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ARTIGO
Dinamismo no sistema imobiliário dos EUA
MARCOS ANTONIO CINTRA
EDITORIALISTA DA FOLHA
COM A crise das Saving &
Loans (instituições de
poupança e empréstimo) na década de 1980, o governo americano promoveu profundas transformações em seu
sistema de financiamento imobiliário. Fomentou um mercado secundário de hipotecas, capaz de tornar líquidos contratos de longo prazo, sob o comando de três instituições: Government National Mortgage
Association, Federal National
Mortgage Association e Federal Home Loan Mortgage Corporation. Todo o sistema foi
construído com garantias públicas diretas ou indiretas.
Os empréstimos imobiliários
passaram a ser agregados e revendidos pelas instituições citadas para os fundos de investimentos, fundos de pensão e "hedge funds", que compram
títulos com determinada rentabilidade, garantidos pelo pagamento das prestações (e, no limite, pelo próprio imóvel), e
que podem ser negociados no
mercado secundário.
A partir de 2002, a concorrência entre os agentes financeiros levou à proliferação de
diferentes contratos para atrair
tomadores de maior risco. Nas
"interest-only loan", pagam-se
apenas os juros por um determinado período, depois, a
amortização do principal é
acrescida aos juros. Nas hipotecas híbridas, combina-se o pagamento de taxas prefixadas no
início do contrato com pós-fixadas depois de um certo tempo. Grande parte das hipotecas
"subprime" emitidas entre
2004 e 2006 usou esses atrativos para tornar a operação mais
interessante e, conseqüentemente, mais arriscada.
Esses contratos de maior risco atingiram 30% das hipotecas
emitidas em 2006. Em 2002,
eram cerca de 6%. As hipotecas
contraídas com documentos
incompletos sobre comprovação de renda do tomador, conhecidas como "Alt-A mortgages", também cresceram.
Em 2006, representaram 13% do
fluxo de novas hipotecas. Essas
hipotecas securitizadas, por
sua vez, geraram uma montanha de derivativos de crédito
(transferência do risco de inadimplência do mutuário).
Enfim, o sistema imobiliário
americano, apoiado em grandes agências, gestou novos contratos, permitindo um diversificado conjunto de hipotecas, com diferentes relações risco-retorno, e a entrada de novos
clientes no mercado. Os riscos
foram fatiados, securitizados e
redistribuídos para diversos
agentes em todo o planeta.
Em meados de 2006, porém,
o mercado imobiliário americano passou a emitir sinais de
encolhimento. A valorização
dos imóveis perdeu força, o número de unidades residenciais
construídas e vendidas caiu. Ao
mesmo tempo, ampliou a inadimplência dos devedores de
maior risco, com repercussões
em todo o sistema financeiro.
Em fevereiro, o HSBC divulgou perdas em operações no
mercado hipotecário americano. Estas perdas e a suspeita de
que outros bancos seriam contaminados desencadearam turbulências nos mercados globais. Em junho, "hedge funds" geridos por bancos australianos e pelo Bear Stearns também apresentaram perdas com
ativos imobiliários. Na última
quinta-feira, o BNP Paribas
suspendeu os resgates de três
fundos de investimento com
problemas no mercado hipotecário "subprime" americano.
Enquanto isso, o banco central
alemão articulava um pacote
para salvar o banco IKB, atingido pelos mesmos percalços.
A complexidade e a sofisticação dos novos instrumentos foram capazes de gerar um estoque de hipotecas estimado em US$ 1,3 trilhão, mas não de eliminar os riscos, que foram entrelaçados em âmbito global. A
solução exigirá coordenação
dos principais bancos centrais.
Colaborou RAFAEL F. CAGNIN
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