|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
No fim do arco-íris, o déficit nominal zero
CARLOS LESSA
Diz a antiga sabedoria turca:
se quereis vender corvo, pinte-o por rouxinol. Aqui, no país da
maior taxa de juros do planeta, vamos aprendendo com o presidente do Banco Central que o vôo de
galinha de 2004/5 da economia teria sofrido uma "desaceleração"
por causa da "quebra de safra" e
da "redução de renda" devido à inflação. Doutor Meirelles comemora a taxa de juros do período, em
relação à de 1999/2003.
É impressionante o mar de rosas
em que nada o doutor Meirelles.
Afirma que o Brasil tem condições
-a economia vem crescendo,
com saldo positivo nas contas externas- para enfrentar as turbulências externas e questões internas. Com a taxa de juros elevada,
atrai capital cigano de fora, que lhe
permite valorizar o real. Ao fazê-lo, produz alguma queda da inflação. Fixa uma meta irreal de inflação e justifica a manutenção dos
juros altos.
A despesa com juros cresce de
trimestre a trimestre. O investimento público está zerado, porém
o supersecretário Levy quer ampliar o superávit fiscal. O ministro
da Fazenda fala da necessidade de
"blindarmos o gasto público". Isso
exigirá, segundo Delfim Netto, novo porta-voz do grupo, a meta de
déficit nominal zero. O objetivo seria logrado em três, cinco ou seis
anos, segundo o desempenho da
política econômica. Independentemente de sua consecução, teria,
para seus proponentes, o mérito
de confirmar que o Brasil continuará com a mais alta taxa de juros
real do mundo. A proposta do déficit zero quer cortes nos únicos
gastos públicos que restaram: os
sociais. Falam em um "choque de
gestão" que lhes permita comprimir os salários de pessoal dos serviços de educação e saúde.
A proposta manteria a fidelidade
da rapina financeira praticada
contra o país. Os aplicadores nos
hiper-rentáveis títulos de dívida
brasileira continuariam fiéis ao
bom-bocado e manteriam seu
apetite aplicando os juros obtidos
em novas emissões brasileiras.
A compressão adicional no gasto
público, atingindo as insuficientes
redes de proteção social brasileiras, é vendida por Delfim, Palocci,
Levy e Meirelles -para não falar
dos epígonos- como a eliminação do déficit nominal. No imaginário popular, é corrente que o governo gasta muito e mal. É péssimo o gasto endêmico da corrupção, porém é como um pigmeu em
relação aos quase R$ 150 bilhões
pagos por juros.
Meirelles certamente não desconhece os sinais de turbulência no
horizonte. Os EUA praticam gigantesco déficit público (US$ 400
bilhões) e têm contas externas desequilibradas. Sua dívida pública
em expansão é rolada sem inibições. Os EUA não praticam política neoliberal, por isso crescem e
preservam empregos. O Fed não
segue o suicida modelo de metas
de inflação: além do controle de
preços, tem a responsabilidade pelo nível de atividade da economia.
Entretanto a inflação americana
subiu e, provavelmente, haverá
nova elevação dos juros.
A Europa diz que preservará
suas instituições social-democratas. Esse é o sentido da rejeição da
proposta de Constituição Européia por franceses e holandeses.
Ambos repeliram a expressão liberal "direito a trabalhar" e conservaram o "direto ao trabalho", como obrigação político-econômica.
É brincadeira dizer que a China é
economia de mercado. Os tigres
asiáticos são, a seu modo, nacional-desenvolvimentistas.
No golfo Pérsico, segue o drama
do petróleo. O barril deve terminar
o ano acima de US$ 80. A alta não
afeta a Petrobras nem nos inquieta
quanto ao abastecimento, mas deverá inspirar políticas defensivas
em nível mundial, com repercussões desconfortáveis para o comércio exterior brasileiro.
Embaídos no conto do vigário liberalizante da globalização, restam a África Subsaariana, em acelerada degradação, e nosso continente. Hoje, na Venezuela, o presidente constitucional Chávez usa a
PDVSA como alavanca de políticas sociais e suporte ao desenvolvimento nacional. Na Argentina,
Kirchner e Lavagna aplicaram
quarentena de um ano à entrada
de capital estrangeiro. Seu risco-país já está próximo do do Brasil.
Enquanto isso, Meirelles despojou de qualquer exigência o movimento de capitais de curto prazo.
Só solicita o registro no BC.
Meirelles diz que a economia
não entrou em queda -só "reduziu o ritmo de crescimento". É sabido que no Brasil qualquer taxa
abaixo de 5% ao ano não absorve o
contingente que chega ao mercado de trabalho. Temos 23 milhões
de desempregados e subempregados, para uma população economicamente ativa de 80 milhões.
Para o panglossiano Meirelles, em
sua nuvem cor-de-rosa, tudo irá
pelo melhor no melhor dos mundos possíveis: um mundo pró-juros, pró-rentistas, pró-balanços
bancários. Tudo o mais é irrelevante, subordinado.
Carlos Lessa, 69, economista, professor
titular do Instituto de Economia da UFRJ,
foi reitor da UFRJ (2002) e presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Texto Anterior: SDE investiga denúncia contra Brasil Telecom Próximo Texto: Tendências Internacionais - União Européia: Presidente diz ter apoio para reformas Índice
|