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OPINIÃO ECONÔMICA
Contra o medo da ampliação da capacidade
ANTONIO BARROS DE CASTRO
Na fase clássica da industrialização brasileira (1940-1980), a questão fundamental a
ser resolvida pelas políticas industriais era a criação de capacidade
produtiva. Não era fácil implantar nova capacidade -especialmente em atividades manufatureiras ainda não existentes no
país. Havia problemas de infra-estrutura, de tecnologia e de financiamento a serem resolvidos,
bem como a delicada questão da
escolha do(s) empresário(s). Uma
vez instalada e posta em operação a nova capacidade, porém,
diversos problemas tendiam a se
resolver por si mesmos.
Hirschman dizia que, por meio
de efeitos "para trás e para diante", os próprios desequilíbrios
acarretados pelos avanços recentemente ocorridos se encarregavam de mobilizar energias e
orientar as respostas subsequentes (até por parte dos poderes públicos). Além disso, empresários,
gerentes e trabalhadores podiam,
em proporção muito maior do
que na atualidade, habilitar-se
para suas novas funções, exercendo-as. Em outras palavras, a pressão competitiva relativamente
frouxa não exigia grande preparo
ou habilitação prévia nem que o
aproveitamento das instalações,
dos materiais manipulados e dos
recursos humanos reunidos pela
empresa fossem incessantemente
revistos e modificados.
Por último, mas não menos importante, os novos setores, muito
provavelmente, tinham uma produtividade maior do que a produtividade média da economia.
Assim sendo, a mera entrada em
operação das novas atividades
acarretava, para a economia como um todo, crescimento e, até
mesmo, desenvolvimento.
Independentemente do maior
ou menor acerto dessa visão (a
que Hirschman se referia como
"micromarxismo"), não cabe dúvida de que estamos hoje diante
de um quadro radicalmente diferente. Primeiramente porque, de
1980 em diante, esta economia
atravessou uma interminável sucessão de asfixias de demanda, situação em que parte pelo menos
da capacidade produtiva passa a
ser antes problema que solução.
Além disso, porque as empresas
foram progressivamente submetidas a pressões competitivas impensáveis na fase de industrialização acelerada (até 1980) e desconhecidas antes de 1990.
Farei referência aqui, unicamente, à questão da pressão competitiva, já que a maré enchente
da liquidez internacional e a boa
forma recentemente adquirida
pela macroeconomia doméstica
sugerem que não deverão ocorrer,
a curto e, talvez, a médio prazo,
reduções bruscas da demanda
global com que se defrontam as
empresas...
Não é difícil perceber que a concorrência vai se tornando, internacionalmente, cada vez mais intensa. No tocante a preços, isso se
traduz na deflação observada, sobretudo, nos mercados de produtos industrializados. Tão ou mais
patente, contudo, é a nova dimensão da concorrência caracterizada pelo "passeio" internacional de plantas industriais. A migração de fábricas do México para a China é apenas a sua mais
rumorosa manifestação. Se esse
tipo de problema atinge todos os
países, a questão se coloca de forma particularmente séria para o
Brasil. Isso porque aqui são pagos
salários comparativamente elevados (em relação aos praticados,
na produção dos mesmos artigos,
nos novos competidores) e a carga
tributária é bastante alta (ainda
quando possivelmente indispensável para que o país chegue um
dia a enfrentar, devidamente, os
seus problemas sociais).
É contra esse pano de fundo que
devem ser discutidos o significado
e as funções das políticas industriais e tecnológicas a serem daqui por diante implantadas. Só
muito excepcionalmente elas deveriam fomentar, como no passado, a implantação de capacidade
produtiva em setores vistos como
atrasados. E tampouco seria a
sua função maior, como querem
muitos, compensar falhas convencionais de mercado.
Em suma, as novas políticas deveriam ajudar as empresas a proteger-se da competição predatória a que estão cada vez mais sujeitas. A proteção seria buscada
mediante inovações (no sentido
amplo do termo e tendo como referência tanto atividades de fronteira quanto tradicionais) que explorem o potencial inerente ao
conjunto de recursos sob comando das empresas. E, nesse conjunto, haveria de merecer especial
atenção o conhecimento já desenvolvido, bem como aquele ainda
em fase incipiente de desenvolvimento.
Ainda quando esse tipo de recomendação possa ser feito para diferentes países, o Brasil parece ser
um caso muito especial a esse respeito. Afinal, dificilmente uma
outra economia teve as suas empresas submetidas a tantas crises
e choques -e passou pela abertura preservando uma estrutura tão
diversificada e heterogênea.
A sociedade ganharia com isso
na medida em que, como resultado da autoproteção (apoiada por
políticas públicas), as empresas
pudessem manter e aumentar, ao
longo do tempo, os salários de
seus colaboradores. Além disso, o
Estado estaria promovendo, por
meio desse tipo de política, o
avanço do conhecimento (num
sentido assumidamente amplo do
termo) de todos aqueles direta ou
indiretamente envolvidos na produção. Esse conhecimento, em
primeira instância, pertence às
empresas. Mas, como observou
Nelson, dadas as dificuldades inerentes à apropriação/retenção de
conhecimento no mundo atual,
"ele não se mantém privado; ele
vaza ("leaks away') e se torna público".
Ao anterior deve ser acrescentado que, logrando proteger-se, as
empresas industriais escapariam
ao "medo da ampliação de capacidade". No essencial, essa enfermidade (detectada por Kaldor,
na Inglaterra, há mais de 40
anos) significa que as dificuldades se mostram mais capazes de
inibir a formação de nova capacidade do que as oportunidades de
induzir a sua expansão. Que o
medo do excesso de capacidade se
justificava de 1980 até o presente,
especialmente ali onde o país não
desfruta de óbvias vantagens
comparativas, não cabe dúvida, e
muitos pagaram caro por ignorar
esse fato. Trata-se, no entanto, de
impedir que, num quadro em que
os tombos de demanda global
passam a ser muito menos prováveis, o referido temor passe a derivar da exacerbação da competição. E é aqui que caberia, insisto,
a autoproteção via inovação, alavancada por políticas industriais
e tecnológicas.
Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas-feiras, a cada 15 dias, na coluna.
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