São Paulo, quarta, 13 de janeiro de 1999

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ARTIGO

O Pantanal, a hidrovia e um ministro

ALCIDES FARIA

Em setembro de 1998 o Ministério dos Transportes licenciou junto ao Ibama obras em um trecho de 120 quilômetros do rio Paraguai, na parte norte do Pantanal. O dr. Stephen Hamilton, da Michigan State University e estudioso da hidrologia da região, analisou o Plano de Controle Ambiental, documento que serviu de base para o licenciamento, e concluiu que até 10 mil quilômetros da planície pantaneira podem ser afetados.
Essas obras fazem parte da hidrovia Paraná-Paraguai, um megaprojeto de 3.442 quilômetros, sendo os 1.240 quilômetros iniciais do Pantanal, com participação do Brasil, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai. Dragagens, retilinização do curso e retirada de rochas do leito do rio possibilitariam a navegação "24 horas por dia, 365 dias por ano", principalmente para o transporte de grãos para portos argentinos e uruguaios.
Desde seu lançamento, em 1988, o projeto tem encontrado oposição no país e no exterior por sua inviabilidade econômica e ambiental. Dentro do próprio governo há contradições.
Por um lado, o presidente Fernando Henrique apóia um amplo programa ambiental para a região (BID/Pantanal) e não incluiu a hidrovia na primeira parte do programa "Brasil em Ação", não devendo fazê-lo na segunda, de acordo com Luiz Nassif na coluna "Brasil em Ação, o retorno" (Folha, 13/08/98), pois se "identificarão rotas alternativas de transporte que contornem o Pantanal, reduzindo o risco ambiental".
De outro lado, o Ministério dos Transportes adota estratégias para viabilizar a hidrovia executando-a por partes, como é o caso relatado de início e, ao mesmo tempo, negando a existência do megaprojeto (Folha, 14/09/98).
Também fazem parte dessas estratégias artigos do ministro Elizeu Padilha para os principais jornais do país atacando os que questionam a hidrovia Paraná-Paraguai e outras obras de infra-estrutura a cargo do ministério. As principais considerações e adjetivos são para os ecologistas. Eles são taxados de "críticos desinformados" (Folha, 14/09/97); "espécie predadora" e "terroristas verdes" ("Gazeta Mercantil", 30/07/98) ou ainda "espertos que permanecem ocultos" e que manejam os ingênuos com o objetivo de "impedir que o Brasil saia de sua secular condição de ser apenas potencialmente uma das nações mais ricas do mundo" (Folha, 25/06/98).
É interessante notar a coincidência desses artigos com opiniões de uma publicação norte-americana chamada "Executive Inteligence Review" (EIR), a qual teve textos exibidos em um dos programas eleitorais do ex-candidato Enéas Carneiro para "provar" que Lula, FHC e Ciro estavam aliados a interesses contrários ao desenvolvimento do país. Estes fariam parte dos espertos ou dos ingênuos identificados pelo ministro?
Na verdade o que impulsiona as obras defendidas pelo sr. Elizeu Padilha é o modelo de expansão da agricultura horizontalmente baseado na devastação acelerada de áreas nativas de cerrados e florestas, quando o lógico seria investir para aumentar a produtividade onde tem infra-estrutura, conservando e recuperando solos e aportando tecnologias limpas. No caso do Pantanal, o desenvolvimento sustentável virá com investimento em atividades que se adaptaram às condições naturais e particularmente no turismo.
Esse é um dos caminhos para quem quer, de fato, o desenvolvimento do país.


Alcides Faria, 45, biólogo, é secretário-executivo da Coalizão Rios Vivos.



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