São Paulo, sábado, 12 de dezembro de 2009

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Mercado chinês vive boom de consumo

Para grande número de bens, como automóveis e eletrodomésticos, a China já ultrapassa os EUA como maior mercado mundial

Preço médio de venda da maioria dos produtos chineses, no entanto, é muito inferior ao praticado nos mercados ocidentais


KEITH BRADSHER
DO "NEW YORK TIMES", EM GUANGZHOU, CHINA

Pela primeira vez neste ano, os chineses comprarão mais automóveis que os norte-americanos. A demanda é tão alta que os motoristas se inscrevem em longas listas de espera para os modelos mais procurados.
"Estou decepcionado, mas o que posso fazer?", disse Zhang Ge Lu, 28, decorador. Ele e dois amigos visitaram recentemente uma avenida que abriga diversas concessionárias de automóveis, em Guangzhou, no sudeste da China, para comprar um Toyota RAV4 preto. Zhang foi informado de que teria de esperar dois meses.
Isso acontece não apenas com os automóveis. Para número cada vez maior de bens de consumo, a China está ultrapassando os Estados Unidos como maior mercado mundial -dos automóveis e refrigeradores às lavadoras de roupas e até computadores de mesa.
O mercado chinês "está a pleno vapor; falar em boom é até modesto hoje em dia", disse John Bonnell, diretor de projeções de vendas de veículos para o mercado asiático da consultoria J. D. Power & Associates.
A China está ganhando vantagem no momento em parte porque os norte-americanos, pesadamente endividados e preocupados em manter o emprego, estão reduzindo seu nível de consumo.
Depois de décadas de consumismo, os norte-americanos começaram a poupar. E os chineses, que os economistas viam como viciados em poupança, estão gastando mais.
Entre o 1,3 bilhão de habitantes da China, a renda em alta está por fim criando prosperidade suficiente para que grande número de consumidores adquira itens de preço elevado.
A questão é: eles continuarão gastando? O governo de Pequim está estimulando o consumo por meio de descontos pós-compra, subsídios e pesados empréstimos bancários.
Determinar se a China conseguirá transformar essa onda consumista em semente de uma verdadeira sociedade de consumo é questão que interessa não apenas aos chineses, mas a todo o mundo.
Por anos, o Ocidente vem pressionando a China por uma elevação de seu consumo interno e redução na dependência do país quanto às exportações -porque a dependência excessiva de exportações distorce o comércio mundial.
Para manter sua máquina exportadora ativa e bem ajustada, a China mantém sua moeda subvalorizada, de modo a tornar os bens mais competitivos.
O país o faz à custa de seus cidadãos, com salários e remuneração de depósitos bancários mantidos deliberada e artificialmente baixos, para estimular os exportadores.
Os superavit comerciais da China e a extensa intervenção nos mercados de câmbio resultaram em reservas cambiais da ordem de US$ 2,27 trilhões.
A maior parte das reservas está na forma de títulos do Tesouro norte-americano, títulos lastreados por ativos hipotecários e outros instrumentos de investimento denominados em dólares, o que ajuda a manter baixas as taxas de juros dos Estados Unidos e a financiar o endividamento dos americanos.
A parcimônia chinesa financiava o comportamento perdulário dos norte-americanos.
Caso os chineses passem a comprar mais, e os americanos, a poupar mais, um intercâmbio econômico mais estável pode começar a tomar forma.
Enquanto isso, a rápida ascensão no consumo chinês é boa notícia para todo o mundo. Pela primeira vez, a China, e não os Estados Unidos, serve como locomotiva para ajudar a tirar da crise a economia global.
Mas o minúsculo apetite da China por importados dos EUA significa que os principais benefícios recaíram sobre os exportadores de commodities e sobre as empresas chinesas.
As montadoras estão a caminho de vender 12,8 milhões de automóveis e veículos comerciais leves na China neste ano, virtualmente todos os quais fabricados no país (ainda que muitos por marcas estrangeiras), ante os 10,3 milhões projetados para os Estados Unidos.
Os fabricantes de eletrodomésticos esperam vender 185 milhões de refrigeradores, lavadoras e outros equipamentos de cozinha e lavanderia na China neste ano, ante 137 milhões de unidades no mercado dos Estados Unidos.
Já os norte-americanos vêm reduzindo suas compras em todas as categorias de produtos, de sapatos e mobília a joias.

Crédito
Ao mesmo tempo, os bancos chineses estão ampliando seu crédito ao consumidor. A proporção de vendas de automóveis financiadas por empréstimos dobrou neste ano, passando para quase 25%.
Os gastos pagos com cartões de crédito subiram 40% nos nove primeiros meses do ano, ante o mesmo período no ano passado. Mas na China continua a existir apenas um cartão de crédito para cada oito pessoas, ante a média de dois cartões de crédito por cidadão nos Estados Unidos -o que inclui homens, mulheres e crianças.
A dimensão do mercado de consumo chinês, a despeito de seu crescimento, tornará difícil que a China resgate a economia mundial sem ajuda.
O preço médio de venda da maioria dos produtos chineses é muito inferior ao praticado nos mercados ocidentais.
Um carro zero na China tem preço médio de US$ 17 mil, ante quase US$ 30 mil nos EUA, de acordo com a J. D. Power. Isso acontece porque os chineses preferem modelos compactos a utilitários esportivos.
Embora o mercado chinês seja 25% maior em termos de unidades vendidas, o dos Estados Unidos é cerca de dois terços maior em termos de valor.
Mas, em alguns setores, os consumidores chineses já estão se provando mais gastadores que os norte-americanos. O televisor de tela plana médio tende a ser maior que o norte-americano, de acordo com a AU Optronics, de Taiwan, terceira maior fabricante mundial de televisores de tela plana.
Os consumidores chineses têm o potencial de comprar ainda mais nos próximos anos. O índice nacional de poupança é da ordem de 40% e deve continuar elevado a menos que, e até que, Pequim crie uma rede de segurança social para áreas como saúde e aposentadoria, o que poderia encorajar os cidadãos a começar a gastar mais.
E, ainda que a renda anual continue a ser de, em média, apenas US$ 2.775 nas cidades e US$ 840 nas áreas rurais, economistas ocidentais preveem que a economia do país cresça 12% ao ano pelos próximos dois anos, e que o yuan um dia suba, o que ampliará ainda mais o poder aquisitivo.

Tradução de PAULO MIGLIACCI



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