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ENTREVISTA GUIDO MANTEGA
Governo fará nova rodada de incentivos à indústria
Fazenda deve lançar em 2010 pacote para diminuir o custo dos investimentos e estimular exportações; entre as medidas está a desoneração da folha de pagamento
Um ano após a eclosão da crise e com o país ensaiando
uma retomada do crescimento, o ministro Guido
Mantega (Fazenda) revelou à Folha que o governo
vai lançar, no início de 2010, nova rodada de incentivos para elevar a competitividade da indústria nacional e compensar o impacto negativo da valorização do real. Classificadas por ele como medidas para um cenário pós-crise, num ambiente de maior
concorrência internacional, elas deverão diminuir
o "custo financeiro e tributário" de investimentos e
de empresas exportadoras. O ministro citou a desoneração da folha de pagamento como uma delas.
Alan Marques/Folha Imagem
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Guido Mantega (Fazenda) durante entrevista em Brasília;
ministro diz que questão fiscal não será entrave para a União
VALDO CRUZ
SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A questão fiscal -queda na
arrecadação- não deve ser um
entrave para o governo promover novas medidas de fomento
à economia, afirma o ministro
da Fazenda, Guido Mantega.
Ele prevê a recuperação da receita em 2010 e diz que, se for
preciso, usará os mais de R$ 14
bilhões do fundo soberano para
"estímulos econômicos".
A retomada do crescimento,
na visão de Mantega, não deve
levar o governo, contudo, a desmontar todas as medidas anticrise adotadas até aqui. Ele defende, por exemplo, que o governo mantenha mais dinheiro
em poder dos bancos para estimular o crédito. "Não há intenção de voltarmos, nesse momento, ao nível de compulsório
anterior", afirmou, em referência aos recursos que as instituições são obrigadas a recolher ao
Banco Central -o chamado depósito compulsório.
Comemorando o resultado
das medidas adotadas durante
a crise, Mantega diz que, sem
elas, o país fecharia este ano
com uma queda no PIB de pelo
menos 1,5%. Agora, prevê que o
país fechará 2009 com um
crescimento de 1%, e de pelo
menos 4% no ano que vem.
Ao fazer um balanço da crise
mundial, o ministro afirmou
que, no final, o presidente Lula
"até que tinha razão" ao dizer
que a crise no Brasil seria uma
marolinha. E disse que a principal lição da crise é que "não se
pode deixar os mercados fazerem o que bem entenderem". O
que, em sua avaliação, justifica
a maior intervenção do governo Lula na economia.
"Até admito que somos mais
nacionalistas", afirmou. Duvida, porém, que isso vá ser usado
contra o PT nas eleições. "Não
vão usar esse discurso, porque
vão quebrar a cara."
FOLHA - Com a volta do crescimento no segundo trimestre, qual é a intensidade da recuperação?
GUIDO MANTEGA - Hoje estamos
com o crédito bastante recomposto. Não é 100% ainda, o custo financeiro é elevado, os
"spreads" [diferença entre a taxa que o banco paga ao captar
dinheiro e a que cobra ao emprestar] estão elevados, porém
há uma recomposição razoável
do crédito. O mercado consumidor está indo bem. Acredito
que podemos encerrar o ano
com um crescimento de 1%.
FOLHA - O que teria acontecido se o
governo não tivesse tomado medidas anticrise?
MANTEGA - Estamos fazendo
um estudo, não temos o resultado completo, mas as medidas
fiscais e monetárias devem ter
produzido um efeito entre 2% e
2,5% do PIB a mais.
Se tivermos 1% positivo de
PIB neste ano, se não fossem as
medidas, cairíamos 1,5%. É
uma estimativa.
FOLHA - Com a volta do crescimento, vai haver prorrogação das desonerações para a indústria?
MANTEGA - Não há, neste momento, nenhuma intenção de
prorrogar essas medidas. Eu
não vou aqui jurar, porque a
gente está sempre observando
a situação da economia.
A velocidade [do crescimento] no último trimestre será em
torno de 4%.
FOLHA - E as medidas monetárias,
como a liberação dos compulsórios,
dinheiro que os bancos têm de recolher ao BC?
MANTEGA - Até o ponto em que
nós discutimos, não há intenção de voltarmos neste momento ao nível de compulsório
anterior. Deve permanecer do
jeito que está. Não é o caso de
retornar esse dinheiro, mesmo
porque ainda temos R$ 160 bilhões de compulsório. Agora, é
uma coisa que não depende
apenas de mim, é uma questão
que depende do Banco Central.
FOLHA - As taxas de juros voltarão
a subir em 2010?
MANTEGA - A redução da taxa
de juros não tem necessidade
de ser revertida. Não vejo nenhum motivo para subir, mas
eu não tenho a última palavra
nessa questão. A inflação está
muito bem comportada, não há
razão para mexer na equação.
FOLHA - Mesmo em 2010?
MANTEGA - Em 2010 estamos
ampliando o produto potencial
do país, a economia brasileira
está pronta para funcionar sem
inflação com um PIB de 5%.
FOLHA - Voltando à questão dos
compulsórios, os bancos vão usar
esse excesso de dinheiro para aumentar o crédito?
MANTEGA - Não posso garantir,
mas, se eles não canalizarem,
vão perder dinheiro.
FOLHA - Qual a taxa de juros ideal
no final do governo Lula?
MANTEGA - Não sei se no final
do governo Lula, mas em algum
momento no futuro o Brasil terá uma taxa básica com um juro
não maior que 2% a 3% reais.
