São Paulo, domingo, 13 de julho de 2008

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DANIEL GROS

O petróleo e a "bolha da China'


Especuladores e produtores estão apostando que a China sustentará alta permanente dos preços do petróleo


O QUE está por trás da alta do petróleo? A maioria dos economistas e especialistas argumenta que mesmo os preços elevadíssimos que agora vigoram se justificam com base nos fundamentos econômicos, a saber o alto crescimento na demanda dos emergentes -em resumo, a China. O único fato importante em geral apresentado para sustentar essa posição é que oferta e procura parecem exibir um equilíbrio sensível, porque os estoques não estão em alta.
Mas esse argumento não procede. A observação de que os estoques não estão crescendo é irrelevante, porque existe uma maneira muito conveniente de estocar petróleo que não é coberta pelos dados sobre estoques: basta não extraí-lo.
Muitos especialistas também enfatizam a observação de que, a despeito do preço alto, a produção na verdade não cresceu. No entanto, esse argumento, como aquele que se refere aos estoques, não procede porque não leva em conta a natureza do petróleo como recurso exaurível.
A grande escolha para qualquer proprietário de um recurso exaurível é estritamente temporal: extrair hoje ou extrair amanhã. Caso decida extrair hoje, ele receberá o preço atual (menos o custo de extração).
Caso extraia amanhã, receberá o preço de amanhã (menos o mesmo custo de extração), com o desconto dos juros de hoje. A oferta atual de petróleo, portanto, só vai subir caso o preço de amanhã seja baixo em comparação com o preço de hoje.
Em outras palavras, o suprimento de petróleo aumentará não quando o preço atual for elevado, mas só se os fornecedores suspeitarem de que o preço será mais baixo no futuro.
Isso implica que a China influencie os preços atuais não tanto porque sua demanda é elevada agora, mas porque é projetado um crescimento tão alto na futura demanda que isso alimenta expectativas de preços mais altos e assim leva o produtor a reduzir o ritmo atual de extração.
Outro fator que limita a oferta atual de petróleo (e assim gera alta de preços) é que o retorno, para os produtores, sobre os dólares que eles receberiam por elevar sua produção foi reduzido pela ação do Fed (o BC dos EUA). Os juros americanos são hoje negativos em termos reais. Assim, é racional que os produtores limitem sua acumulação de dólares, que estão em rápida depreciação, por meio da limitação de seu ritmo de extração de petróleo.
A culpa real pela situação cabe à expectativa de que os preços possam apenas subir (e ao fato de que os retornos sobre o capital continuam baixos), e não às operações entre especuladores, que só estão apostando uns contra os outros de uma maneira que significa prejuízos para alguns e lucros para os demais, sem efeitos externos líquidos. A regulamentação dos mercados de derivativos pode afetar o volume de operações "especulativas", mas não induzirá o produtor a ampliar a extração.
Caso a culpa não seja dos especuladores, será que devemos por isso supor que não exista bolha no mercado de petróleo? Não necessariamente. Uma bolha começa quando elevações passadas nos preços geram expectativas de novas altas. Pode bem ser que os preços não subam tanto quanto esperamos caso a futura demanda por petróleo na China for inferior à esperada agora ou se fontes alternativas de energia vierem a se tornar tão baratas quanto alguns observadores sugerem.
Os preços muitos altos do petróleo podem levar, com o tempo, a um abandono em larga escala do petróleo, mesmo na China. Mas a materialização desse cenário levará anos.
Enquanto isso, a melhor explicação sobre os preços do petróleo não é nem "bolha" nem "China", mas "bolha da China", no sentido de que os especuladores e produtores estão apostando que a China sustentará uma alta permanente dos preços.


DANIEL GROS é diretor do Centro de Estudos Políticos Europeus, em Bruxelas. Este texto foi publicado originalmente no "Financial Times". Tradução de PAULO MIGLIACCI

Hoje, excepcionalmente, a coluna de JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN não é publicada.




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