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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
Uma conspiração da grande imprensa?
Estudo estima que a cobertura
nos jornais dos EUA reflita mais a demanda do leitor que a identidade dos proprietários
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UM MARCIANO cuja única fonte
de informação fossem os comentaristas da Fox News, o
canal de TV a cabo de Rupert Murdoch nos Estados Unidos, concluiria
que: 1) as armas de destruição maciça de Saddam Hussein estão escondidas na Síria; 2) a ocupação do Iraque pela coalizão é um sucesso incontroverso; e 3) a única razão pela
qual a grande maioria do povo americano está decepcionada com a
guerra contra o terror (para a Fox,
não parece haver guerra no Iraque)
é a cobertura negativa feita pela imprensa liberal -leia-se à esquerda
de Murdoch- movida por preconceito contra George W. Bush.
Felizmente o Brasil não está em
guerra, mas os defensores mais radicais do presidente Lula também
acreditam que a mídia conservadora
(e golpista!) inventou a corrupção
do mensalão e o caos aéreo. Assim
como os seus colegas americanos, os
extremistas brasileiros culpam o
noticiário dos jornais, que, ao contrário dos editoriais e colunas de
opinião, deveria ser imparcial.
Exageros à parte, não há dúvidas
de que a cobertura na imprensa não
é sempre neutra. O trabalho "What
Drives Media Slant? Evidence from
U.S. Daily Newspapers" (http://home.uchicago.edu/~jmshapir/biasmeas111306.pdf), de Matthew Gentzkow e Jesse Shapiro,
economistas na Universidade de
Chicago, examina como as forças
do mercado afetam o conteúdo
ideológico da imprensa. Gentzkow
e Shapiro começaram construindo
uma medida do quanto a linguagem das notícias em um jornal se
assemelha àquela de um congressista republicano ou democrata.
No contexto brasileiro, seria medir
quantas vezes um órgão da imprensa mencionou expressões associadas à oposição, como "mensalão",
em comparação a termos como
"golpismo", uma das fórmulas favoritas dos situacionistas. Usando
essa medida e uma extensa base de
dados sobre os moradores da área
de venda de cada órgão de imprensa, assim como informações sobre
os donos do jornal, os autores avaliaram o papel da ideologia dos proprietários e o impacto das preferências dos leitores na linguagem
escolhida pelos veículos de comunicação. Isso é em geral uma tarefa
difícil, mas, usando métodos estatísticos sofisticados, os autores estimam que a cobertura nos jornais
americanos reflita muito mais a demanda dos seus leitores do que a
identidade dos seus proprietários.
Os donos de veículos de comunicação nos Estados Unidos parecem
principalmente almejar o sucesso.
Não é certo que um estudo semelhante sobre a imprensa brasileira
chegasse às mesmas conclusões,
mas, se esse fosse o caso, ficaria
mais fácil entender, por exemplo,
por que os jornais e revistas de
grande circulação no Brasil dedicaram tanto espaço à crise aérea. Ler
a imprensa no nosso país ainda é
majoritariamente uma atividade
de uma parcela relativamente
próspera da população, que freqüentemente tem informações, pelo menos por meio de conhecidos,
da verdadeira situação nos aeroportos brasileiros. Minimizar a crise do transporte aéreo pode agradar ao governo e até mesmo ajudar
a receber propaganda de empresas
estatais, mas vai resultar em menor
credibilidade, menos leitores e, como conseqüência, menor receita
de publicidade privada. Optar pela
omissão pode ser uma boa escolha
econômica para um pequeno jornal ou para alguns blogueiros, mas
não para aqueles que almejam ser
líderes na imprensa. Para esses, é
melhor produzir um veículo que
atraia uma grande audiência e muitos anunciantes.
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 59, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com
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