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ENTREVISTA HENRIQUE MEIRELLES
Juros ao consumidor devem cair mais rápido
Redução da inadimplência e concorrência com bancos públicos forçarão as instituições privadas a cortar taxas, diz BC, que vê "economia robusta" em 2010
Os juros ao consumidor vão continuar caindo, mesmo
que a taxa básica de juros do país, a Selic, seja mantida
no mesmo patamar, diz o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. A redução da inadimplência
e o avanço dos bancos públicos, afirma, forçarão as
instituições privadas a reduzirem taxas e "spreads"
(diferença entre o que os bancos pagam para captar
recursos e o que cobram dos clientes). Meirelles exortou pré-candidatos à Presidência, em especial o governador paulista, José Serra, a explicitarem suas
convicções econômicas. E disse não ter decidido ainda
se vai se candidatar a algum cargo eletivo em 2010.
Sérgio Lima/Folha Imagem
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O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, durante
entrevista na mesa de reuniões do Copom, na sede do órgão
SÉRGIO MALBERGIER
EDITOR DE DINHEIRO
MARCIO AITH
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Para o presidente do Banco
Central, Henrique Meirelles, é
muito importante que os candidatos deixem claro, "sem
margem de dúvida", qual vai ser
a política macroeconômica do
Brasil a partir de 2011. Leia a seguir trechos da entrevista que
ele concedeu à Folha na sede
do BC, em Brasília.
FOLHA - Qual foi o momento mais
delicado da crise?
HENRIQUE MEIRELLES - Sexta-feira,
10 de outubro de 2008. Eu estava em Washington para uma
reunião do FMI, em um encontro dos bancos centrais latino-americanos. Nesse dia recebi
informações de que a liquidez
do sistema financeiro estava
caindo rápido, e que bancos já
estavam com problemas.
FOLHA - Bancos pequenos, médios
ou grandes?
MEIRELLES - Os pequenos e os
médios já estavam com dificuldades de financiamento. Bancos grandes já começavam a
sentir os efeitos da crise. No sábado, decidi voltar ao Brasil. Fizemos uma reunião de diretoria do Banco Central no domingo à noite. Na segunda-feira
anunciamos uma série de medidas que, acredito, foram decisivas, que evitaram danos severos ao país.
FOLHA - A impressão que se tinha
era de que apenas bancos pequenos
e médios sofreram.
MEIRELLES - Grandes empresas
brasileiras tinham assinado
contratos de derivativos vendendo dólares equivalentes, em
alguns casos, a anos de exportações. Com a depreciação cambial, o prejuízo dessas empresas aumentou enormemente.
Elas ficaram insolventes. Eram
empresas grandes, não se sabia
quantas nem quais. Elas tinham contratos majoritariamente com bancos internacionais. Só que mantinham linhas
de crédito com grandes bancos
nacionais -aqui, de novo, não
se sabia quantos nem quais.
FOLHA - Houve risco de insolvência, de crise sistêmica?
MEIRELLES - Sim, começou a haver uma preocupação muito similar à que existia em outros
países. Mas o concerto de ações
resolveu o problema de liquidez dos mercados futuros. As
empresas endividadas puderam renegociar com bancos estrangeiros.
FOLHA - O que teria ocorrido se o
BC não tivesse agido?
MEIRELLES - O prejuízo poderia
chegar a proporções monumentais. O mercado estava de
tal maneira alavancado que, se
o Banco Central não interviesse, geraria perdas extravagantes para bancos brasileiros que
tinham crédito com essas companhias.
FOLHA - A valorização recente do
real criou novos excessos no mercado de derivativos?
MEIRELLES - Não. Os prejuízos
da crise ensinaram uma lição
dramática, não apenas no Brasil como no mundo inteiro. Hoje não se assume mais o tipo de
risco que se assumia antes.
FOLHA - Como o senhor avalia a
ação da do ministro Mantega na crise? Como foi a coordenação entre
vocês dois?
MEIRELLES - A coordenação foi
boa e está expressa nos bons resultados. A fase inicial, dos primeiros 60 dias, foi concentrada
no Banco Central, como deveria ser. A partir da normalização dos mercados de crédito, aí
sim veio o impulso fiscal, e veio
na hora certa. O impulso fiscal
foi eficaz apenas porque foi
precedido da atuação no mercado de crédito.
FOLHA - A crise acabou? Qual é o
saldo dela para o país?
MEIRELLES - A recessão acabou.
O Brasil já está crescendo, embora muitas das consequências
da crise permaneçam. Teremos
ainda um período de incertezas
no cenário internacional. Mas a
economia brasileira está bem
encaminhada: 2010 será um
ano robusto, com mais emprego, mais renda e bastante estabilidade.
FOLHA - Que medidas foram decisivas?
MEIRELLES - O anúncio da liberação dos R$ 100 bilhões de
compulsório foi a primeira delas. O processo continuou nos
dias e nas semanas seguintes,
com o anúncio de que estaríamos preparados para atuar no
mercado futuro e de que iríamos emprestar reservas internacionais. A partir daí a situação normalizou-se.
FOLHA - A Selic não deveria ter sido
reduzida já em dezembro?
MEIRELLES - Tenho absoluta segurança de que não. Os mercados de crédito ainda estavam
disfuncionais, a taxa de juro futuro, muito elevada nos mercados a termo. E a expectativa de
inflação, ainda muito elevada.
Um corte de juros ali serviria
apenas para gerar mais volatilidade e insegurança.
FOLHA - Como foi a atuação do
presidente Lula na crise?
