|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Reformas: de quem é a vez?
ANTONIO BARROS DE CASTRO
A revogação no ano de
1846 da Lei dos Cereais foi
muito mais do que um marco na
história da Inglaterra. Definiu
um dos pilares da hegemonia
mundial britânica, até a Primeira
Guerra Mundial.
No plano doméstico, a supressão das barreiras que até então
protegiam a agricultura provocou o barateamento dos alimentos -liberando poder aquisitivo
para a aquisição de manufaturas
por parte da população inglesa.
Além disso, ao se abrir, internacionalmente, o mercado doméstico inglês, aumentava a capacidade de exportar de outros países e,
portanto, a sua capacidade de adquirir as manufaturas -em cuja
produção a Inglaterra vinha se
especializando.
Num conjunto de casos -EUA
e Canadá, mas também Argentina e Austrália-, a abertura do
mercado inglês acarretou, efetivamente, uma enorme ampliação
das oportunidades de comércio. A
divisão internacional do trabalho, inaugurada pela Inglaterra,
não estava, contudo, isenta de
problemas. Antes de mais nada,
porque diversos países europeus
não seguiram o exemplo e mantiveram fortes esquemas de proteção para os seus produtos. O açúcar, por exemplo, logo se transformou num produto maldito, entre
outras razões, pela absurda proteção a ele conferida. Além disso,
especializar-se em grãos e carnes
revelou-se muito mais proveitoso
que fazê-lo em açúcar, café e outros produtos ditos coloniais.
Aliás, para a China, sobrou o
ópio! O esquema era também altamente instável, e a Inglaterra,
ao que tudo indica, dele se valia
para exportar sua instabilidade
(magnificada) para a periferia.
Mas não se pode negar que se
tratava de um projeto grandioso e
que trazia benefícios, não apenas
para a potência hegemônica como para outros países, aí incluídas certas nações emergentes. A
Argentina, com sua fulgurante
ascensão ao final do século 19, poderia talvez ser considerada o melhor dos casos.
Aos próprios argentinos coube,
no entanto, descobrir um novo e
grave problema. O que ocorreria
se a liderança do crescimento
mundial passasse para países que
não tendiam a aceitar qualquer
tipo de (grande) divisão internacional do trabalho? Os Estados
Unidos, por exemplo, sem deixar
de ser poderosos competidores em
grãos e carnes, despontavam, no
início do século 20, como potência
industrial. Pior: e se um líder desse tipo, além de polivalente, se dispusesse a defender, ferrenhamente, interesses singulares, novos e
velhos?
Esse é o drama vivido pioneiramente pela Argentina, desde o
término da Primeira Guerra
Mundial. A ascensão de Perón e
muito particularmente seu comprometimento obsessivo com a
expansão do mercado interno
-e, inicialmente, com a industrialização- refletem essa percepção.
O drama pressentido pela Argentina dos anos 1920 e 30 está se
convertendo num dos pesadelos
da atualidade. E, há que insistir,
não apenas pela poliaptidão da
potência hegemônica como pela
sua singular disposição a defender interesses particulares, sem
nem sequer ter em conta os seus
próprios interesses gerais. E isso,
ao que parece, por uma lesão
muito profunda: "...porque os Estados Unidos têm um governo facilmente influenciado por lobbies" (easily lobbied). Consequentemente "sua políticas industriais
servem prioritariamente aos interesses de indústrias decadentes,
politicamente bem conectadas,
(e) não ao objetivo de empregos
de alto valor agregado para os
americanos" (Chalmers Johnson,
em "The Developmental State",
Cornell University Press, 1999).
Em suma, aqueles países da periferia que, por esforço de suas
empresas domésticas e também
por acolher exitosamente multinacionais, se capacitaram para
produzir, a custos competitivos,
numerosos produtos (e poderão
acentuar isso nos próximos anos),
tropeçam hoje com uma muralha
de proteção. Essa é estimada hoje
em US$ 200 bilhões, somente no
que toca a subsídios para a agricultura. Com razão afirma o ministro brasileiro que o nosso problema não é mais competir em
custos. O problema é que "não podemos competir com os Tesouros
dos países mais desenvolvidos do
mundo".
Estaria talvez em tempo de pensar o equivalente contemporâneo
de uma Lei dos Cereais. Em vez
disso, o que vemos hoje, além da
multiplicação de artifícios e casos
especiais, é a recomendação de
que as nações emergentes mergulhem em novas e profundas reformas.
Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
Texto Anterior: Combustíveis: Gasolina pode subir 10% no posto no sábado Próximo Texto: Imposto de renda: Internet é usada por mais de 99% Índice
|