São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2008

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Aperto no crédito desafia crescimento da Índia

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A NOVA DÉLHI

A resistência que a Índia vem demonstrando ao contágio da crise financeira mundial tem pelo menos um ponto fraco.
Com o aperto no crédito, projetos de infra-estrutura começaram a sofrer atrasos, ameaçando o acelerado ritmo de crescimento que transformou o país em um imenso canteiro de obras nos últimos anos.
Segundo cálculos do governo, o país precisa investir perto de US$ 500 bilhões até 2012 para melhorar estradas, portos, ferrovias e a capacidade de geração de energia se quiser manter o crescimento anual acima dos 8% que registra desde 2005. Mas a escassez de liquidez colocou essa meta em risco.
"Entre 15% e 20% dos projetos estão atrasados", diz Pronab Sen, do departamento de estatísticas do governo. Os problemas mais graves são a precariedade das estradas e a geração de energia, à qual apenas 40% da população tem acesso.
O zumbido dos geradores é um som familiar, mesmo em grandes cidades como Délhi e Mumbai. É uma demonstração da frágil estrutura que sustenta os impressionantes índices de crescimento do país.
Embora o governo insista em dizer que a turbulência global só afetou o mercado financeiro, a expansão da economia pode perder o fôlego se o investimento em infra-estrutura for reduzido significativamente. Uma redução já é prevista para algo em torno de 7,5% a 8% neste ano, contra 9% em 2007.
"O investimento em infra-estrutura está atualmente em 5% do PIB, mas pode cair se a crise de liquidez piorar", diz o economista Sharwan Nigam, do Conselho Indiano de Pesquisa em Relações Econômicas Internacionais. Ficam comprometidos os planos de modernizar aeroportos e portos marítimos, fundamentais para ampliar o fluxo econômico do país.
Fatores internos também influem negativamente, como a complexa legislação sobre a propriedade de terra. Na semana passada, o grupo Tata teve de transferir a fábrica em que desenvolvia o carro mais barato do mundo, o Nano, após ruidosa disputa em torno da desapropriação das terras.
"As dificuldades de aquisição de terras são o maior obstáculo para o desenvolvimento de infra-estrutura na Índia e um empecilho para o investimento estrangeiro", diz Pronab Sen.
Num momento de aversão generalizada ao risco, a complexidade indiana tende a afugentar os recursos externos.
Para os indianos, as incertezas domésticas parecem assustar mais que as turbulências externas. O tamanho do Estado é a principal queixa. "Há uma extensa pauta de liberalização que o governo precisa adotar para deixar a economia crescer", diz Habil Khorakiwala, presidente da farmacêutica Wockhardt e um dos 40 homens mais ricos da Índia.
Entre as medidas mais urgentes, ele aponta, além da facilitação nas aquisições de terras, o investimento na distribuição de produtos agrícolas e o incentivo ao investimento estrangeiro. "Isso poderia compensar a crise e manter o ritmo de crescimento dos últimos anos", diz.
De fato, nada parece capaz de conter o milagre econômico da Índia. Mesmo com 300 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, uma arquitetura social que os próprios indianos não sabem explicar, um índice de abandono escolar de 90% e uma taxa de analfabetismo perto de 40%, o país continua exportando cérebros. Fôlego ainda para a indústria de tecnologia, em franca expansão.


O jornalista viajou a convite da India Brand Equity Foundation


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