São Paulo, sexta-feira, 13 de fevereiro de 2004

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LUÍS NASSIF

A retórica do caos

O brasil é vítima de dois fenômenos políticos invencíveis. O primeiro, a síndrome de Allende. Como conseqüência, a submissão à retórica do terror econômico. É isso o que explica o fato espantoso de uma ata do Copom (Comitê de Política Monetária) ter colocado o governo de joelhos.
A síndrome de Allende acometeu toda a esquerda democrática depois das loucuras populistas do presidente chileno. Estavam lá, acompanhando o desastre, os principais nomes do governo Fernando Henrique Cardoso e parte expressiva do governo Lula.
As mentes mais racionais abandonaram o populismo e passaram a estudar com afinco a lógica dos sistemas econômicos. As mentes mais políticas passaram a privilegiar políticas de aliança e a temer a sombra, qualquer medida que pudesse ir contra o estabelecido. Confundiu-se inércia com previsibilidade.
É nesse ambiente que economistas passaram a ocupar espaço político indevido, utilizando como arma a retórica do caos.
Nos anos 80, todos os planos econômicos foram movidos a pânico. As maiores arbitrariedades jurídicas foram cometidas tendo como mote legitimador o slogan de "ou isso ou o caos". O ponto de inflexão foi o episódio de liberação de cruzados retidos pelo Plano Collor, no qual a Justiça liquidou de vez com essa retórica e comprovou que, diferentemente do que diziam os economistas, era a estabilidade jurídica que evitaria o caos -não as extravagâncias que os planos cometiam.
De lá para cá ocorreu uma mudança de método, mas não de retórica. Houve a consolidação do discurso da previsibilidade de regras, mas da forma mais irracional possível. Durante quatro anos, FHC manteve uma política cambial que qualquer cálculo isento sabia conduzir ao desastre. Mas se manteve imobilizado até a explosão, atacado de um lado pela síndrome de Allende e de outro por aquela maionese de slogans econômicos sem relação de causalidade que economistas utilizam para espalhar o pânico e se impor.
Agora, acontece a mesma coisa, só que praticada de uma forma bisonha pelo Banco Central. Semanas atrás, quando começou a grande explosão de liquidez internacional, o BC se recusava a aumentar as reservas cambiais. Caminhava-se para um desastre, já que qualquer analista com um mínimo de bom senso sabe que essa liquidez vai recuar assim que o Fed aumentar as taxas de juros norte-americanas.
Foi necessária uma pressão extra para que o BC saísse do imobilismo, e da forma canhestra já conhecida. Primeiro afirma que não irá intervir no mercado. Depois diz que irá recompor reservas sem interferir nas cotações -como se fosse possível. Em seguida entra em um processo furioso de compra de dólares. Ficou claro que uma voz superior havia imposto o bom senso ao BC.
A reação da diretoria foi a ata do Copom, um amontoado de afirmações que não batia com os dados reais, suposições de volta da inflação que se sobrepunham aos fatos objetivos de que a alta era sazonal -e, duas semanas depois, o blefe ser desmascarado pelos índices.
Durante uma semana, o BC espalhou um pânico no mercado, uma loucura, mas com método: em momentos de caos no mercado, não há ninguém mais intocável que o presidente do BC.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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