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LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA
A Petrobras e a situação da Bolívia
Como representante da massa camponesa, Morales está sob fortes pressões e
tem de atender às demandas
A INICIATIVA de Evo Morales,
nacionalizando, na Bolívia as
empresas privatizadas durante os anos 1990, constitui uma conseqüência direta do fracasso das políticas neoliberais. O presidente Victor Paz Estensorro, do Movimento
Nacionalista Revolucionário
(MNR), voltando ao governo em
1985, impôs um programa de ajuste
estrutural. Seus sucessores, Jayme
Paz Zamora (1989-1993), do Movimento da Esquerda Revolucionária
(MIR), e Gonzalo Sánchez de Losada (1993-1998), do MNR, aplicaram
com certo êxito o mesmo programa
neoliberal, dado que a hiperinflação
se tornara inaceitável para a população. Mas o próprio presidente Hugo
Banzer, da Aliança Democrática Nacionalista (ADN), reconheceu, no
ano 2000, que a estabilidade econômica ao longo de 15 anos, durante os
quais a Bolívia se apresentou como
modelo de livre mercado, não havia
contribuído para diminuir os índices de pobreza de mais da metade da
população boliviana (63%), especialmente a de origem indígena.
A deterioração das condições de
vida, acelerada desde 1985, atingiu
principalmente os camponeses e na
área rural mais de 80% da população
estava reduzida à miséria. A questão
agrária, que a revolução de 1952 tentara resolver com a repartição dos
latifúndios e distribuição de terras
para o trabalhadores rurais, reapareceu como grave fator de tensões
sociais e os conflitos sociais irromperam.
A liderança de Evo Morales nasceu em meio do movimento dessa
grande massa camponesa, a maioria
indígena. Como seu representante,
ele está sob fortes pressões e tem de
atender às suas demandas. Porém,
muitas das medidas que toma repercutem nas relações exteriores da
Bolívia, particularmente com o Brasil, como aconteceu com a nacionalização das refinarias da Petrobras,
que não tinha alternativa senão alcançar um acordo razoável com o
governo de Evo Morales e vendê-las
por US$ 112 milhões. O prejuízo, calculado entre US$ 68 milhões e US$
80 milhões -a diferença entre o valor investido (US$ 102 milhões na
compra e um gasto de cerca de US$
78 milhões) e o que será recebido pelas duas refinarias- é diminuto,
diante dos lucros que a Petrobras lá
auferiu desde 1999. Não se pode calcular exatamente o impacto, mas de
fato é muito pequeno, pois a Bolívia
representa apenas 2,5% da capacidade de refino da Petrobras no Brasil e em outros países, da ordem de
2,227 milhões de barris/dia.
O aspecto político também pesou
na negociação, dado que a situação
de Evo Morales no governo ainda se
afigura bastante instável e não convém ao Brasil agravar seus problemas internos.
A Bolívia divide-se em três regiões
bem distintas, escassamente integradas: o Altiplano, o Centro (Cochabamba) e o Oriente (Santa Cruz
de la Sierra). É um país com escassa
unidade econômica, social e política,
que ainda não consolidou sua unidade nacional. E na região de Santa
Cruz de la Sierra, fronteira com o
Brasil, os separatistas promovem intenso esforço de doutrinação sobre a
necessidade de separá-la do resto do
país. Lá, cerca de 12 mil homens estariam sendo armados e treinados
com ajuda de ex-paramilitares das
autodefesas da Colômbia e armas de
Israel, contrabandeadas pelo Paraguai. O conflito pode ocorrer após os
trabalhos da Assembléia Constituinte, que certamente não aprovará o modelo de autonomia exigido
pelo movimento Nación Camba. E,
se essa ameaça se efetivar, o Brasil
defrontar-se-á com um gravíssimo
problema, pois em hipótese nenhuma apoiará a secessão de Santa Cruz
de la Sierra.
LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA é cientista político,
professor titular (aposentado) da Universidade de Brasília
e autor de várias obras, entre as quais "Formação do Império Americano (Da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque)", que lhe valeu ser eleito pela União Brasileira de Escritores, com o patrocínio da Folha , Intelectual do Ano
2005.
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