São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997.

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Desindustrialização e desnacionalização

LUCIANO COUTINHO
Começa a ficar indisfarçável o viés antiprodução no país (e pró-importação) da atual política econômica. A penetração de bens importados cresce de forma veloz e generalizada, segundo os resultados de pesquisa recém-concluída por técnicos do BNDES. Os números são impressionantes, como se pode ver no quadro simplificado.
O peso das importações sobre a produção no país já vinha crescendo progressivamente desde 1990, como resultado da abertura econômica promovida pelo governo Collor, mas saltou de forma espetacular depois do Plano Real pelo fato de o poder de compra do real (em termos de dólares) ter sido fixado em patamar artificialmente elevado.
Este terrível erro vem custando muito caro: 1) o déficit comercial e de serviços com o exterior aumenta sem parar, tornando o país cada vez mais vulnerável e dependente da entrada de créditos externos para fechar o desequilíbrio; 2) a desindustrialização dos setores e segmentos mais atingidos vem se aprofundando (especialmente nos três primeiros grupos da tabela), com fechamento de linhas de produção e de unidades fabris inteiras; 3) em muitos setores ocorre uma rápida desnacionalização da indústria, pois as empresas brasileiras foram colocadas em condições desiguais de competição (exemplos eloquentes são autopeças, eletrodomésticos, alimentos, higiene e limpeza).
Apenas nos setores tipicamente domésticos, não afetados pelo comércio internacional, ou em alguns setores onde a competitividade brasileira é muito forte, o estrago não tem sido violento. Duas outras exceções são os setores automobilístico (montadoras) e de têxteis sintéticos, cujos coeficientes haviam alcançado níveis altos e retrocederam por força de proteção especial.
A restrição às importações financiadas, recentemente adotada, foi uma medida correta, pois eliminou parte do incentivo a importar, dado pelo fato de os juros serem muito mais baixos no exterior. Mas ela só alcança metade da pauta de importados e terá seus efeitos diluídos à medida que alternativas financeiras sejam encontradas.
Diante dessas evidências, é lamentável que o governo ainda insista em vender ilusões. As falácias mais frequentes são as de que os ganhos de produtividade derivados da abertura e o reequipamento industrial favorecido pela importação de bens de capital provocarão um vigoroso ressurgimento das exportações "dentro de dois ou três anos".
Alguns formuladores imaginam que medidas seletivas de estímulo aos investimentos seriam suficientes, sem se dar conta dos imensos custos fiscais necessários para se articular uma política compensatória de fomento industrial, sob a atual combinação das taxas de câmbio e de juros. Subestima-se rotundamente o forte viés antiexportação dado pela âncora cambial, expresso no bisonho desempenho das vendas externas nos últimos anos, o que está demonstrado com clareza no mencionado estudo.
Em algum momento -mais cedo ou mais tarde- será necessário reduzir esse crescente déficit externo e será inescapável operar uma significativa depreciação do real. Quanto mais cedo, ainda sob condições favoráveis de liquidez internacional, menos custoso será o ajuste. Embora difícil, este não significará o fim da estabilidade de preços, pois os mecanismos automáticos de indexação já foram desarticulados e o déficit público já se encontra em firme trajetória descendente. Quanto mais tarde, mais violento e penoso -particularmente se isso for ditado por uma mudança adversa do mercado financeiro global.


Luciano Coutinho, 50, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (governo Sarney).

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