São Paulo, sexta-feira, 13 de dezembro de 2002

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LUÍS NASSIF

Um novo paradigma para o BC

A indicação de Henrique Meirelles para a presidência do Banco Central representa uma mudança de paradigma total na instituição e poderá ser bom para ela e para o Brasil.
Nas últimas décadas, o BC esteve entregue a macroeconomistas, funcionários de carreira ou operadores de mercado. Meirelles pertence à classe dos superexecutivos, do homem que pensa estrategicamente a função e comanda equipes. Poderá ser peça fundamental no trabalho de reconquista da confiança dos agentes financeiros internacionais, e não necessariamente por seu conhecimento técnico.
Meirelles começou a se projetar no mercado em meados dos anos 80. Na época, distinguiu-se como um especialista em leasing, trabalhando na área no BankBoston. Em seguida, assumiu a presidência do banco.
Como toda pessoa muito inteligente, Meirelles pensa claro e objetivamente. Nunca foi dado às firulas dos que complicam para impressionar.
Sob seu comando, o BankBoston montou uma estratégia de longo prazo no país, conquistou dia após dia reconhecimento do mercado, enquanto bancos maiores e mais ousados -como o Citibank- dedicavam-se apenas ao jogo do curto prazo.
Sua carreira internacional na instituição -assim como sua queda posterior- esteve sempre intimamente aliada ao Brasil. Começou a crescer na organização quando convenceu seus acionistas -conservadoras famílias de Boston- de que o Brasil era uma boa aposta.
A maneira como "vendeu" o Brasil aos acionistas foi um feito diplomático dos maiores. Poucos conheciam o país. Para vender seu peixe, Meirelles programou uma visita dos principais acionistas ao país. Decidiu recebê-los no Rio de Janeiro, em pleno Carnaval. Foi um desastre, que começou pelo extravio das bagagens -que seguiram para a Alemanha- e terminou com buliçosas mulatas cariocas rebolando na frente de vetustos senhores, literalmente babando na gravata, para horror das respectivas mulheres.
Aprendida a lição, a tentativa seguinte foi um show. Programou uma visita a São Paulo. As bagagens foram enviadas antecipadamente, recebidas no aeroporto e entregues no apartamento de cada um. Recepcionistas bonitas, cultas -e discretas- receberam os hóspedes no saguão do hotel e resolveram todos os seus problemas. Os visitantes saíram encantados com a organização demonstrada e, a partir daí, abriram espaço para o crescimento do banco no Brasil e na América Latina.
Por conta desse sucesso, Meirelles galgou rapidamente a hierarquia do banco. Não chegou a ser o primeiro da hierarquia, como se apregoava na época, mas o terceiro -o que não era pouco.
Sua estrela começou a apagar com a crise da dívida da América Latina e com as perdas bilionárias do banco com a Argentina. Na pragmática sociedade norte-americana, o sucesso é reconhecido rapidamente, mas as derrotas, mais ainda. Meirelles perdeu espaço no banco e retornou ao Brasil, disposto a fazer carreira política.
Montou uma campanha impecável para deputado federal, que lhe permitiu ser o mais votado de Goiás. Bom palestrante, espirituoso, natural e direto, costumava apregoar fórmulas para resolver a crise brasileira que impressionavam a platéia -embora fossem um tanto complexas de ser implementadas.
No BC, Meirelles poderá articular uma dupla missão: a de montar uma equipe técnica, que dê consistência às formulações monetária e cambial; mas, principalmente, agir como o grande diplomata do governo Lula -e do Brasil- na frente internacional.
O futuro ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, não tem formação para cumprir essa missão. Meirelles tem perfil, conhecimento e experiência. Sua rede de relações não é a dos operadores de mercado, mas a dos chefes dos operadores. Nesse sentido, significa um "upgrade" fantástico sobre seus antecessores.
Com esse currículo, poderá cumprir a mais importante missão diplomática da sua vida, que será a de montar a estratégia de recuperação da confiança dos investidores estrangeiros no Brasil.
Como ensinava o embaixador Walther Moreira Salles, o maior negociador da dívida externa brasileira, cabe ao gestor formular as grandes linhas da política. Depois, deixem-se números e fórmulas com os técnicos, para que o gestor se incumba do grande desafio diplomáticos, que é o de articular redes de relações ao longo do planeta.

E-mail - LNassif@uol.com.br


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