da crise, não a sua superação. Aliás, para o pensamento econômico mais conservador, não se pode esperar muito da intervenção do Estado. Somente os mercados produzem a recuperação no devido tempo. O resto é retórica -aproveitar o pessimismo econômico crescente para legitimar mudanças nas regras do jogo que favorecem os mais ricos na crise.
A verdadeira política de recuperação econômica do governo Bush estaria sendo definida no front militar. Do lado dos custos, a ocupação do Iraque provoca tensão e aumento nos preços do petróleo no curto prazo, mas garantiria no longo prazo uma oferta maior dessa fonte de energia. Do lado da demanda, a mobilização militar e a ocupação posterior seriam fontes de estímulo para vários setores.
A conclusão é mais política do que econômica: o governo Bush estaria usando a crise para justificar a aprovação de medidas que a rigor não podem levar à recuperação no curto prazo, mas que atendem ao ideário republicano que favorece concentração de renda e liberalização.



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