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OPINIÃO ECONÔMICA
Comércio Sul-Sul, depois de amanhã
GESNER OLIVEIRA
A 11ª Conferência das Nações
Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, que será aberta
amanhã, ocorre em um momento
de busca de novos caminhos para
os países em desenvolvimento.
Os sucessivos impasses nas negociações da Rodada Doha em
torno do aprofundamento da liberalização multilateral lembraram, uma vez mais, que o comércio internacional é um jogo de paciência. Embora fundamentais,
os resultados são magros e demorados. Certamente mais lentos do
que aquilo que se esperava em
meados dos anos 90, no final da
Rodada Uruguai e no início da
OMC (Organização Mundial do
Comércio).
Na ausência de maior liberdade
de comércio, prevalece uma ordem mundial profundamente injusta. A liberalização avançou
mais nos produtos industrializados e muito menos ou quase nada
nos produtos agrícolas, em relação aos quais vários países em desenvolvimento apresentam vantagens comparativas. O acesso
restrito aos principais mercados
dos países mais ricos representa,
assim, um dos entraves ao desenvolvimento da maior parte do
planeta, impedindo que o comércio contribua para a diminuição
da pobreza.
Diante das dificuldades das negociações na OMC e também de
acordos regionais mais abrangentes, como o da Alca (Área de
Livre Comércio das Américas),
cresceu a importância de acordos
bilaterais e plurilaterais que possam abrir novas oportunidades
de comércio.
Aumentaram igualmente a relevância e a densidade do comércio Sul-Sul, isto é, entre países em
desenvolvimento. Conforme destacado em documento da Unctad, embora o comércio Sul-Sul
represente apenas 10% do total,
sua taxa de crescimento tem sido
elevada e superior à do comércio
mundial. Por sua vez, a parcela
do comércio detida pelos países
em desenvolvimento aumentou
de 20%, em meados dos anos 80,
para cerca de 30%.
As novas parcerias comerciais
não serão construídas a partir de
iniciativas isoladas. É retórica e
exagerada a afirmação do presidente Lula sobre sua recente visita à China de que, "nesta viagem,
estamos dando uma demonstração de que nós poderemos, se soubermos trabalhar, construir uma
nova geografia comercial no
mundo". De qualquer forma, a
continuidade da política externa
no sentido da diversificação de
mercados é positiva e deveria ser
reforçada pelas próximas administrações.
Naturalmente, seria um erro
grave imaginar que a crescente
importância do comércio Sul-Sul
poderia substituir o comércio com
os países desenvolvidos, alimentando alguma plataforma terceiro-mundista em pleno século 21.
Isso só ocorreria com o advento
da nova Era Glacial do filme "O
Dia Depois de Amanhã", de Roland Emmerich, em que os habitantes do Norte são obrigados a
emigrar para o Sul e sentir na pele
o que é ter de implorar por um
visto de entrada na fronteira do
México.
Fora da ficção, as relações comerciais Norte-Sul continuarão
fundamentais. Para o Brasil, por
exemplo, a União Européia e os
Estados Unidos representaram,
respectivamente, 25% e 23% das
vendas externas no ano passado.
Mas as iniciativas da Unctad no
sentido de aumentar as relações
Sul-Sul tendem a criar comércio e
estimular as próprias relações
com o Norte. Assim, a proposta de
uma nova rodada de negociações
para a redução de tarifas no âmbito do SGPC (Sistema Geral de
Preferências Comerciais) contribui para o sistema mundial.
As discussões da Unctad deverão transcender os temas estritamente de comércio. É impossível
falar de comércio na atualidade
sem discutir uma ampla gama de
outras políticas públicas, como os
chamados novos temas de Cingapura: ambiente, investimentos,
concorrência, compras governamentais e facilitação do comércio.
Hoje, por exemplo, termina um
seminário preparatório da Unctad, no qual foram discutidas as
políticas de regulação e de concorrência de países em desenvolvimento. Um conjunto de trabalhos sobre o tema será lançado na
próxima semana em livro, "Competition, Competitiveness and
Development: Lessons from Developing Countries", editado por
Philippe Brusick e outros.
Os avanços nas instituições de
comércio são morosos. Os interesses nacionais são freqüentemente
contraditórios, e a formação de
coalizões vencedoras é um processo complexo que requer tempo,
visão de futuro e pertinácia. Os
desafios para os países em desenvolvimento são ainda maiores devido à escassez de recursos, à fragilidade institucional e à fragmentação de interesses. Mas começam a surgir bases objetivas
para a intensificação das relações
Sul-Sul.
Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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