São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 2006

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LUÍS NASSIF

A lei de remessa de lucros de Vargas

Nesses tempos em que se tenta a livre conversibilidade cambial, seria oportuno relembrar algumas crises cambiais da moderna história brasileira. Uma das mais agudas foi no segundo governo Vargas. É capítulo ainda pouco estudado na história recente do país, especialmente os episódios que levaram à mudança do comportamento americano em relação ao governo Vargas, acabando por comprometer os trabalhos da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos por meio da qual os americanos propunham quase um Plano Marshall para o país.
Essa mudança de comportamento começou em janeiro de 1952 e tem relação direta com a implementação da Lei de Remessa de Lucros. Trata-se de um dos episódios sórdidos daqueles anos pré-JK, em que o país caminhava penosamente para construir seu planejamento estratégico.
A lei 9.025, sobre remessa de lucros, era de 27 de fevereiro de 1946. Por ela, as remessas anuais de lucros, juros e dividendos ficariam limitadas a 8% do capital estrangeiro registrado e as repatriações de capital deveriam obedecer ao limite de 20% por ano.
Em 3 de janeiro de 1952 Vargas emitiu o decreto número 30.363 que impunha um limite de 10% sobre o capital efetivamente entrado e registrado, sem computar os lucros reinvestidos. Foi o que deflagrou a guerra. Mas essas mudanças obedeciam a uma lógica de conter abusos que estavam ocorrendo na economia. Entre 1947 e 1951, o ingresso de capitais foi em média de US$ 15 milhões por ano, contra remessas de lucros da ordem de US$ 47 milhões.
O estratagema adotado por muitas empresas estrangeiras consistia em entrar no Brasil com determinado capital, depois levantar empréstimos em bancos nacionais e estrangeiros. Engordava-se o capital artificialmente aumentando a base para a remessa de lucros. Getúlio costumava fazer blague dizendo que, em vez de os dólares gerarem cruzeiros, eram os cruzeiros que geravam dólares.
O empresário Valentim Bouças -presidente da Hollerith do Brasil e conselheiro de Vargas para as relações com os EUA- mandou um relatório confidencial, que consta dos arquivos de Vargas, alertando para a extensão das fraudes. Contava de uma reunião com empresários americanos que começaram a criticar as medidas de moralização de Vargas. Entre os maiores críticos, estavam alguns dos autores dos maiores enganos.
Apesar dessas fraudes explícitas, o governo brasileiro não cuidara de esclarecer adequadamente as medidas para os EUA, dizia ele. A reação norte-americana foi agressiva, com o subsecretário de Estado Edward Miller chegando a ameaçar de suspensão todos os financiamentos ao Brasil.
Em fevereiro de 1952, a revista "Time" havia publicado um artigo bastante crítico a Vargas: "Em seu primeiro ano de governo, o presidente Vargas não fez praticamente nada. (...) Na semana passada, alguns brasileiros achavam que ele só está à espera do momento apropriado para se transformar novamente em ditador".
"A política do Ponto 4, em que se baseia o funcionamento da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento Econômico", prosseguia o documento, "não é uma política de permuta de favores econômicos".
Não bastasse a lei, o Brasil acumulava créditos atrasados com fornecedores americanos, criando uma barafunda infernal. O sistema financeiro internacional ainda não dispunha de esquemas de compensação. Assim, o Brasil era devedor diretor do comércio e da indústria dos Estados Unidos, que dispunha de uma capacidade infernal de produzir alarido. Os credores reuniam-se em comitês em várias cidades americanas várias vezes por semana, com manifestações e passeatas contra o Brasil. Muitos deles estavam sob ameaça de falência. A cada dia que passava o movimento tornava-se maior. As reuniões esquentavam sobretudo em Nova York, Chicago, grande fornecedor de máquinas pesadas, e Nova Orleans.
Deslindar esse nó foi o primeiro grande trabalho público do jovem embaixador Walther Moreira Salles. Sua estratégia consistiu em utilizar relacionamento e boa informação, entrevistas a programas de rádio e TV, até que a opinião pública especializada entendesse que o Brasil estava sendo alvo de uma chantagem.


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