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PAULO RABELLO DE CASTRO
Confiança em estado de coma
A figura impoluta de George Washington, estampada na cédula de US$ 1, corre o
risco de sair desmoralizada
OS PRESIDENTES dos bancos
centrais, reunidos na Suíça,
fitam-se perplexos, na expectativa de que alguém tome a iniciativa de falar primeiro. Esgotaram-se as teorias. As falsas explicações não duram mais que alguns
pregões de alta. Ainda serão tentadas manobras emergenciais de ressuscitação; os juros do Fed cairão
mais; Bernanke dirá que a quebra de
algum banco era esperada; Trichet,
do BCE (Banco Central Europeu),
lembrará que "os emergentes devem ajudar a salvar os ricos" (esta,
certamente, a declaração mais graciosa de todas)...
Faltará, entretanto, quem diga
que o estado comatoso da confiança
não é uma mera crise de pânico. Trata-se da constatação amarga do fim
de um ciclo de prosperidade saudável, nos EUA e no mundo, que se
transformou, entretanto, em pesadelo. O erro de manobra começou lá
atrás, quando Alan Greenspan não
permitiu que o ajuste recessivo da
economia americana, prenunciado
ao final da admirável administração
Clinton, em 2000, seguisse seu curso natural de acomodação. Greenspan preferiu utilizar o truque da injeção de liquidez que havia empregado, desde 1987, em diversas outras
ocasiões, a fim de controlar a queda
da demanda.
O comércio nos EUA passou, então, a girar, literalmente, na base do
"fiado". Anúncios enormes apregoavam móveis, utensílios de casa, automóveis, tudo na base do "sinal zero -juro zero -prestação zero". A primeira parcela do financiamento
venceria em 12 ou 18 meses. O milagre da "ressurreição" realmente
aconteceu, com a inflação ainda
bem controlada por preços de commodities muito baixos (lembra-se
do barril do petróleo a US$ 18 e o
bushel da soja abaixo de US$ 5?). O
consumo nos EUA e na Europa alavancou-se na produção asiática para
atender a esses novos consumidores.
O detalhe prático, fora do lugar, foi
a formação do megadéficit fiscal de
US$ 300 bilhões nos EUA e um assombroso déficit exterior, de US$
700 bilhões. Em apenas sete anos, a
administração Bush acumulou um
déficit gigantesco de US$ 7 trilhões.
Houve quem desse também uma
mãozinha para "explicar" o buraco
financeiro dos EUA, afirmando ser a
China a grande poupadora dos americanos. Tudo parecia se encaixar:
uns poupando, enquanto outros, só
gastando.
E gastando em quê? Em casas novas, em prédios fabulosos, imensos
centros comerciais, financiados
com juro variável, novidade lançada
na época para facilitar uma segunda
hipoteca do imóvel, lastreada em
vento.
Os reguladores de mercado e
agências de risco também engoliram mosca ao não detectar a bola de
neve. Esqueceram-se do risco macroeconômico, sistêmico, justamente na nação que é, por excelência, padrão de referência da confiança total. Não mais. Essa crise "subprime", que se tornou crise de bancos e agora se transforma rapidamente em crise geral de crédito, ou
seja, de confiança, não será debelada
pela mera injeção de mais dólares na
praça, como Bernanke tem se limitado a fazer. A figura impoluta de
George Washington, estampada na
cédula de US$ 1, corre o risco, pela
primeira vez, de sair desmoralizada
dessa crise.
A histeria especulativa em torno
das commodities, cujo preço em dólar não pára de subir, é uma denúncia viva do profundo desequilíbrio
da confiança na própria moeda americana. Por sorte, o Brasil ficou, desta vez, do lado poupador, pois acumulamos reservas. Mas não significa que estamos poupados de riscos.
PAULO RABELLO DE CASTRO, 58, doutor em economia
pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do
Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora
de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria
econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da
Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
rabellodecastro@uol.com.br
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