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Mercado chinês vive boom de consumo
Para grande número de bens, como automóveis e eletrodomésticos, a China já ultrapassa os EUA como maior mercado mundial
Preço médio de venda da maioria dos produtos chineses, no entanto, é muito inferior ao praticado nos mercados ocidentais
KEITH BRADSHER
DO "NEW YORK TIMES", EM GUANGZHOU, CHINA
Pela primeira vez neste ano,
os chineses comprarão mais
automóveis que os norte-americanos. A demanda é tão alta
que os motoristas se inscrevem
em longas listas de espera para
os modelos mais procurados.
"Estou decepcionado, mas o
que posso fazer?", disse Zhang
Ge Lu, 28, decorador. Ele e dois
amigos visitaram recentemente uma avenida que abriga diversas concessionárias de automóveis, em Guangzhou, no sudeste da China, para comprar
um Toyota RAV4 preto. Zhang
foi informado de que teria de
esperar dois meses.
Isso acontece não apenas
com os automóveis. Para número cada vez maior de bens de
consumo, a China está ultrapassando os Estados Unidos
como maior mercado mundial
-dos automóveis e refrigeradores às lavadoras de roupas e
até computadores de mesa.
O mercado chinês "está a pleno vapor; falar em boom é até
modesto hoje em dia", disse
John Bonnell, diretor de projeções de vendas de veículos para
o mercado asiático da consultoria J. D. Power & Associates.
A China está ganhando vantagem no momento em parte
porque os norte-americanos,
pesadamente endividados e
preocupados em manter o emprego, estão reduzindo seu nível de consumo.
Depois de décadas de consumismo, os norte-americanos
começaram a poupar. E os chineses, que os economistas viam
como viciados em poupança,
estão gastando mais.
Entre o 1,3 bilhão de habitantes da China, a renda em alta está por fim criando prosperidade suficiente para que grande
número de consumidores adquira itens de preço elevado.
A questão é: eles continuarão
gastando? O governo de Pequim está estimulando o consumo por meio de descontos
pós-compra, subsídios e pesados empréstimos bancários.
Determinar se a China conseguirá transformar essa onda
consumista em semente de
uma verdadeira sociedade de
consumo é questão que interessa não apenas aos chineses,
mas a todo o mundo.
Por anos, o Ocidente vem
pressionando a China por uma
elevação de seu consumo interno e redução na dependência
do país quanto às exportações
-porque a dependência excessiva de exportações distorce o
comércio mundial.
Para manter sua máquina exportadora ativa e bem ajustada,
a China mantém sua moeda
subvalorizada, de modo a tornar os bens mais competitivos.
O país o faz à custa de seus cidadãos, com salários e remuneração de depósitos bancários
mantidos deliberada e artificialmente baixos, para estimular os exportadores.
Os superavit comerciais da
China e a extensa intervenção
nos mercados de câmbio resultaram em reservas cambiais da
ordem de US$ 2,27 trilhões.
A maior parte das reservas
está na forma de títulos do Tesouro norte-americano, títulos
lastreados por ativos hipotecários e outros instrumentos de
investimento denominados em
dólares, o que ajuda a manter
baixas as taxas de juros dos Estados Unidos e a financiar o endividamento dos americanos.
A parcimônia chinesa financiava o comportamento perdulário dos norte-americanos.
Caso os chineses passem a
comprar mais, e os americanos,
a poupar mais, um intercâmbio
econômico mais estável pode
começar a tomar forma.
Enquanto isso, a rápida ascensão no consumo chinês é
boa notícia para todo o mundo.
Pela primeira vez, a China, e
não os Estados Unidos, serve
como locomotiva para ajudar a
tirar da crise a economia global.
Mas o minúsculo apetite da
China por importados dos EUA
significa que os principais benefícios recaíram sobre os exportadores de commodities e
sobre as empresas chinesas.
As montadoras estão a caminho de vender 12,8 milhões de
automóveis e veículos comerciais leves na China neste ano,
virtualmente todos os quais fabricados no país (ainda que
muitos por marcas estrangeiras), ante os 10,3 milhões projetados para os Estados Unidos.
Os fabricantes de eletrodomésticos esperam vender 185
milhões de refrigeradores, lavadoras e outros equipamentos
de cozinha e lavanderia na China neste ano, ante 137 milhões
de unidades no mercado dos
Estados Unidos. Já os norte-americanos vêm
reduzindo suas compras em todas as categorias de produtos,
de sapatos e mobília a joias.
Crédito
Ao mesmo tempo, os bancos
chineses estão ampliando seu
crédito ao consumidor. A proporção de vendas de automóveis financiadas por empréstimos dobrou neste ano, passando para quase 25%.
Os gastos pagos com cartões
de crédito subiram 40% nos
nove primeiros meses do ano,
ante o mesmo período no ano
passado. Mas na China continua a existir apenas um cartão
de crédito para cada oito pessoas, ante a média de dois cartões de crédito por cidadão nos
Estados Unidos -o que inclui
homens, mulheres e crianças.
A dimensão do mercado de
consumo chinês, a despeito de
seu crescimento, tornará difícil
que a China resgate a economia
mundial sem ajuda.
O preço médio de venda da
maioria dos produtos chineses
é muito inferior ao praticado
nos mercados ocidentais.
Um carro zero na China tem
preço médio de US$ 17 mil, ante quase US$ 30 mil nos EUA,
de acordo com a J. D. Power. Isso acontece porque os chineses
preferem modelos compactos a
utilitários esportivos.
Embora o mercado chinês
seja 25% maior em termos de
unidades vendidas, o dos Estados Unidos é cerca de dois terços maior em termos de valor.
Mas, em alguns setores, os
consumidores chineses já estão
se provando mais gastadores
que os norte-americanos. O televisor de tela plana médio tende a ser maior que o norte-americano, de acordo com a AU Optronics, de Taiwan, terceira
maior fabricante mundial de
televisores de tela plana.
Os consumidores chineses
têm o potencial de comprar
ainda mais nos próximos anos.
O índice nacional de poupança
é da ordem de 40% e deve continuar elevado a menos que, e
até que, Pequim crie uma rede
de segurança social para áreas
como saúde e aposentadoria, o
que poderia encorajar os cidadãos a começar a gastar mais.
E, ainda que a renda anual
continue a ser de, em média,
apenas US$ 2.775 nas cidades e
US$ 840 nas áreas rurais, economistas ocidentais preveem
que a economia do país cresça
12% ao ano pelos próximos dois
anos, e que o yuan um dia suba,
o que ampliará ainda mais o poder aquisitivo.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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