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TENSÃO ENTRE VIZINHOS
Boliviano diz em Viena que colaboradores de Lula bloquearam diálogo e que Petrobras atuava ilegalmente
Evo vê Petrobras contrabandista e ironiza Lula
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A VIENA
O presidente boliviano, Evo
Morales, instalou uma metralhadora giratória verbal na manhã de
ontem em Viena, com a qual atingiu principalmente a Petrobras,
acusada de "contrabandista", e o
governo de seu colega brasileiro
Luiz Inácio Lula da Silva, cujos
"colaboradores" teriam "bloqueado" as tentativas de Morales
de se comunicar com Lula antes
da nacionalização do gás, no dia
1º de maio. "Depois me procuraram imediatamente", ironizou o
boliviano, com um leve sorriso no
rosto cor de cobre de descendente
de índios aymarás.
Após alguma hesitação, o chanceler brasileiro, Celso Amorim,
disse que Lula viu com "indignação" as declarações de Morales.
A entrevista coletiva de Morales
lotou por completo a sala 18 do
Centro de Feiras de Viena (Áustria), onde começa hoje a 4ª Conferência de Cúpula União Européia-América Latina/Caribe, justificando a observação de um jornalista espanhol de que o presidente boliviano é a "vedete" do
momento. Serviu para uma espécie de apresentação em sociedade
de um governante que disse, brincando, representar "uma novidade para vocês", por vir do movimento social, por ser indígena e,
"muito mais raro e preocupante",
pelo que chamou contidamente
de "tema da nacionalização de recursos naturais".
Como a primeira pergunta foi
justamente sobre a nacionalização e a "traição" a Lula por não tê-lo consultado, Morales disparou
nessa direção as primeiras salvas.
"Não tenho por que perguntar,
por que consultar e por que informar sobre políticas que um país
tem que desenvolver soberanamente", disse, curto e grosso.
Emendou: "Como qualquer
país, como qualquer presidente,
tenho todo o direito de recuperar
recursos naturais e nacionalizá-los".
Despachou com a mesma ênfase a acusação, talvez a mais insistente no Brasil, de ter rompido
contratos. Sua tese é a de que não
foi ele quem rompeu contratos; os
contratos é que eram "ilegais e inconstitucionais".
"A Petrobras operava ilegalmente, sem respeitar as regras bolivianas", atacou, lembrando o fato de que 70 dos contratos para a
exploração de recursos naturais
bolivianos deveriam ter sido
aprovados pelo Congresso, conforme a Constituição, mas não o
foram, além de terem sido "negociados secretamente".
Contestou também a tese de
que os investidores internacionais, depois da nacionalização, ficarão temerosos por uma suposta
ou real falta de segurança jurídica.
"As empresas são as primeiras a
não respeitar as regras bolivianas;
há muitas denúncias sobre empresas petrolíferas que não pagam impostos, que são contrabandistas [contexto em que entrou a Petrobras]. De que segurança jurídica nos podem falar se
são as primeiras a não respeitar as
regras?", perguntou, com resposta implícita.
Aproveitou para anunciar que
todas as empresas petrolíferas serão investigadas tanto pelas suspeitas de contrabando quanto por
eventual evasão fiscal.
Indenizações
O presidente boliviano só não
foi muito claro a respeito de eventuais indenizações. Primeiro, porque disse que não houve expropriação nem haverá expulsão das
companhias estrangeiras. Repetiu
o chavão de que seu governo quer
"sócios, mas não patrões".
Depois, afirmou que só caberia
indenização se tivesse havido "expropriação de bens e tecnologia"
e, mesmo assim, se as empresas já
não tiverem recuperado os investimentos feitos na exploração de
recursos naturais bolivianos.
O mesmo argumento sobre respeito às leis reapareceu em resposta a uma pergunta sobre a
preocupação de produtores brasileiros de soja instalados na Bolívia
com uma possível desapropriação. "Tenho muito amizade e respeito com quem respeita as leis
bolivianas", começou respondendo.
Lembrou até que, antes de viajar, tivera uma reunião com bancos privados brasileiros em La Paz
e emendou: "Bancos ou plantadores de soja terão todo o respaldo
desde que estejam cumprindo a
lei".
Não é o caso, segundo ele, da siderúrgica brasileira EBX, expulsa
da Bolívia antes da nacionalização
do gás, porque atuava "ilegal e inconstitucionalmente" em uma
área vedada na medida em que fica a menos de 50 quilômetros da
fronteira. A EBX, segundo Morales, não tem atestado ambiental
nem mesmo no Brasil.
Sobre as negociações Brasil/Bolívia, pós-nacionalização, foi franco: "Falamos muito mas não concretizamos nada".
Disse que Lula "é solidário"
[com ele], mas lamentou que, nos
dias prévios à nacionalização, foi
"bloqueado" por "colaboradores" do presidente brasileiro nas
suas tentativas de diálogo, sem
mencionar nomes.
Só depois da nacionalização, é
que foi procurado.
Foram tantas as críticas ao Brasil/Petrobras/empresas brasileiras que sobrou até para o passado
remoto: lembrou que o Acre foi
comprado da Bolívia "pelo preço
de um cavalo". E fechou: "Com
nosso governo, não haverá isso
porque vamos defender nosso
território".
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