São Paulo, quinta, 14 de janeiro de 1999

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

Os problemas de Minas e do Rio

FABIO GIAMBIAGI

O tema das dívidas estaduais é assunto que está na ordem do dia. Uma forma de analisar o problema é julgar que se trata de um conflito entre os Estados, de um lado, e o governo federal, de outro. Não nos parece a maneira correta de analisar o assunto. A outra é entender a questão como a manifestação da diferença de situações entre alguns Estados.
A expressão "diferença de situações" refere-se aqui não apenas à postura de cada governador diante do assunto -e, nesse sentido, é evidente que o posicionamento dos governadores não é homogêneo-, mas também à heterogeneidade da realidade econômica dos Estados.
O ponto que queremos ressaltar aqui é por que o comprometimento com o pagamento das dívidas recentemente renegociadas tende a ser mais importante no caso dos Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, cujos governadores estão na linha de frente da campanha em favor da "renegociação ao quadrado" (renegociação da renegociação). Para entender isso, é necessário contar com a paciência do leitor e explicar o conceito do que seja a tabela Price, cuja prestação mensal (P) é dada pela fórmula:
P = D . i . (1+i)n / {(1+i)n - 1"
D é o valor da dívida, i é a taxa de juros mensal e n é o número de prestações. Essa tabela é um sistema tradicionalmente utilizado em esquemas de financiamento e se caracteriza pelo fato de que as prestações são constantes. Quando o leitor vai a uma loja e compra um produto, pagando uma prestação fixa de R$ X durante quatro meses, por exemplo, ele provavelmente não sabe, mas está pagando um valor calculado com base na tabela Price. Para combinações diferentes de valores da dívida e da taxa de juros, ela gera uma matriz de resultados para o valor das prestações. Esse valor, em decorrência da fórmula acima, é uma função direta da dívida e da taxa de juros.
Como se sabe, por ocasião da renegociação das dívidas estaduais, os Estados tinham duas alternativas. Para cada R$ 100 de dívida renegociada, eles podiam abater R$ 20, refinanciando os R$ 80 restantes a uma taxa de juros real anual de 6% ou, alternativamente, podiam abater R$ 10, mas nesse caso refinanciando os R$ 90 a 7,5%.
O Estado que optava por essa segunda alternativa tinha a vantagem de ficar com mais recursos na mão para gastar inicialmente, já que tinha que entregar menos reais ao governo federal. Em compensação, sua prestação posterior seria afetada duplamente, primeiro porque a dívida seria maior e segundo porque o custo também seria mais elevado. A tabela acima mostra o impacto de duas alternativas diferentes, no caso de dois Estados hipotéticos, A e B, os quais em ambos casos têm: (i) uma receita mensal de R$ 50 milhões; (ii) uma dívida inicial de R$ 1 bilhão; e (iii) um prazo de financiamento dessa dívida dos 30 anos, correspondente a n = 360 prestações mensais.
O Estado A opta pela modalidade de quitar 20% da dívida, por meio da venda de ativos para fazer caixa, tendo os 80% da dívida restante negociados a um custo de 6% ao ano. Já o Estado B opta por quitar apenas 10% da dívida, tendo os outros 90% negociados com um juro anual de 7,5%. A prestação mensal que decorre da fórmula acima é de R$ 4,7 milhões (9,4% da receita) para o Estado A e de R$ 6,1 milhões (12,3% da receita) para o Estado B. Observe- se, portanto, que a prestação do Estado B é 30% superior à de A.
O exemplo explica, de certa forma, por que os governadores Itamar Franco e Garotinho reclamam mais do que os demais governadores. Como os Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro optaram, na renegociação das suas dívidas, por quitar apenas 10% das dívidas, com juros de 7,5% para a dívida restante, proporcionalmente eles têm um comprometimento maior que o da maioria dos Estados, que preferiram ficar com uma dívida menor, ao quitar 20% dela e assumindo uma taxa de juros de 6%.
À guisa de conclusão, há duas lições que se podem tirar da tabela acima. A primeira é que, se esses Estados tivessem quitado 20% da dívida, como a quase totalidade dos demais, seus encargos financeiros hoje seriam substancialmente menores. A segunda é que a privatização por meio da venda de ativos, com o objetivo de compensar o custo dos passivos, continua sendo uma alternativa financeira disponível para alguns Estados enfrentarem suas dificuldades de caixa (independentemente da necessidade de fazerem ajustes nas suas despesas). Nesse sentido cabe notar que tanto Minas Gerais como Rio de Janeiro têm ativos (empresas) importantes em seu poder, que, caso vendidos, poderiam permitir a esses Estados realizar a quitação de parte das suas dívidas ou, alternativamente, formar um fundo cujos rendimentos fossem utilizados para arcar com parte do fluxo de pagamento das prestações da dívida renegociada.


Fabio Giambiagi, 36, economista, é gerente de macroeconomia do BNDES. Foi professor da UFRJ e assessor do Ministério do Planejamento e Orçamento (governo Fernando Henrique Cardoso).



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.