São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2008

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Fiesp pressiona bancos para liberar crédito

Paulo Skaf diz que setor bancário não pode "dormir" sobre recursos do compulsório e que paralisia de financiamentos ameaça projetos

Apesar de elogiar o BC na liberação do compulsório, ele diz que juro alto incentivou empresas a buscar operações de alto risco com câmbio

GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA

Nos últimos dias, o presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Paulo Skaf, tem conversado quase que diariamente com Henrique Meirelles (Banco Central). O objetivo é acompanhar a situação do crédito no país, uma das grandes preocupações da indústria. Desde que paralisou o crédito no Brasil, em razão da crise financeira global, a indústria, segundo Skaf, passou a "repensar" (ele evita a palavra adiar) seus planos de novos investimentos. O presidente da Fiesp diz que a normalização do crédito é fundamental para a retomada dos projetos. Para Skaf, o BC tem adotado medidas corretas para incentivar a retomada do crédito, ao flexibilizar o compulsório. A responsabilidade agora é dos bancos. "Será uma enorme irresponsabilidade dos bancos se eles dormirem em cima desse dinheiro do compulsório", diz. Apesar do elogio, Skaf não deixa de criticar o Banco Central pelos juros altos. Foram as taxas elevadas, a seu ver, que levaram muitas empresas a fazer apostas de alto risco no mercado de derivativos de dólar. As empresas acreditaram que o dólar iria continuar desvalorizado por muito mais tempo. "O Banco Central que eu critico é o dos juros altos."

 

FOLHA - A crise econômica já desembarcou na indústria?
PAULO SKAF -
É inconteste que há uma gravíssima crise mundial. É inconteste que esse problema no sistema financeiro, que começou nos Estados Unidos, já contaminou outras partes do mundo. É inconteste, também, que, ao longo desta última década, muitos países se alavancaram muito, com crescimentos de 8%, 9% ao ano. Só que essa não foi a realidade do Brasil. Nós tivemos um custo ao longo desses últimos anos, o de termos juros altos, o custo de termos pouco crédito. Enquanto outros países tinham 100% de crédito sobre o PIB, o nosso era de 25% sobre o PIB. A realidade do Brasil é outra. Por isso, o Brasil ainda não sentiu a crise na mesma intensidade de outros países. Até a semana passada, a indústria continua apresentando um bom desempenho. O mês de setembro inclusive foi muito positivo. O que posso dizer é que a situação das empresas e do sistema financeiro, pelo menos até a semana passada, era normal. O Brasil construiu uma casa de tijolo e não de palha.

FOLHA - Mas a crise já mostrou a cara no Brasil.
SKAF -
Sim, era inevitável, até porque o sistema financeiro é todo interligado. Nós já começamos a sentir a crise, mas não na demanda. Nesses últimos 15 dias, o problema não foi de queda de demanda, mas de redução do crédito. É evidente que essa queda do crédito, que já foi sentida, se não forem tomadas providências, pode provocar um travamento na economia.

FOLHA - Mas as empresas já estão cancelando investimentos.
SKAF -
Com essa queda do crédito, os juros mais elevados e o encurtamento dos prazos de financiamento, tudo isso provocou um susto na indústria. Esse susto faz com que todo mundo repense seus planos. Quem tem um novo projeto, uma ampliação, vai aguardar um pouco os acontecimentos. Já os investimentos em andamento continuam evoluindo, pelo menos até o presente momento. É um momento de indefinição. O que aconteceu nas últimas semanas foi um travamento do crédito. O Banco Central tem ferramentas para corrigir esse problema.

FOLHA - O Banco Central está usando as ferramentas corretas?
SKAF -
O Banco Central agiu, sim, corretamente ao liberar parte do compulsório tanto para ajudar os bancos de pequeno porte como também para irrigar o crédito. O que não pode acontecer é o setor financeiro dormir em cima desses recursos e não repassá-los para o mercado. Seria uma irresponsabilidade muito grande dos bancos. Mas nós estamos acompanhando. Nos últimos dez dias, tenho tido diariamente contato com o presidente do Banco Central (Henrique Meirelles). Você sabe que eu não sou um tradicional admirador do Banco Central. Sou, aliás, um crítico, principalmente, dessa política de juros muito elevados, mas, neste momento, o Banco Central está tomando medidas certeiras.

