São Paulo, quarta-feira, 13 de junho de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Uma série de esparadrapos

Pacote é remendo de um governo sem política de longo prazo para impostos, juros, inovação e finanças privadas

É MELHOR reduzir impostos e juros do que aumentar o imposto de importação de produtos das indústrias atingidas pelo câmbio, decerto. Mas um esparadrapo é um esparadrapo é um esparadrapo, diria Gertrude Stein se reencarnasse como economista.
O governo anunciou mais uma baciada de medidas do pinga-pinga em série de auxílios setoriais. Para começar, tais medidas aumentam a confusão da multiplicidade de regimes de cobranças de impostos, que desorientam a alocação de capital, as decisões de investimento. Para continuar, tais medidas são o reconhecimento de que juros e impostos são altos e de que muitos setores da economia não têm acesso ao mercado financeiro, por serem pequenos, primitivos e por ser o mercado financeiro falho e caro. Por fim, o pacote é outro sinal de que não há um entendimento geral e organizado do que deve ser o incentivo oficial à indústria. Trata-se de um reconhecimento de problemas sem que questões de fundo sejam enfrentadas a médio e longo prazos.
Decerto resolver questões de fundo pode levar tempo suficiente para desgraçar setores industriais inteiros. Mas tais setores vão sobreviver com as medidas-esparadrapo? Segundo: são apenas esses os setores atingidos pelo câmbio? A anônima e grande indústria de insumos também apanha e é mais importante na manutenção da cadeia industrial do que as fábricas de roupas e sapatos.
Terceiro: e os setores natimortos por causa de câmbio e falta de crédito, "indústrias nascentes", de ponta? Têxteis, calçados e madeira têm sofrido bastante com o câmbio ou queda mundial de preços. Para essas indústrias, o governo deu desconto de imposto e crédito subsidiado, como se faz com a agricultura, aliás. E desconto de imposto para quem exportar mais, medida que já não vinha funcionando bem em outros setores (a não ser para quem já exportava bastante). Mais interessante, o governo ofereceu linhas de crédito do BNDES para fusões. As empresas beneficiadas são pequenas e nem aparecem nos rankings de captações via ações ou debêntures, por exemplo. Mas vão ganhar escala, se modernizar, vão sofisticar seus produtos? Qual a contrapartida?
No caso de eletroeletrônicos, montadoras e autopeças o caso é ainda mais complicado. Sim, eletroeletrônicos levaram também um tombo grande de preços. Mas as múltis do setor vivem aqui de incentivo fiscal, basta ver a briga recente por isenções na Zona Franca. Qual é o plano? O governo diz que vai apresentar projeto para desenvolver TV digital, celulares de terceira geração e internet sem fio (negócios que, aliás, sofrem devido a uma quizumba regulatória feia e arrastada).
Um incentivo pode ser interessante desde que tais indústrias deixem de ser maquiladoras. Mas vão desenvolver tecnologia aqui, trazer fábrica de componente sofisticado?
Montadoras são importantes, sim: grandes, empregam muito, têm efeito encadeador enorme na indústria e até desenvolvem produtos no país. Mas, se a demanda interna de veículos está tão quente, qual o problema que as montadoras têm para ampliar as fábricas? Não tinham nenhum, faz uns cinco anos, e passaram tais anos com capacidade ociosa. Por que precisariam de ajuda?


vinit@uol.com.br

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