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São Paulo, domingo, 13 de julho de 2003

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VÍCIOS DO CAPITAL

Corretoras de Londres são acusadas de discriminação; operadores promovem festas com prostitutas

Cultura de sexo e droga permeia City londrina

NIKKI TAIT
CHARLES PRETZLIK
BOB SHERWOOD
DO "FINANCIAL TIMES"

Os vistosos saguões de entrada projetam poder e segurança. Os folhetos de recrutamento se vangloriam do profissionalismo e da diversidade. Mas, no interior de algumas das mais poderosas empresas da City de Londres, oculta-se um mundo no qual intimidação, embriaguez, uso de drogas e prostitutas são parte do cotidiano.
Acontecimentos desse tipo em uma das grandes companhias financeiras londrinas, a Cantor Fitzgerald, foram expostos na austera Sala de Audiências 33, nas Royal Courts of Justice, onde histórias sobre uma cultura agressiva e machista se desenrolaram copiosamente.
A filial londrina da corretora norte-americana está se defendendo de uma acusação feita por um ex-diretor de primeiro escalão. O queixoso acusa Lee Amaitis, presidente da empresa, natural de Nova York, de tê-lo escorraçado da companhia com insultos proferidos em altos brados.
O juiz reconheceu, em um determinado momento, que palavras de calão e gritos podem muitas vezes fazer parte do mundo dos negócios. Mas, disse o juiz, será que o ponto crucial não era o fato de que, na Cantor Fitzgerald, essa cultura tenha se espalhado a ponto de ameaçar a violação das responsabilidades legais da empresa? "Será que devemos permitir, no ambiente de trabalho, o desenvolvimento desse tipo de cultura?", perguntou o magistrado.
Steve Horkulak, 39, um operador que deixou seu posto no escritório da Cantor Fitzgerald em Londres três anos atrás, quer uma indenização de US$ 2,5 milhões e sustenta que o comportamento histérico de Amaitis equivale a uma violação de contrato.
Não é a primeira vez que a cultura da Cantor Fitzgerald (que foi objeto de uma onda de comoção pública depois de perder 658 funcionários nos ataques ao World Trade Center) atraiu atenção pública. Outro julgamento na alta corte britânica, envolvendo suposto roubo de funcionários e opondo a Cantor Fitzgerald à Garban-International, sua maior rival, contou com depoimentos que revelaram festas com prostitutas, visitas a clubes de striptease e apostas sobre o uso de linguagem obscena.

Discriminação
A história de Horkulak é a mais recente em uma série de casos que macularam a imagem da City, a maior parte deles encerrados por meio de acordos extrajudiciais.
Dois anos atrás, Laurent Weinberger, judeu e ex-funcionário da corretora de valores Tullett & Tokyo Liberty, queixou-se a um tribunal de que fora convidado a vestir um uniforme nazista, como punição por chegar atrasado ao trabalho. As duas partes chegaram a um acordo.
Também em 2001, Phillip Karam, um operador do Credit Suisse First Boston, nascido no Paquistão, queixou-se de ser tratado como escravo e de ser forçado a fazer chá para os colegas. Um dos funcionários ameaçou fazer com que "bombeassem gasolina para dentro do meu apartamento, ou o atacassem com coquetéis molotov", disse Karam.
Ele alegou também que seus colegas usavam drogas e que o advertiram para não sair com mulheres brancas. O banco negou as acusações, mas pagou US$ 300 mil para encerrar o processo.
Em algumas empresas, brincadeiras pesadas continuam a ser parte da vida na sala de operações. Na Icap, há um paletó com uma âncora nas costas que fica pendurado na mesa de operações e é dado na sexta-feira ao operador que tiver passado mais vexames durante a semana. Ele precisa pendurar o paletó em sua cadeira até a sexta-feira seguinte.
O que torna o caso mais recente tão interessante, no entanto, é que não tenha sido encerrado por um acordo extrajudicial. Isso traz a expectativa de uma decisão da Justiça sobre aquilo que as empresas podem, e não podem, fazer por trás das portas.
A Cantor Fitzgerald diz que as alegações são exageradas. Afirma que Horkulak estava apresentando mau desempenho como funcionário e um retrospecto como usuário de cocaína e por abuso de álcool. O banco questiona que ele tenha de fato deixado de usar cocaína em 2000, como o operador alega, e sustenta que o efeito combinado da droga e das bebidas "coloria suas percepções" e o tornava paranóico.
O banco diz também que Horkulak se apresentava como uma pessoa robusta, perfeitamente capaz de lidar com um ambiente de alta pressão. "Não estamos tratando aqui de um funcionário sensível", disse Charles Bear, o advogado da Cantor Fitzgerald.
Será que uma empresa pode justificar comportamento agressivo sob a alegação de que os funcionários deveriam ter sabido em que estavam se metendo?
Elaine Aarons, diretora de empregos do grupo de recursos humanos Eversheds, diz que palavrões podem ter efeitos diferentes em diferentes ambientes. Mas acrescenta que "não se pode preservar antigas práticas simplesmente porque as coisas sempre foram feitas daquela maneira".
Ela menciona o caso de Louise Barton, que abriu processo por discriminação contra um antigo empregador, a Investec Henderson Crosthwaite, desafiando a cultura de sigilo quanto aos valores das comissões que prevalece na City. Em outro processo, uma mulher foi demitida por seu empregador por se recusar a levar clientes a clubes de striptease. O empregador argumentou que a mulher deveria ter sabido o que seu cargo acarretava. O processo foi encerrado fora dos tribunais.
Não há estatísticas sobre o número de mulheres, gays e minorias étnicas empregados nas corretoras de investimentos. Mas um passeio pela City revela uma população em geral branca e masculina. O número de mulheres é elevado (40% nas maiores empresas é a proporção típica, dizem executivos), mas elas trabalham em geral nos cargos de apoio, com salários mais baixos. Entre os profissionais de escalão médio, 25% são mulheres, e nos postos de comando o número delas é ainda menor.


Tradução de Paulo Migliacci


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