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Inflação é a maior preocupação da América Latina
Consultoria britânica prevê taxa na região de 6,7% neste ano, a maior desde 2004, e deve rever número para cima
Cenário do Brasil ainda é dos mais benignos; Bolívia entra na "espiral inflacionária" que antes era exclusividade de Argentina e Venezuela
ÉRICA FRAGA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A economia norte-americana já está mergulhada em uma
recessão que vai durar até o fim
do primeiro semestre de 2008,
segundo estimativas da EIU
(Economist Intelligence Unit).
Mas para a América Latina, região tradicionalmente tão dependente da fortuna dos Estados Unidos, a maior preocupação econômica neste ano tem
outro nome: inflação, que vem
subindo a um ritmo cada vez
mais forte. O problema tem tirado o sono de banqueiros centrais e políticos. Não é para menos: a EIU projeta inflação de
6,7% na América Latina em
2008, o nível mais alto desde
2004, e está a caminho de revisar esse número para cima.
Estabilidade de preços está
longe de ser uma marca registrada da América Latina, que,
ao contrário, sofreu do mal da
hiperinflação por anos seguidos. Graças a um esforço significativo de reformas a partir de
meados da década de 90, esse
cenário começou a mudar. Entre 2003 e 2006, a maior parte
dos países latino-americanos
viu suas inflações caírem significativamente. Mas, agora, a recém-conquistada estabilidade
monetária passará por seu primeiro grande teste.
Uma onda de choques de
oferta combinada com forte demanda global, especialmente
asiática, tem levado os preços
de commodities a alcançarem
recordes históricos de alta. Isso
tem gerado pressões inflacionárias em quase todo o mundo
desde 2007. Até então, banqueiros centrais pareciam
manter relativa tranqüilidade
em relação ao problema, dada a
natureza dele: choques de preços tendem a ser temporários.
Mas muito tempo se passou
sem que os preços de commodities cedessem. Ao contrário,
muitos continuam subindo, o
que gera o risco de rodadas secundárias de aumentos.
Na América Latina, números
recentes revelam a dimensão
do problema. Nada menos do
que 9 países da região (de um
total de 24, sem contar o Caribe) tinham inflação medida pelos IPCs (índices de preços ao
consumidor) na temida casa
dos dois dígitos em fevereiro.
No fim de 2007, eram seis. Em
2006, tinham sido três. Nessas
estatísticas não está incluída a
Argentina, onde as autoridades
garantem que a inflação está
abaixo de 10%, mas ninguém
acredita (analistas independentes calculam que o índice já
esteja perto de 20%).
Apesar da crescente preocupação com a alta de preços no
Brasil, que provavelmente levará o BC a subir os juros, o cenário ainda é dos mais benignos da América Latina. A inflação de preços ao consumidor
do Brasil é a mais baixa de toda
a região, depois da do México.
Em uma lista de 20 países que
seguem o regime de metas de
inflação no mundo, o Brasil e
outros quatro (Inglaterra, Tailândia, Austrália e Canadá)
eram os únicos que em fevereiro tinham inflação em 12 meses
abaixo do teto de suas metas
oficiais para o ano. No resto da
América Latina, Chile, Colômbia, Peru e, em menor escala,
México -que também usam o
regime de metas- já tinham
estourado os tetos.
Mas, considerando que em
vários países da região, o quadro inflacionário se deteriorou
muito rapidamente e que os índices de inflação no atacado no
Brasil vêm subindo fortemente
(podendo contaminar os preços finais ao consumidor), a situação brasileira também merece ser vista com cautela.
Espiral
Até recentemente, Argentina
e Venezuela ocupavam sozinhas o centro da atenção na
América Latina quando o assunto era inflação. Políticas
econômicas heterodoxas de estímulo à demanda doméstica
alimentam a espiral inflacionária vivida pelos dois países já há
alguns anos. A partir de 2007,
esse cenário de "exclusividade"
mudou. Outros países entraram na lista de potenciais problemas inflacionários. Na Bolívia, a inflação em 12 meses saltou de 6% em janeiro de 2007
para 10,4% em agosto e 14% em
março passado. Problemas de
oferta ligadas a clima ruim, gastos fiscais em alta, forte demanda doméstica, além, claro, das
pressões externas de preços de
alimentos, são parte essencial
do problema, embora o governo prefira culpar supostas especulações de produtores.
Muitos outros países latino-americanos têm em comum
com a história da Bolívia o fato
de que, além do choque nos
preços externos de alimentos,
outros fatores ajudam a exacerbar as pressões inflacionárias.
As economias pequenas e importadoras pesadas de petróleo
(como o Paraguai e a maior parte da América Central e do Caribe) sofrem com a forte alta no
preço da commodity. Já as que
são dolarizadas (Equador, El
Salvador, Panamá) amargam o
efeito inflacionário da desvalorização do dólar sobre preços
domésticos. Políticas fiscais expansionistas também são parte
do problema em número crescente de países.
A apreciação (em muitos casos forte) de moedas locais tem
contribuído apenas parcialmente para aliviar as pressões
de preços. Já as conseqüências
políticas negativas do problema inflacionário já se fazem
sentir em alguns países. Protestos motivados pela forte alta de
preços provocou cinco mortes
na semana passada no Haiti. No
Panamá, um repentino e forte
repique inflacionário pode levar o atual governo a perder a
eleição presidencial de 2009.
Alguns países, como Chile e
México, têm situação fiscal sólida o suficiente para manter e,
se necessário ampliar, subsídios (como aos preços de gasolina). Muitos outros, porém, estão em condições menos favoráveis. Embora um cenário de
volta à hiperinflação não esteja
no horizonte, graças a políticas
fiscais e monetárias muito mais
transparentes e disciplinadas,
adotadas na maioria dos países,
combater o problema poderá
exigir medidas custosas.
Muitos bancos centrais da
região enfrentarão o desafio de
ter de subir juros em um contexto de provável desaceleração provocada pela recessão
nos EUA, depois de quatro anos
de forte (para padrões latino-americanos) expansão econômica. Alguns governos vão se
deparar com a necessidade de
promover drásticos cortes de
gastos públicos. Mas poderão
continuar apelando para saídas
mais heterodoxas, como proibição de exportações, que, no
longo prazo, tendem a aprofundar desequilíbrios.
ÉRICA FRAGA é editora de América Latina da
consultoria Economist Intelligence Unit.
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