São Paulo, sábado, 12 de maio de 2007

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LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA

A Petrobras e a situação da Bolívia

Como representante da massa camponesa, Morales está sob fortes pressões e tem de atender às demandas

A INICIATIVA de Evo Morales, nacionalizando, na Bolívia as empresas privatizadas durante os anos 1990, constitui uma conseqüência direta do fracasso das políticas neoliberais. O presidente Victor Paz Estensorro, do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), voltando ao governo em 1985, impôs um programa de ajuste estrutural. Seus sucessores, Jayme Paz Zamora (1989-1993), do Movimento da Esquerda Revolucionária (MIR), e Gonzalo Sánchez de Losada (1993-1998), do MNR, aplicaram com certo êxito o mesmo programa neoliberal, dado que a hiperinflação se tornara inaceitável para a população. Mas o próprio presidente Hugo Banzer, da Aliança Democrática Nacionalista (ADN), reconheceu, no ano 2000, que a estabilidade econômica ao longo de 15 anos, durante os quais a Bolívia se apresentou como modelo de livre mercado, não havia contribuído para diminuir os índices de pobreza de mais da metade da população boliviana (63%), especialmente a de origem indígena.
A deterioração das condições de vida, acelerada desde 1985, atingiu principalmente os camponeses e na área rural mais de 80% da população estava reduzida à miséria. A questão agrária, que a revolução de 1952 tentara resolver com a repartição dos latifúndios e distribuição de terras para o trabalhadores rurais, reapareceu como grave fator de tensões sociais e os conflitos sociais irromperam.
A liderança de Evo Morales nasceu em meio do movimento dessa grande massa camponesa, a maioria indígena. Como seu representante, ele está sob fortes pressões e tem de atender às suas demandas. Porém, muitas das medidas que toma repercutem nas relações exteriores da Bolívia, particularmente com o Brasil, como aconteceu com a nacionalização das refinarias da Petrobras, que não tinha alternativa senão alcançar um acordo razoável com o governo de Evo Morales e vendê-las por US$ 112 milhões. O prejuízo, calculado entre US$ 68 milhões e US$ 80 milhões -a diferença entre o valor investido (US$ 102 milhões na compra e um gasto de cerca de US$ 78 milhões) e o que será recebido pelas duas refinarias- é diminuto, diante dos lucros que a Petrobras lá auferiu desde 1999. Não se pode calcular exatamente o impacto, mas de fato é muito pequeno, pois a Bolívia representa apenas 2,5% da capacidade de refino da Petrobras no Brasil e em outros países, da ordem de 2,227 milhões de barris/dia.
O aspecto político também pesou na negociação, dado que a situação de Evo Morales no governo ainda se afigura bastante instável e não convém ao Brasil agravar seus problemas internos.
A Bolívia divide-se em três regiões bem distintas, escassamente integradas: o Altiplano, o Centro (Cochabamba) e o Oriente (Santa Cruz de la Sierra). É um país com escassa unidade econômica, social e política, que ainda não consolidou sua unidade nacional. E na região de Santa Cruz de la Sierra, fronteira com o Brasil, os separatistas promovem intenso esforço de doutrinação sobre a necessidade de separá-la do resto do país. Lá, cerca de 12 mil homens estariam sendo armados e treinados com ajuda de ex-paramilitares das autodefesas da Colômbia e armas de Israel, contrabandeadas pelo Paraguai. O conflito pode ocorrer após os trabalhos da Assembléia Constituinte, que certamente não aprovará o modelo de autonomia exigido pelo movimento Nación Camba. E, se essa ameaça se efetivar, o Brasil defrontar-se-á com um gravíssimo problema, pois em hipótese nenhuma apoiará a secessão de Santa Cruz de la Sierra.


LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA é cientista político, professor titular (aposentado) da Universidade de Brasília e autor de várias obras, entre as quais "Formação do Império Americano (Da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque)", que lhe valeu ser eleito pela União Brasileira de Escritores, com o patrocínio da Folha , Intelectual do Ano 2005.


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