São Paulo, domingo, 13 de maio de 2001

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RACIONAMENTO

Relatório de abril do Ministério do Planejamento apontava os erros do governo FHC que levaram país ao apagão

Governo escondeu fracasso na energia


SÍLVIA MUGNATTO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Obras que poderiam evitar o colapso do sistema energético, como o racionamento, estão sendo atrasadas por falhas ou políticas adotadas pelo próprio governo. A avaliação consta de relatório do Ministério do Planejamento que traz críticas dos gerentes dos programas de energia elétrica do Avança Brasil.
Além dos problemas causados pelo governo, esses técnicos também citam a indecisão do setor privado em investir no sistema energético e a conjuntura econômica pós-desvalorização do real.
Enviado em meados de abril ao Congresso, o relatório aponta a "probabilidade elevada de risco de racionamento" e cita uma consequência negada pelo governo: "Um alto risco de déficit implica ainda um alto preço para a energia, que se reflete no custo de operação e no custo de expansão".
A avaliação é inédita e foi determinada pelo Ministério do Planejamento depois que o governo constatou falhas na execução de vários programas prioritários. O Avança Brasil é um plano de ação traçado para o período 2000/2003.
O relatório dos gerentes contrasta com o cenário otimista traçado pelo governo na mensagem enviada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso ao Congresso no começo do ano. Na mensagem, uma listagem das obras realizadas e das planejadas pelo governo, não há menção ao risco do apagão.

Cortes orçamentários
Cortes orçamentários são apontados como obstáculos por pelo menos dois dos gerentes. Os cortes foram impostos pelo ajuste fiscal. A economia de receitas para pagamento de juros é uma das principais exigências do acordo feito pelo Brasil com o FMI.
"Outros destaques foram os cortes orçamentários incompatíveis com as metas estabelecidas no PPA (Avança Brasil)", escreve José Antônio Muniz, gerente do programa Integração Elétrica Norte-Sul.
"A disponibilidade financeira é suficiente para os investimentos necessários. O problema maior reside na limitação do teto orçamentário", diz o gerente do programa Energia na Rede Sudeste, Carlos Passos Justo. Traduzindo: há dinheiro disponível, mas não há liberdade para aplicá-lo.
Os gerentes dos seis programas energéticos mais importantes são unânimes em afirmar que a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) tem atrasado muito as autorizações para licitações no setor.

Risco cambial
O adiamento da solução para a questão do "risco cambial" envolvido nas concessões de usinas termelétricas também comprometeu a meta do governo de inaugurar 49 dessas usinas até 2003.
Para investir nessas empresas, o setor privado pressionava por uma proteção contra novas desvalorizações do real. O governo não aceitou a proposta, mas acabou tendo de ceder agora, no meio da crise. O "risco cambial" será transferido para a Petrobras.
O relatório do ministério conta que a maioria das termelétricas em construção tinha a participação da Petrobras. "A empresa [Petrobras" vai aplicar recursos próprios, sem aguardar as assinaturas dos financiamentos, confirmando as dificuldades enfrentadas pelo programa."
Os gerentes também reclamam de que os financiamentos do BNDES não saem. Segundo eles, o principal obstáculo é a exigência de apresentação de contratos de venda de energia antes da concessão dos recursos.
Além dos problemas recentes, há atrasos resultantes de falhas cometidas no início do processo de reformulação do setor elétrico. Ou seja, antes de o governo decidir separar as subsidiárias da Eletrobrás (Eletrosul, Eletronorte, Chesf e Furnas) em empresas de geração e de transmissão, em 98.
Segundo o relatório, o governo demorou a definir as regras de operação do MAE (Mercado Atacadista de Energia Elétrica). "Deixou o mercado inseguro por falta de normas claras para o funcionamento do novo modelo setorial."
Mês passado o governo admitiu o fracasso do MAE, que estava parado desde setembro do ano passado, e interveio, alterando a composição dos seus representantes. Com isso, a Aneel assumiu o controle do mercado.
Inicialmente, o governo pretendia vender as empresas de geração (só vendeu a Gerasul, resultante da divisão da Eletrosul) e ficar com as de transmissão. O objetivo era assegurar a competição no setor, garantindo o livre acesso das empresas às linhas.
Sem poder investir por causa das limitações do ajuste fiscal, o governo decidiu rever essa estratégia por meio de contratos de concessão. Como o setor privado também não vem investindo e a crise é aguda, o governo deve aumentar este ano os recursos da Eletrobrás.
Os gerentes também fazem referência a uma certa "má vontade" do setor privado. Segundo Justo, algumas informações eram negadas por ser classificadas como "estratégicas". "Entidades privadas e estaduais demonstraram pouco interesse em ampliar a interlocução", diz o gerente do programa Energia no Eixo Arco-Norte, José Antônio Lopez.


Colaborou Humberto Medina, da Sucursal de Brasília



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