São Paulo, sábado, 12 de setembro de 2009

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ROBERTO RODRIGUES

Sem Doha, novo alento com a UE


A União Europeia é o maior comprador do agronegócio brasileiro; um terço de tudo o que exportamos vai para lá


SÃO CADA vez mais evidentes os sinais de que a Rodada Doha encalhou de vez no neoprotecionismo sobretudo dos países ricos gerado no seio da crise financeira global.
Se, antes da crise, com os preços das commodities muito acima das médias históricas, já havia pouco espaço para sucesso na abertura dos mercados agrícolas, agora ficou muito pior.
Ninguém quer dizer que Doha morreu. Nem deve. Enquanto houver um fio de esperança, é preciso insistir, porque é na OMC que as grandes questões comerciais serão encaminhadas e resolvidas.
No entanto, dada a pasmaceira da organização, países e blocos começaram a se movimentar por alternativas, sobretudo do tipo "acordos bilaterais". O governo brasileiro já sinaliza isso como um plano B. E uma surpresa agradável apareceu: a União Europeia deu sinais de interesse em retomar as negociações com o Mercosul, abruptamente interrompidas em 2004, quando esperávamos um acordo com bases promissoras. Embora as propostas de então não fossem maravilhosas, um começo positivo se desenhava.
Não importa analisar as causas daquele fracasso, até porque foram tantas, com culpas de todos os atores, que a especulação é inócua. E vale a pena, sim, retomar o entendimento. Afinal, a UE é o maior comprador do nosso agronegócio: um terço de tudo o que exportamos vai para lá.
Também é verdade que os 27 países que a compõem têm diferentes interesses, e que muito do que lhes vendemos como matéria-prima é industrializado e reexportado com valor agregado maior. Nosso governo está se movimentando, felizmente, para chegar a uma reunião com a UE marcada para novembro, com propostas bem delineadas.
A tarefa é monumental e o processo, extremamente complicado. Trabalhando a quatro mãos, o Itamaraty e o Ministério da Agricultura iniciaram, discretamente, sondagens com as cadeias produtivas do agronegócio brasileiro para atualizar as propostas e as restrições de cada uma.
Depois disso, o governo precisa ainda ouvir o que querem os demais setores -indústria, serviços etc.- porque a UE tem claras demandas na abertura desses segmentos, alguns dos quais extremamente protegidos aqui e na Argentina. Depois que isso estiver tabulado -e os sonhos são díspares (uns querem cotas, outros querem o fim das tarifas, outros querem ambos, e assim por diante)-, nossos negociadores precisam articular isso tudo com os parceiros do Mercosul.
E aqui, claramente, os interesses não se casam. Aliás, se Doha está na UTI, que dirá o Mercosul, sistematicamente atacado por algum país-membro que vê qualquer setor, especialmente industrial, ameaçado por outro membro do bloco! E se até hoje não conseguimos sequer harmonizar as grandes linhas macroeconômicas, que dirá as linhas setoriais, ainda mais específicas? Enfim, é nesse cenário complexo que se devem harmonizar os interesses do agronegócio do bloco regional. Isso feito, tarefa hercúlea, falta a negociação com a UE, com todos os problemas que a brecaram em 2004.
Não é trivial, e é preciso lutar. Há, por fim, uma outra novidade que pode azeitar o entendimento: Mercosul (essencialmente Brasil) e UE podem se unir para fazer projetos conjuntos na África -cooperação tripartite. Um tema de grande interesse para o Brasil: os europeus financiam os africanos e nós lhes vendemos tecnologia e equipamentos.

ROBERTO RODRIGUES, 67, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.



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