|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
7 de setembro e FMI
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
O 7 de Setembro aviva velhos
valores. Debates como "Deve o Brasil fazer novo acordo com
o FMI?" ou "É possível voltar a
pensar em um empresariado nacional?" são perguntas que voltam à agenda. Mas, na economia
global, é possível ainda pensar no
patriotismo e no nacionalismo ou
seriam eles "ideologias superadas", que apenas atrapalham o
raciocínio objetivo sobre a política econômica?
As palavras podem ser usadas
com vários sentidos, nacionalismo pode ser entendido como pejorativo, como a ideologia autoritária de sobrepor a nação a qualquer outro valor, particularmente
à liberdade e à tolerância. Mas o
sentido histórico do nacionalismo
e do patriotismo é o mesmo na
história da construção das grandes nações modernas. O nacionalismo é a ideologia que, conjuntamente com o liberalismo, e não
em conflito com ele, permitiu aos
empresários se associarem, em
um primeiro momento, ao rei e
aos aristocratas e burocratas em
sua volta e, um pouco mais tarde,
também aos cidadãos em geral
para constituírem, sobre um território com fronteiras definidas,
uma nação formada por um Estado e um povo.
Ao Estado coube, inicialmente,
estabelecer o sistema institucional ou legal e garantir a propriedade e os contratos e, em um segundo momento, defender também os direitos políticos e os direitos sociais. Fora do Estado, mas
dentro da nação, formou-se uma
sociedade civil, à qual coube, inicialmente, organizar a produção
no mercado e, mais recentemente,
organizar-se para proteger interesses de minorias e defender direitos não suficientemente protegidos da maioria.
O nacionalismo, portanto, é o
conjunto de valores que, combinado com o liberalismo político e
econômico, viabilizou a Revolução Industrial e o desenvolvimento econômico. Nenhum país se desenvolveu sem contar com uma
estratégia nacional de desenvolvimento. O nacionalismo cimentou a construção das nações modernas. Não apenas daquelas razoavelmente homogêneas em termos de língua e etnia, como Portugal ou a Eslováquia, e de sociedades relativamente heterogêneas, como a França e a Suíça,
mas também claramente heterogêneas, como o Reino Unido, a
Espanha, os Estados Unidos e o
Brasil. As nações são sempre comunidades, mas, como disse Benedict Anderson, são "comunidades imaginadas", ou, nos termos
da frase célebre de Ernest Renan,
"são a construção de cada dia".
A ideologia internacionalista
dos antigos socialistas revolucionários queria acabar com os Estados-nação, mas foi derrotada, e
hoje, nos países desenvolvidos,
existe tal unidade quanto à obrigação dos seus governos de defender o capital, o trabalho e o conhecimento nacionais que a palavra "nacionalismo" deixou de
distinguir um cidadão do outro.
Pôde, assim, ser usada pejorativamente pelos globalistas para, assim, dividir e desorganizar as nações em desenvolvimento.
Mas, no mundo da globalização, existe ainda espaço para as
nações? Não são todas tão interdependentes que o Estado-nação
perdeu autonomia e relevância?
Essa é exatamente a tese globalista, que divide os países em desenvolvimento como o Brasil. Mas,
mais do que uma tese equivocada, é uma má representação da
realidade econômica da economia global, na qual as nações, de
fato, tornaram-se mais interdependentes, mas, em compensação, mais estratégicas.
A globalização, em termos econômicos, é a competição a nível
mundial entre as empresas apoiadas pelos seus respectivos Estados
nacionais. Poderíamos também
falar que é a competição generalizada entre as nações, como fez o
insuspeito Michael Porter, mas
essa é uma definição forte demais. Serve, porém, para salientar a razoabilidade da primeira.
Os Estados nacionais, a começar
pelo mais nacionalista deles, os
EUA, não se limitam a apoiar as
exportações das empresas localizadas em seu território. Apóiam
também, sem nenhuma tergiversação, as suas empresas multinacionais, estejam elas operando
onde estiverem.
O mundo, portanto, apesar de
toda a ideologia ofuscante do globalismo, continua firmemente organizado em termos nacionais. A
União Européia não é um desmentido dessa tese, mas o exemplo da construção voluntária e
democrática de um novo Estado-nação.
Para que uma nação exista
realmente, porém, não basta que
seja formalmente um país. É preciso que esteja unida pelos laços
do patriotismo ou do nacionalismo. É preciso que, apesar dos conflitos internos, haja uma solidariedade básica entre seus membros, empresários, trabalhadores,
técnicos e intelectuais. E é preciso
que a nação seja capaz de ela própria definir suas instituições e
suas políticas públicas -seu destino, portanto. É preciso que pense com a cabeça própria, em vez
de se subordinar aos países ricos,
ou a suas agências, como o Fundo
Monetário Internacional ou o
Banco Mundial.
No penúltimo domingo, esta
Folha colocou na agenda do país
a questão de se o Brasil deve o
não renovar seu acordo com o
FMI. Em 2002, colhido por uma
crise de balanço de pagamentos,
o país não teve outra alternativa
senão pedir socorro aos EUA e ao
Fundo Monetário Internacional.
Naquele momento, porém, devido à própria crise, já estava em
curso um enorme processo de
ajuste externo, que transformou
um déficit em conta corrente de
5% do PIB em superávit. No início deste ano, porém, foi razoável
renovar o acordo, porque o governo ainda sentia necessidade
de ganhar confiança dos mercados. No início do próximo ano,
porém, nada justifica mais uma
renovação do acordo, a não ser
que prefiramos ou "nos sintamos
mais seguros" ao sermos governados por terceiros, como sugere
a ideologia globalista.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 70, é professor de economia e de teoria política
da Fundação Getúlio Vargas. Foi ministro da Fazenda, da Administração Federal e Reforma do Estado, e da Ciência e
Tecnologia. Escreve às segundas-feiras, a
cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.bresserpereira.org.br
E-mail -
bresserpereira@uol.com.br
Texto Anterior: Promessa Próximo Texto: Dicas/Folhainvest - Ações: Expectativa de elevação dos juros faz Bolsa de SP recuar na semana Índice
|