São Paulo, quinta-feira, 12 de agosto de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Crescimento sustentado ou vôo da galinha?

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O desempenho da economia brasileira melhorou sensivelmente nos últimos meses. As projeções de crescimento do PIB em 2004, antes na faixa de 3% a 3,5%, deslocaram-se para cerca de 4%, com a indústria crescendo mais do que os outros setores. O mercado de trabalho começou a reagir. A imagem do governo voltou a melhorar. Apareceram resultados mais positivos nas pesquisas de opinião pública divulgadas nesta semana.
A dúvida agora é a seguinte: trata-se de mais um "vôo da galinha", semelhante às recuperações de fôlego curto do período Fernando Henrique Cardoso? Ou estamos no início de uma fase de crescimento sustentado?
Ninguém pode ter certeza. A capacidade de previsão dos economistas é notoriamente limitada. Mas a comparação com o período FHC não é inteiramente convincente. Há pelo menos uma grande diferença entre a recuperação atual e as anteriores: o fortalecimento da balança comercial e do balanço de pagamentos em conta corrente. Esse aspecto é fundamental, uma vez que as tentativas de retomar o crescimento no governo anterior foram quase sempre interrompidas por problemas nas contas externas do país.
Nessa área, o Brasil vem acumulando surpresas favoráveis. A primeira foi a velocidade e a intensidade da reação da balança comercial à depreciação cambial, desde meados de 2002. A segunda, a resistência dos bons resultados comerciais à revalorização do real ocorrida em 2003. Terceira: o superávit comercial continuou crescendo em 2004, a despeito da retomada da economia. As importações vêm aumentando rapidamente, refletindo a retomada, mas o ritmo de expansão das exportações tem sido ainda maior.
É bem verdade que a reativação econômica é muito recente. O importante é gerar superávits comerciais expressivos (ainda que não necessariamente tão altos quanto os de 2003 e 2004) com a economia crescendo sustentadamente em ritmo vigoroso, de 5% a 6% ao ano, pelo menos. Mas, como a razão exportações/importações está em nível elevado, é preciso que a taxa de crescimento das importações supere a das exportações por larga margem e longo período para que o superávit da balança comercial venha a se reduzir de forma perigosa.
Atualmente, a vulnerabilidade da posição externa decorre, sobretudo, da excessiva abertura da conta de capitais, do perfil inadequado da dívida externa e do nível insuficiente das reservas internacionais do país. Apesar do excelente desempenho do balanço de pagamentos em conta corrente neste ano, a recomposição das reservas foi modesta. Portanto, se houver forte deterioração do contexto mundial e uma nova rodada de choques vindos do exterior, a fragilidade das contas externas pode voltar a restringir o crescimento.
Mesmo assim, é inegável o progresso em matéria de ajustamento externo. A recuperação pode até ser interrompida por fatores internos, tais como restrições de capacidade de produção, aumento da inflação ou rigidez excessiva das políticas macroeconômicas. Mas, no que diz respeito ao que constituía o calcanhar-de-aquiles da economia brasileira desde o Plano Real -a fragilidade das contas externas-, a nossa posição é hoje mais sólida.
É um forte motivo para admitir que a recuperação em curso tenha boas chances de vingar. As chances serão maiores se prosseguir o esforço de consolidação da posição externa. Isso inclui não relaxar na promoção das exportações (evitando, por exemplo, novos períodos de apreciação cambial), acelerar a recomposição das reservas internacionais e aproveitar o período de calmaria para disciplinar os movimentos de capital e alongar a dívida externa.


Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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