FOLHA - E se os bancos não reativarem o crédito?
SKAF -
Nós vamos pressionar, mas, se isso não acontecer, o governo pode tomar providências. Os bancos oficiais, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, terão a obrigação maior, nesse momento, de atender o mercado. Creio que haverá sensibilidade por parte do sistema financeiro. Os bancos não não vão deixar esse travamento do crédito continuar.

FOLHA - As medidas do BC são suficientes para corrigir o problema da restrição do crédito?
SKAF -
Ninguém conhece o tamanho do problema. Por isso, não dá para dizer se são ou não suficientes. O que se tem que ter é a disposição para tomar as medidas necessárias.

FOLHA - Como o sr. analisa essas perdas das empresas por investimentos de alto risco em derivativos de câmbio?
SKAF -
Normalmente, empresas que operam assim não são pequenas nem médias. São de maior porte, mas é muito difícil ter uma avaliação mais clara de quais e quantas foram as que fizeram isso. Só saberemos ao longo dos próximos dias ou semanas. O reflexo disso é a pressão sobre o dólar, que tende a acabar quando as empresas fecharem suas posições. Neste momento, o dólar tenderá a cair.

FOLHA - As empresas não se arriscaram demais?
SKAF -
Se houve uma operação de risco? Operação de risco a empresa é que fez. Ela tem uma possibilidade de ganho ou de perda e, possivelmente, em outros momentos, pode ter tido ganhos. Agora, está perdendo.

FOLHA - Mas o dólar a R$ 2,30 pode ter conseqüências graves para toda a economia.
SKAF -
Espera um pouco. Ninguém tem uma bola de cristal para saber como ficará o dólar nos próximos seis meses. Até poucas semanas atrás, o dólar a R$ 1,60 apavorava todo o mercado. Todo mundo dizia que o real estava sobrevalorizado e traria prejuízo à competitividade brasileira. Mas, agora, neste momento de poeira no ar, não se pode fazer uma análise detalhada. Tem que esperar a poeira baixar. Com US$ 207 bilhões em reservas, o Banco Central tem condições de enfrentar esse jogo. Assim como o dólar pode subir, também pode cair.

FOLHA - O que levou as empresas a realizarem essas operações?
SKAF -
Esse é o tipo da pergunta que tem que ser feita individualmente à empresa. Talvez as empresas não acreditassem numa desvalorização do real tão cedo. Talvez também por estarem perdendo no câmbio valorizado e confiando na sobrevalorização do real por mais tempo, tentaram gerar algum ganho paralelo.

FOLHA - O sr. acha que elas acreditaram também que os juros altos iriam manter o dólar baixo por muito tempo?
SKAF -
Sim, acreditaram muito nos juros altos. Algumas pessoas ou algumas empresas apostaram que essa desvalorização do real não aconteceria. Sem dúvida, isso pode ter sido um fator.

FOLHA - O Banco Central então tem sua parcela de culpa?
SKAF -
Veja bem, vamos separar. O Banco Central que eu critico é o dos juros altos. Os últimos aumentos do Copom, por exemplo, foram errados. Nós tínhamos uma inflação provocada por aumentos de preços agrícolas, tanto é que, quando os preços das commodities agrícolas baixaram, a inflação baixou, e, mesmo assim, o Banco Central subiu os juros. Subir juros no Brasil é só aumentar gasto público.

FOLHA - Se o Banco Central baixar os juros, isso não pode complicar ainda mais a situação dessas empresas?
SKAF -
O Copom tem três semanas, muitos dias pela frente. Nada como um dia atrás do outro. Até lá tem que matar um leão por dia. Num momento como esse, o Banco Central tem que baixar os juros.


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