São Paulo, segunda-feira, 13 de setembro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA
7 de setembro e FMI

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

O 7 de Setembro aviva velhos valores. Debates como "Deve o Brasil fazer novo acordo com o FMI?" ou "É possível voltar a pensar em um empresariado nacional?" são perguntas que voltam à agenda. Mas, na economia global, é possível ainda pensar no patriotismo e no nacionalismo ou seriam eles "ideologias superadas", que apenas atrapalham o raciocínio objetivo sobre a política econômica?
As palavras podem ser usadas com vários sentidos, nacionalismo pode ser entendido como pejorativo, como a ideologia autoritária de sobrepor a nação a qualquer outro valor, particularmente à liberdade e à tolerância. Mas o sentido histórico do nacionalismo e do patriotismo é o mesmo na história da construção das grandes nações modernas. O nacionalismo é a ideologia que, conjuntamente com o liberalismo, e não em conflito com ele, permitiu aos empresários se associarem, em um primeiro momento, ao rei e aos aristocratas e burocratas em sua volta e, um pouco mais tarde, também aos cidadãos em geral para constituírem, sobre um território com fronteiras definidas, uma nação formada por um Estado e um povo.
Ao Estado coube, inicialmente, estabelecer o sistema institucional ou legal e garantir a propriedade e os contratos e, em um segundo momento, defender também os direitos políticos e os direitos sociais. Fora do Estado, mas dentro da nação, formou-se uma sociedade civil, à qual coube, inicialmente, organizar a produção no mercado e, mais recentemente, organizar-se para proteger interesses de minorias e defender direitos não suficientemente protegidos da maioria.
O nacionalismo, portanto, é o conjunto de valores que, combinado com o liberalismo político e econômico, viabilizou a Revolução Industrial e o desenvolvimento econômico. Nenhum país se desenvolveu sem contar com uma estratégia nacional de desenvolvimento. O nacionalismo cimentou a construção das nações modernas. Não apenas daquelas razoavelmente homogêneas em termos de língua e etnia, como Portugal ou a Eslováquia, e de sociedades relativamente heterogêneas, como a França e a Suíça, mas também claramente heterogêneas, como o Reino Unido, a Espanha, os Estados Unidos e o Brasil. As nações são sempre comunidades, mas, como disse Benedict Anderson, são "comunidades imaginadas", ou, nos termos da frase célebre de Ernest Renan, "são a construção de cada dia".
A ideologia internacionalista dos antigos socialistas revolucionários queria acabar com os Estados-nação, mas foi derrotada, e hoje, nos países desenvolvidos, existe tal unidade quanto à obrigação dos seus governos de defender o capital, o trabalho e o conhecimento nacionais que a palavra "nacionalismo" deixou de distinguir um cidadão do outro. Pôde, assim, ser usada pejorativamente pelos globalistas para, assim, dividir e desorganizar as nações em desenvolvimento.
Mas, no mundo da globalização, existe ainda espaço para as nações? Não são todas tão interdependentes que o Estado-nação perdeu autonomia e relevância? Essa é exatamente a tese globalista, que divide os países em desenvolvimento como o Brasil. Mas, mais do que uma tese equivocada, é uma má representação da realidade econômica da economia global, na qual as nações, de fato, tornaram-se mais interdependentes, mas, em compensação, mais estratégicas.
A globalização, em termos econômicos, é a competição a nível mundial entre as empresas apoiadas pelos seus respectivos Estados nacionais. Poderíamos também falar que é a competição generalizada entre as nações, como fez o insuspeito Michael Porter, mas essa é uma definição forte demais. Serve, porém, para salientar a razoabilidade da primeira. Os Estados nacionais, a começar pelo mais nacionalista deles, os EUA, não se limitam a apoiar as exportações das empresas localizadas em seu território. Apóiam também, sem nenhuma tergiversação, as suas empresas multinacionais, estejam elas operando onde estiverem.
O mundo, portanto, apesar de toda a ideologia ofuscante do globalismo, continua firmemente organizado em termos nacionais. A União Européia não é um desmentido dessa tese, mas o exemplo da construção voluntária e democrática de um novo Estado-nação.
Para que uma nação exista realmente, porém, não basta que seja formalmente um país. É preciso que esteja unida pelos laços do patriotismo ou do nacionalismo. É preciso que, apesar dos conflitos internos, haja uma solidariedade básica entre seus membros, empresários, trabalhadores, técnicos e intelectuais. E é preciso que a nação seja capaz de ela própria definir suas instituições e suas políticas públicas -seu destino, portanto. É preciso que pense com a cabeça própria, em vez de se subordinar aos países ricos, ou a suas agências, como o Fundo Monetário Internacional ou o Banco Mundial.
No penúltimo domingo, esta Folha colocou na agenda do país a questão de se o Brasil deve o não renovar seu acordo com o FMI. Em 2002, colhido por uma crise de balanço de pagamentos, o país não teve outra alternativa senão pedir socorro aos EUA e ao Fundo Monetário Internacional. Naquele momento, porém, devido à própria crise, já estava em curso um enorme processo de ajuste externo, que transformou um déficit em conta corrente de 5% do PIB em superávit. No início deste ano, porém, foi razoável renovar o acordo, porque o governo ainda sentia necessidade de ganhar confiança dos mercados. No início do próximo ano, porém, nada justifica mais uma renovação do acordo, a não ser que prefiramos ou "nos sintamos mais seguros" ao sermos governados por terceiros, como sugere a ideologia globalista.


Luiz Carlos Bresser-Pereira, 70, é professor de economia e de teoria política da Fundação Getúlio Vargas. Foi ministro da Fazenda, da Administração Federal e Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia. Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.bresserpereira.org.br

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