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São Paulo, sábado, 13 de dezembro de 2003

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COMÉRCIO EXTERNO

Encontro em Brasília entre representantes dos dois blocos é considerado positivo por ambos os lados

Diálogo entre G20 e europeus "degela"

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

O diálogo entre o G20 e a União Européia produziu um "degelo" nas relações entre os dois blocos, na avaliação coincidente de autoridades européias e brasileiras.
"Degelo" foi precisamente a palavra ouvida pela Folha dos europeus. Do lado brasileiro, confirma o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues: "Foi nítido o aumento de boa vontade de parte do Lamy (Pascal Lamy, o comissário europeu para o Comércio, uma espécie de ministro)".
Não é muito, mas é um primeiro passo positivo depois que as relações entre os grandes atores da cena comercial se deterioraram gravemente como consequência do fracasso da Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), realizada em Cancún, faz três meses.
O degelo, ao menos na avaliação européia, se deve ao fato de que Lamy conseguiu desfazer "fantasmas" que o G20 cultivava em relação às posições da União Européia (UE).

Fantasmas
Primeiro "fantasma": o documento conjunto UE/EUA apresentado para a reunião de Cancún. O G20 viu no texto uma repetição do acordo de Blair House, o entendimento entre os dois grandes durante a Rodada Uruguai, a ronda anterior de liberalização comercial.
O acordo enfiou goela abaixo dos demais decisões sobre agricultura que mantiveram praticamente intacto o muro protecionista dos ricos.
Lamy tratou de explicar que não era nada disso. A Europa assinara o texto na convicção de que se tratava da única forma de tentar forçar modificações na "Farm Bill" norte-americana, a legislação que, em vez de diminuir, aumentou os subsídios aos agricultores norte-americanos.
"Todos sabem que não seremos nós (os europeus), e sim os norte-americanos, a maior dificuldade para diminuir os subsídios domésticos", disse Lamy à Folha e repetiu depois na reunião fechada com o G20.
Segundo fantasma: Lamy reiterou a disposição européia de eliminar os subsídios à exportação para produtos de interesse dos países em desenvolvimento, dependendo apenas da negociação do prazo.
Os representantes do G20 questionaram: não sabem quais produtos e de que países a Europa está falando e nem que países se beneficiariam.
Lamy explicou: todos os países europeus estão comprometidos a eliminar os subsídios à exportação de todos os produtos de interesse dos países em desenvolvimento.
Nesse ponto, ficou no ar um fantasma: Lamy insistiu em que é preciso que os países do G20 (praticamente todos de médio desenvolvimento) reduzam o seu próprio protecionismo para o chamado G90, o grupo que reúne as nações mais pobres do mundo, a grande maioria da África.
O temor do Brasil, por exemplo, é o de que a intenção européia seja a de aliviar os subsídios apenas para beneficiar os países muito pobres.
De todo modo, o comunicado da reunião ministerial do G20, encerrada ontem, recolhe essa preocupação ao dizer: "Os ministros (do G20) instaram os membros da OMC a considerar, de maneira efetiva e substantiva, as preocupações dos PMRDs (Países de Menor Desenvolvimento Relativo)".

Outros temas
O comissário europeu, se cuidou de afastar fantasmas, não deixou de repetir o que vem dizendo exaustivamente: a negociação da agenda de Doha não é só sobre agricultura, mas também sobre temas como liberalização do comércio de bens não-agrícolas, serviços, regras etc. Nesse ponto, Lamy obteve a concordância de membros do G20 (o nome do grupo foi batizado devido à data de sua fundação, 20 de agosto de 2003) como Chile e Nigéria.
Enquanto o Brasil tenta circunscrever a discussão ao tema agrícola, sua prioridade absoluta, os representantes desses dois países fizeram questão de concordar com o comissário europeu sobre a necessidade de tratar igualmente dos demais temas da ambiciosa agenda de Doha.
Terminado o encontro, as partes concordaram com o que "parecia impensável" até recentemente, como disse o chanceler Celso Amorim: emitir um comunicado conjunto.
Mas o texto, de 20 linhas, usa a evasiva linguagem diplomática para dizer: "Houve concordância generalizada de que se necessita intensificar a negociações no início do próximo ano, de forma a avançar o mais rapidamente possível para um diálogo ampliado entre todos os parceiros com vistas a obter progressos reais e substantivos, em linha com o mandato de Doha e de acordo com o cronograma nele definido".
A declaração conjunta parece ter dissolvido a dúvida que Lamy manifestara, pela manhã, em conversa com a Folha.
O comissário europeu dissera que o G20 precisava provar se era um grupo capaz de produzir "movimentos" para tirar as negociações do impasse ou, ao contrário, se serviria para dificultá-las.
Na entrevista coletiva de encerramento dos encontros, ele próprio escolheu a primeira e positiva hipótese.


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