Não mais que isso, não há necessidade.
FOLHA - Quais são os problemas
pela frente?
MANTEGA - O Brasil ainda tem
inúmeros problemas a enfrentar até se tornar uma potência
de primeira grandeza. Ainda há
resquícios da crise. Temos uma
queda do comércio internacional, isso afeta o setor exportador e não foi resolvido. Temos o
problema do câmbio valorizado desestimulando as exportações brasileiras e dando, digamos, uma condição menos
competitiva [às exportações].
FOLHA - Como resolver esse problema?
MANTEGA - Não será de forma
artificial nem com manipulação de câmbio. Somos adeptos
do câmbio flutuante, deu certo
no Brasil, mas temos de ser
agressivos na compra de reservas. E temos que tomar medidas que aumentem a competitividade da indústria brasileira,
reduzir custos. Se o câmbio está
destinado a ser valorizado por
uma série de razões, boas até,
temos de compensar isso.
Temos de dar taxas de juros
cada vez mais baixas para o exportador brasileiro, para o investimento que vai gerar essa
exportação.
FOLHA - Quais são as medidas em
estudo nessa área?
MANTEGA - Um programa de redução de custos, para aumentar
a competitividade da economia
brasileira no pós-crise.
FOLHA - Mas há espaço fiscal para
tomar essas medidas?
MANTEGA - Pensamos em medidas que serão implantadas a
partir do início do próximo ano.
Então já se beneficiarão da recuperação da arrecadação. Faremos novas medidas de caráter de redução de custo financeiro e de custo tributário no
ano que vem. Medidas pensando no cenário pós-crise, no qual
o mundo será diferente.
FOLHA - Diferente como?
MANTEGA - Teremos uma competição muito mais forte no comércio exterior, porque o mercado encolheu. Vamos ter de
disputar mais os mercados.
FOLHA - Quais medidas serão lançadas no ano que vem?
MANTEGA - Reduzir o custo
da folha de pagamento, por
exemplo.
FOLHA - A questão fiscal não é outra grande dor de cabeça hoje? Será
difícil cumprir a meta de superavit
primário neste ano.
MANTEGA - É verdade que é
mais difícil. Mas reduzimos o
superavit primário também. E
se há um país em condições de
cumprir é o Brasil. Mais do que
todos os nossos parceiros.
FOLHA - O governo pode usar o
fundo soberano nessa política de
aumento de competitividade?
MANTEGA - No limite, pode.
Não gostaria de usar o fundo
soberano para sustentar gastos
correntes. Prefiro cortar gastos
correntes a usar o fundo para
isso. Poderei usar o fundo soberano para novos estímulos econômicos, por exemplo, uma nova desoneração de folha [de pagamento].
FOLHA - Não seria ideal comprimir
gastos correntes?
MANTEGA - Não só é ideal como
é uma labuta diária deste ministério. Este ministério não
estimula o gasto.
FOLHA - Mas a ideia de colocar limite para crescimento dos gastos com
pessoal acabou não dando certo.
MANTEGA - Está lá com o Romero Jucá [líder do governo no Senado]. Ele colocará em pauta.
Combinei com ele de incluir
em alguma medida que esteja
tramitando, ainda neste ano.
Nossa proposta é de 1,5%. Sei
que eles têm a proposta de
2,5%. Se o PIB crescer a 4%, estaremos diminuindo a relação
da despesa corrente com o PIB.
Não vou fazer um escândalo se
for 2,5%. Eu prefiro 1,5% porque fica mais controlado. Se
passar de 2,5%, já teremos um
limitador dos gastos.
FOLHA - Como o sr. avalia a atuação do BC na crise?
MANTEGA - Eu diria que o BC
teve um desempenho excelente
na crise, reagiu rapidamente,
todas as decisões foram tomadas em conjunto. Foi uma ação
conjunta nos campos financeiro, monetário e fiscal, que foi
muito bem-sucedida.
FOLHA - Qual a principal lição desta
crise?
MANTEGA - Não se pode deixar
os mercados fazerem o que
bem entenderem, principalmente no campo financeiro. É
preciso ter regulação pública,
uma fiscalização intensa. Não é
recomendável acumular desequilíbrios fiscais e externos.
FOLHA - A crise mostrou um lado
ainda mais intervencionista e nacionalista do governo Lula.
MANTEGA - Até admito que somos mais nacionalistas. Mas
vejo isso como uma virtude. O
nosso nacionalismo é para defender o interesse do emprego
e da produção brasileira, sem
xenofobia.
FOLHA - Não é característico do governo Lula ser intervencionista?
MANTEGA - O Estado tem um
papel importante no estímulo
ao crescimento porque já vimos que os mercados erram e
acabam levando as economias a
crises. Discordo que haja filosofia estatizante. O que há, sim, é
que damos importância maior
ao Estado para desenvolver
certas tarefas, como planejar o
desenvolvimento e estimular
determinados setores. E está
dando certo.
FOLHA - A polêmica estatizante
versus privatizante pode ser usada
em 2010 contra o governo Lula.
MANTEGA - Não vão usar esse
discurso porque vão quebrar a
cara.
FOLHA - Afinal, vivemos ou não
uma marolinha?
MANTEGA - A crise bateu nos
portos brasileiros mais como
uma marolinha, de fato. Acho
que o nosso presidente até que
tinha razão. Quando ele falou
isso, foi no início da crise, que
não tinha chegado com toda
sua virulência. E ele sempre
soube que o país estava em condições mais sólidas.
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