MEIRELLES - Sempre deu apoio
total, sempre manifestou total
confiança no Banco Central e
em mim. Ele se preocupou
muito com todas as previsões
que existiam de aumento de desemprego, de demissões. Todos
estavam preocupados, principalmente ele. Mas sempre
apoiou o Banco Central.
FOLHA - Há espaço para que o juro
ao consumidor continue caindo,
mesmo que a Selic não caia mais?
MEIRELLES - Sim, certamente.
Há espaço porque estamos falando, na verdade, da queda dos
"spreads", que é muito relacionada, primeiro, a uma percepção de crescimento, de diminuição da inadimplência, do
aumento da previsibilidade e
da estabilidade.
FOLHA - O senhor se refere a um cenário de mais longo prazo?
MEIRELLES - Não, não. Num cenário de curto prazo. A inadimplência já está caindo.
FOLHA - Os bancos privados seguraram demais o crédito?
MEIRELLES - Os bancos públicos
cumpriram o seu papel quando
fizeram um movimento contracíclico. Tinham recursos para isso, pois estavam ganhando
depósitos. Já o setor privado
fez um movimento conservador, que é compreensível, à medida que o mundo lá fora estava
despencando. Estrategicamente, perderam posição.
FOLHA - Os bancos privados vão
baixar os "spreads" com mais força?
MEIRELLES - Se não reduzirem os
"spreads", os bancos privados
vão perder mercado.
FOLHA - O Brasil continua tendo
"spreads" e taxas de juros reais entre as mais altas do planeta. Existe
alguma razão lógica para isso?
MEIRELLES - A taxa de juro real
brasileira, no mercado a termo,
está hoje em 4,9%, e a tendência de médio e longo prazos é de
queda. Ela tem caído sistematicamente. Há ciclos de apertos e
de flexibilização monetária, subida e descida. A tendência é de
queda.
FOLHA - Mas ela continua entre as
mais altas do mundo.
MEIRELLES - Isso não é uma
questão meramente de opinião
ou de classificação ou de ranking. Entramos na crise com
uma demanda doméstica crescendo a 9,3% ao ano. Não parece ser o resultado de juros conservadores, suponho.
FOLHA - O governo ainda pensa em
medidas para derrubar o "spread"?
MEIRELLES - Não. O principal fator que levará à queda dos
"spreads" é a maior estabilidade e competição. Os bancos trabalham com "spreads" baixíssimos no mundo todo não por
boa vontade ou por convicção
ideológica. É por competição.
FOLHA - O real está sobrevalorizado com relação ao dólar?
MEIRELLES - A taxa de câmbio
flutua devido a uma série de
circunstâncias. No caso do Brasil, ela é muito relacionada ao
preço mundial de commodities
e à aversão a risco. A descoberta
do pré-sal e o agronegócio elevaram a capacidade de expansão de moeda forte no país. Há
outra coisa: o dólar está caindo
no mundo.
FOLHA - O real não está se valorizando mais do que outras moedas?
MEIRELLES - O Brasil é um dos
países que estão saindo mais
rapidamente da crise. É natural
que atraia recursos.
FOLHA - Para a renda fixa?
MEIRELLES - A entrada de recursos para a renda fixa não é relevante hoje em dia.
FOLHA - Quanto custou salvar o
Brasil?
MEIRELLES - O custo foi, de longe, o menor do G20. O Banco
Central ganhou dinheiro com
as medidas anticrise. Só nos
"swaps" cambiais, ganhou R$
10 bilhões, ganho que compensou boa parte do custo fiscal. O
custo efetivo da crise foi apenas
a isenção do IPI.
FOLHA - O senhor já escolheu um
partido para se filiar?
MEIRELLES - Nem decidi se vou
me filiar. Não se surpreendam
se eu não o fizer. Caso me filie,
terei até abril para decidir se
sou ou não candidato. Uma
eventual filiação não indica que
vou me candidatar. É como um
contrato de opção, que pode ou
não ser exercido.
FOLHA - A filiação não traz o risco
de contaminação política do BC?
MEIRELLES - Essa avaliação nasce do equívoco de que política
monetária frouxa e inflação alta são bons eleitoralmente. A
história do Brasil desde a redemocratização mostra que isso
não é verdade. Uma política
monetária cambial benfeita
tem dividendos eleitorais.
FOLHA - O sr. disse, em uma reunião ministerial, que "tem gente em
São Paulo que não inspira muita segurança no mercado". Foi uma referência ao governador José Serra?
MEIRELLES - Quis dizer que é
muito importante que os candidatos deixem muito claro,
sem margem de dúvida, qual
vai ser a posição macroeconômica do Brasil a partir de 2011.
Foi a única pergunta que ouvi
no mundo inteiro.
FOLHA - Serra tornou-se um crítico
muito agudo do BC e do senhor. Como é que o sr. vê essas críticas?
MEIRELLES - Elas fazem parte da
democracia. A única coisa que
eu espero é que qualquer que
seja o presidente eleito para o
Brasil, que ele mantenha a independência do Banco Central
e a responsabilidade monetária
e fiscal.
FOLHA - A rigor, não existe independência do BC.
MEIRELLES - É verdade. A rigor,
não existe a formal, mas a operacional. É importante caminhar no sentido de uma independência formal.
FOLHA - O senhor exclui a possibilidade de se candidatar à Presidência?
MEIRELLES - É algo absolutamente inadequado falar sobre
isso. Os candidatos estão lançados e sou o presidente do Banco
Central. Estou aqui para tirar o
Brasil da crise e, quando muito,
penso aqui no planalto goiano.
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