São Paulo, domingo, 12 de agosto de 2007

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ARTIGO

Dinamismo no sistema imobiliário dos EUA

MARCOS ANTONIO CINTRA
EDITORIALISTA DA FOLHA

COM A crise das Saving & Loans (instituições de poupança e empréstimo) na década de 1980, o governo americano promoveu profundas transformações em seu sistema de financiamento imobiliário. Fomentou um mercado secundário de hipotecas, capaz de tornar líquidos contratos de longo prazo, sob o comando de três instituições: Government National Mortgage Association, Federal National Mortgage Association e Federal Home Loan Mortgage Corporation. Todo o sistema foi construído com garantias públicas diretas ou indiretas.
Os empréstimos imobiliários passaram a ser agregados e revendidos pelas instituições citadas para os fundos de investimentos, fundos de pensão e "hedge funds", que compram títulos com determinada rentabilidade, garantidos pelo pagamento das prestações (e, no limite, pelo próprio imóvel), e que podem ser negociados no mercado secundário.
A partir de 2002, a concorrência entre os agentes financeiros levou à proliferação de diferentes contratos para atrair tomadores de maior risco. Nas "interest-only loan", pagam-se apenas os juros por um determinado período, depois, a amortização do principal é acrescida aos juros. Nas hipotecas híbridas, combina-se o pagamento de taxas prefixadas no início do contrato com pós-fixadas depois de um certo tempo. Grande parte das hipotecas "subprime" emitidas entre 2004 e 2006 usou esses atrativos para tornar a operação mais interessante e, conseqüentemente, mais arriscada.
Esses contratos de maior risco atingiram 30% das hipotecas emitidas em 2006. Em 2002, eram cerca de 6%. As hipotecas contraídas com documentos incompletos sobre comprovação de renda do tomador, conhecidas como "Alt-A mortgages", também cresceram.
Em 2006, representaram 13% do fluxo de novas hipotecas. Essas hipotecas securitizadas, por sua vez, geraram uma montanha de derivativos de crédito (transferência do risco de inadimplência do mutuário).
Enfim, o sistema imobiliário americano, apoiado em grandes agências, gestou novos contratos, permitindo um diversificado conjunto de hipotecas, com diferentes relações risco-retorno, e a entrada de novos clientes no mercado. Os riscos foram fatiados, securitizados e redistribuídos para diversos agentes em todo o planeta.
Em meados de 2006, porém, o mercado imobiliário americano passou a emitir sinais de encolhimento. A valorização dos imóveis perdeu força, o número de unidades residenciais construídas e vendidas caiu. Ao mesmo tempo, ampliou a inadimplência dos devedores de maior risco, com repercussões em todo o sistema financeiro.
Em fevereiro, o HSBC divulgou perdas em operações no mercado hipotecário americano. Estas perdas e a suspeita de que outros bancos seriam contaminados desencadearam turbulências nos mercados globais. Em junho, "hedge funds" geridos por bancos australianos e pelo Bear Stearns também apresentaram perdas com ativos imobiliários. Na última quinta-feira, o BNP Paribas suspendeu os resgates de três fundos de investimento com problemas no mercado hipotecário "subprime" americano.
Enquanto isso, o banco central alemão articulava um pacote para salvar o banco IKB, atingido pelos mesmos percalços.
A complexidade e a sofisticação dos novos instrumentos foram capazes de gerar um estoque de hipotecas estimado em US$ 1,3 trilhão, mas não de eliminar os riscos, que foram entrelaçados em âmbito global. A solução exigirá coordenação dos principais bancos centrais.


Colaborou RAFAEL F. CAGNIN


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