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COMÉRCIO EXTERNO
Encontro em Brasília entre representantes dos dois blocos é considerado positivo por ambos os lados
Diálogo entre G20 e europeus "degela"
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
O diálogo entre o G20 e a União
Européia produziu um "degelo"
nas relações entre os dois blocos,
na avaliação coincidente de autoridades européias e brasileiras.
"Degelo" foi precisamente a palavra ouvida pela Folha dos europeus. Do lado brasileiro, confirma
o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues: "Foi nítido o aumento de boa vontade de parte do
Lamy (Pascal Lamy, o comissário
europeu para o Comércio, uma
espécie de ministro)".
Não é muito, mas é um primeiro passo positivo depois que as relações entre os grandes atores da
cena comercial se deterioraram
gravemente como consequência
do fracasso da Conferência Ministerial da Organização Mundial
do Comércio (OMC), realizada
em Cancún, faz três meses.
O degelo, ao menos na avaliação
européia, se deve ao fato de que
Lamy conseguiu desfazer "fantasmas" que o G20 cultivava em relação às posições da União Européia (UE).
Fantasmas
Primeiro "fantasma": o documento conjunto UE/EUA apresentado para a reunião de Cancún. O G20 viu no texto uma repetição do acordo de Blair House, o
entendimento entre os dois grandes durante a Rodada Uruguai, a
ronda anterior de liberalização
comercial.
O acordo enfiou goela abaixo
dos demais decisões sobre agricultura que mantiveram praticamente intacto o muro protecionista dos ricos.
Lamy tratou de explicar que não
era nada disso. A Europa assinara
o texto na convicção de que se tratava da única forma de tentar forçar modificações na "Farm Bill"
norte-americana, a legislação que,
em vez de diminuir, aumentou os
subsídios aos agricultores norte-americanos.
"Todos sabem que não seremos
nós (os europeus), e sim os norte-americanos, a maior dificuldade
para diminuir os subsídios domésticos", disse Lamy à Folha e
repetiu depois na reunião fechada
com o G20.
Segundo fantasma: Lamy reiterou a disposição européia de eliminar os subsídios à exportação
para produtos de interesse dos
países em desenvolvimento, dependendo apenas da negociação
do prazo.
Os representantes do G20 questionaram: não sabem quais produtos e de que países a Europa está falando e nem que países se beneficiariam.
Lamy explicou: todos os países
europeus estão comprometidos a
eliminar os subsídios à exportação de todos os produtos de interesse dos países em desenvolvimento.
Nesse ponto, ficou no ar um
fantasma: Lamy insistiu em que é
preciso que os países do G20 (praticamente todos de médio desenvolvimento) reduzam o seu próprio protecionismo para o chamado G90, o grupo que reúne as
nações mais pobres do mundo, a
grande maioria da África.
O temor do Brasil, por exemplo,
é o de que a intenção européia seja
a de aliviar os subsídios apenas
para beneficiar os países muito
pobres.
De todo modo, o comunicado
da reunião ministerial do G20, encerrada ontem, recolhe essa preocupação ao dizer: "Os ministros
(do G20) instaram os membros
da OMC a considerar, de maneira
efetiva e substantiva, as preocupações dos PMRDs (Países de Menor Desenvolvimento Relativo)".
Outros temas
O comissário europeu, se cuidou de afastar fantasmas, não deixou de repetir o que vem dizendo
exaustivamente: a negociação da
agenda de Doha não é só sobre
agricultura, mas também sobre
temas como liberalização do comércio de bens não-agrícolas, serviços, regras etc. Nesse ponto,
Lamy obteve a concordância de
membros do G20 (o nome do
grupo foi batizado devido à data
de sua fundação, 20 de agosto de
2003) como Chile e Nigéria.
Enquanto o Brasil tenta circunscrever a discussão ao tema agrícola, sua prioridade absoluta, os representantes desses dois países fizeram questão de concordar com
o comissário europeu sobre a necessidade de tratar igualmente
dos demais temas da ambiciosa
agenda de Doha.
Terminado o encontro, as partes concordaram com o que "parecia impensável" até recentemente, como disse o chanceler
Celso Amorim: emitir um comunicado conjunto.
Mas o texto, de 20 linhas, usa a
evasiva linguagem diplomática
para dizer: "Houve concordância
generalizada de que se necessita
intensificar a negociações no início do próximo ano, de forma a
avançar o mais rapidamente possível para um diálogo ampliado
entre todos os parceiros com vistas a obter progressos reais e substantivos, em linha com o mandato
de Doha e de acordo com o cronograma nele definido".
A declaração conjunta parece
ter dissolvido a dúvida que Lamy
manifestara, pela manhã, em conversa com a Folha.
O comissário europeu dissera
que o G20 precisava provar se era
um grupo capaz de produzir
"movimentos" para tirar as negociações do impasse ou, ao contrário, se serviria para dificultá-las.
Na entrevista coletiva de encerramento dos encontros, ele próprio escolheu a primeira e positiva hipótese.
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