São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 2001

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LUÍS NASSIF


O Brasil na velha toada

Já tinha pensado em fazer uma coluna sobre toadas brasileiras quando recebi o CD "Brasil de Todas as Toadas", das minhas amigas Célia e Celma, bancado pelo excelente selo da Umes.
Conheço as gêmeas desde os 17 anos, quando classifiquei um frevinho para o Festival Universitário da Tupi, o "Frevo Gamado", e o Fernando Faro indicou as duas mineirinhas recém-chegadas de Ubá a São Paulo para interpretá-lo. O maestro Élcio Álvares fez um arranjo em metais que quase me fez explodir de orgulho. Mas a musiquinha não deu em nada, nem merecia.
Dentro da MPB ha quatro gêneros vocais que eu particularmente aprecio: a toada, a guarânia, o choro-canção e a valsa rancheira. A toada e a guarânia são primas irmãs. Mas apenas a toada e o choro-canção são gêneros vocais nacionais praticados de norte a sul.
Poucos gêneros têm a nostalgia plangente e o caráter nacional da toada. E o CD atesta isso. O repertório foi montado por pesquisadores de primeira. Daí algumas raridades atestando o caráter transregional e intemporal da toada.
Há toadas de Braguinha de 1929, de Ataulfo, Ivan Lins, João Pacífico, Dori Caymmi, Raul Seixas. Noel também compôs toadas no começo do anos 30, quando a música brasileira bebia da influência dos Turunas da Mauricéia e seu cantor Augusto Calheiros -um intérprete datado, mas que teve enorme influência na época.
Nos anos 30 a toada foi um ritmo superior. Luiz Peixoto foi o grande letrista do gênero, que contava com compositores do porte de J. Cascata e mesmo de Bonfiglio de Oliveira, entre outros músicos que exploraram o caráter urbano-rural do ritmo. A canção brasileira, aquele grupo de cançonetistas que transitava entre o clássico e o popular folclórico, elegeu a toada seu gênero preferido. Compõem toadas clássicas Heckel Tavares, Valdemar Henrique, Jayme Ovalle.
Por privilegiar as raridades, o CD traz poucas toadas clássicas. Dentre elas o hino "Maringá", de Joubert de Carvalho ("Foi numa leva / que a cabocla Maringá"), de 1932, comprovando que o gênero estava completamente formado naquele tempo. Traz também minha toada predileta, o clássico "Menino de Braçanã" ("É tarde, eu já vou indo, preciso ir embora"), de Luiz Vieira e Arnaldo Passos, de 1957. E um clássico contemporâneo, "Ciúmes", a mais bela música de Caetano Veloso. Tem também "Penas do Tié", apresentado como de domínio público, que eu pensava que era do Heckel Tavares e o Fagner pensava que era dele.
Uma relação das mais belas toadas de todos os tempos certamente incluiria uma linha do Joubert de Carvalho, que mencionava seu sítio na Tijuca ("Foi num dia de tristeza / que a cidade abandonei / sem saber o que fazer"). O paraense Valdemar Henrique tem pelo menos duas toadas clássicas, o "Foi bôto, sinhá" e a toada de minha infância -"Certa vez de montaria / eu desci o Paraná / e o caboclo que remava / não parava de falar".
João Pernambuco foi autor de duas toadas inesquecíveis: o clássico "Luar do Sertão" -que disputa com "Carinhoso" o título de mais expressiva música popular do século- e "Estrada do Sertão", que recentemente ganhou letra do Hermilo Bello de Carvalho.
A safra dos anos 50 e 60 é excelente. Outra das minhas preferidas é "Boiadeiro", de Klecius Caldas e Armando Cavalcanti. Nos anos 60 o paranaense Luis Carlos Paraná compôs uma belíssima, o "Cafezal em Flor" ("Meu cafezal em flor / quanta flor, meu cafezal"), que recebeu duas interpretações clássicas, de Cascatinha e Inhana e de Pena Branca & Xavantinho.
O próprio Dorival Caymmi tem uma toada divertidíssima, a "Viagem" ("Eu fiz uma viagem / a qual foi pequenininha / sai de Olhos D'água, fui até Alagoinha").
Mas, dentre todos os autores de toadas e guarânias, minha preferida é "Azulão", de Jayme Ovalle e Manuel Bandeira.

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