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OPINIÃO ECONÔMICA
Herança maldita
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Hoje, quero voltar a falar
de câmbio (desculpe, leitora, a recorrência do tema). Antes, um pequeno "detour" -ou
dois. Primeiro: um leitor protestou contra a minha tendência a
quebrar a regra gramatical, que
privilegia o uso do masculino.
Lamento. Com a explosão inevitável (e bem-vinda) das mulheres no mundo, a regra pode ser
sacrificada de vez em quando.
Assim, vou continuar invocando
"a leitora" quando me der na telha.
Segundo (e mais "à propos"):
recentemente, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais condenou a
viúva de um fazendeiro a pagar
pensão à amante do falecido! No
"Jornal do Brasil", um jornalista
criativo bolou o seguinte título
para a notícia: "Herança maldita". Uma alusão debochativa à
retórica do governo Lula, evidentemente.
É inevitável que, com o passar
do tempo, essa retórica da "herança maldita" fique cada vez
mais desgastada. No caso do
atual governo, entretanto, sempre houve uma peculiaridade: a
incongruência entre as queixas
(justas) da herança recebida do
governo anterior e o continuísmo no que diz respeito à política
econômica. O próprio Fernando
Henrique Cardoso logo botou o
dedo na ferida: "Se a herança é
maldita, por que continuá-la?".
Uma precisão se faz necessária.
Até há pouco, uma distinção era
razoavelmente clara: o governo
Lula dava continuidade à medíocre política macroeconômica
do segundo mandato de FHC
-e não à desastrosa política do
primeiro, marcada pela insistência alucinada na sobrevalorização cambial. Desde 1999, aos
trancos e barrancos, o Brasil caminhou na direção de uma taxa
de câmbio competitiva, com efeitos positivos sobre o crescimento
econômico e as contas externas
do país. No que diz respeito às
contas externas, esses efeitos começaram a se fazer sentir desde o
segundo semestre de 2002; no
que se refere ao crescimento da
economia, desde fins de 2003.
Infelizmente, de uns tempos
para cá, sobretudo agora em
2005, experimentamos uma perigosa recaída na sobrevalorização cambial. Estamos pouco a
pouco voltando à época em que o
BC era comandado por um Napoleão de hospício, disposto a sacrificar a economia inteira no altar do câmbio forte. Os sintomas
são parecidos. Do lado de fora,
um número crescente de economistas e empresários percebe o
problema e se dispõe a protestar
publicamente. Enquanto isso, no
"bunker" da diretoria do BC, tudo se passa como se o problema
fosse pequeno ou inexistente. "A
nossa única meta é a meta de inflação", repetem rotineiramente
os diretores do banco.
Um espanto! A turma atual do
BC, diferentemente do Napoleão
de hospício acima lembrado, tem
tido muita sorte. No governo
FHC, especialmente no período
1995-1998, ocorreram violentos
choques externos, que interagiram com erros e omissões internos para produzir uma sucessão
estarrecedora de crises econômicas no país. Desde 2003, ao contrário, o cenário mundial tem sido geralmente muito favorável
dos pontos de vista comercial e
financeiro. Em grande parte por
isso, a sobrevalorização ainda
não desencadeou todo o seu potencial destrutivo. "Ognun sa navigar quando è buon vento", diz
o provérbio italiano.
Mas não vamos tirar os méritos
da equipe econômica. Para o verdadeiro Napoleão Bonaparte,
que confiava muito na própria
estrela, a sorte era um atributo
pessoal, e não questão de mero
acaso. Certa vez, ao ser informado das qualidades excepcionais
de um novo general -o seu heroísmo, a sua coragem, a sua
destreza no campo de batalha
etc.-, Napoleão interrompeu
impaciente: "Mas ele tem sorte?".
Saímos ganhando, portanto.
Trocamos um reles Napoleão de
hospício por uma equipe que estaria perfeitamente habilitada a
integrar as hostes do verdadeiro
e insubstituível Napoleão.
Não vamos esquecer, entretanto, que o Bonaparte autêntico teve o seu Waterloo e acabou em
Santa Helena. O Waterloo da
equipe econômica será a insistência dogmática na combinação de juros altos e câmbio sobrevalorizado.
Paulo Nogueira Batista Jr., 50, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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