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ARTIGO
Os problemas de Minas e do Rio
FABIO GIAMBIAGI
O tema das dívidas estaduais é
assunto que está na ordem do dia.
Uma forma de analisar o problema
é julgar que se trata de um conflito
entre os Estados, de um lado, e o
governo federal, de outro. Não nos
parece a maneira correta de analisar o assunto. A outra é entender a
questão como a manifestação da
diferença de situações entre alguns
Estados.
A expressão "diferença de situações" refere-se aqui não apenas à
postura de cada governador diante
do assunto -e, nesse sentido, é
evidente que o posicionamento
dos governadores não é homogêneo-, mas também à heterogeneidade da realidade econômica
dos Estados.
O ponto que queremos ressaltar
aqui é por que o comprometimento com o pagamento das dívidas
recentemente renegociadas tende
a ser mais importante no caso dos
Estados de Minas Gerais e Rio de
Janeiro, cujos governadores estão
na linha de frente da campanha em
favor da "renegociação ao quadrado" (renegociação da renegociação). Para entender isso, é necessário contar com a paciência do leitor e explicar o conceito do que seja a tabela Price, cuja prestação
mensal (P) é dada pela fórmula:
P = D . i . (1+i)n / {(1+i)n - 1"
D é o valor da dívida, i é a taxa de
juros mensal e n é o número de
prestações. Essa tabela é um sistema tradicionalmente utilizado em
esquemas de financiamento e se
caracteriza pelo fato de que as
prestações são constantes. Quando o leitor vai a uma loja e compra
um produto, pagando uma prestação fixa de R$ X durante quatro
meses, por exemplo, ele provavelmente não sabe, mas está pagando
um valor calculado com base na tabela Price. Para combinações diferentes de valores da dívida e da taxa de juros, ela gera uma matriz de
resultados para o valor das prestações. Esse valor, em decorrência da
fórmula acima, é uma função direta da dívida e da taxa de juros.
Como se sabe, por ocasião da renegociação das dívidas estaduais,
os Estados tinham duas alternativas. Para cada R$ 100 de dívida renegociada, eles podiam abater R$
20, refinanciando os R$ 80 restantes a uma taxa de juros real anual
de 6% ou, alternativamente, podiam abater R$ 10, mas nesse caso
refinanciando os R$ 90 a 7,5%.
O Estado que optava por essa segunda alternativa tinha a vantagem de ficar com mais recursos na
mão para gastar inicialmente, já
que tinha que entregar menos reais
ao governo federal. Em compensação, sua prestação posterior seria
afetada duplamente, primeiro porque a dívida seria maior e segundo
porque o custo também seria mais
elevado. A tabela acima mostra o
impacto de duas alternativas diferentes, no caso de dois Estados hipotéticos, A e B, os quais em ambos casos têm: (i) uma receita
mensal de R$ 50 milhões; (ii) uma
dívida inicial de R$ 1 bilhão; e (iii)
um prazo de financiamento dessa
dívida dos 30 anos, correspondente a n = 360 prestações mensais.
O Estado A opta pela modalidade
de quitar 20% da dívida, por meio
da venda de ativos para fazer caixa,
tendo os 80% da dívida restante
negociados a um custo de 6% ao
ano. Já o Estado B opta por quitar
apenas 10% da dívida, tendo os outros 90% negociados com um juro
anual de 7,5%. A prestação mensal
que decorre da fórmula acima é de
R$ 4,7 milhões (9,4% da receita)
para o Estado A e de R$ 6,1 milhões
(12,3% da receita) para o Estado B.
Observe- se, portanto, que a prestação do Estado B é 30% superior à
de A.
O exemplo explica, de certa forma, por que os governadores Itamar Franco e Garotinho reclamam
mais do que os demais governadores. Como os Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro optaram, na
renegociação das suas dívidas, por
quitar apenas 10% das dívidas,
com juros de 7,5% para a dívida
restante, proporcionalmente eles
têm um comprometimento maior
que o da maioria dos Estados, que
preferiram ficar com uma dívida
menor, ao quitar 20% dela e assumindo uma taxa de juros de 6%.
À guisa de conclusão, há duas lições que se podem tirar da tabela
acima. A primeira é que, se esses
Estados tivessem quitado 20% da
dívida, como a quase totalidade
dos demais, seus encargos financeiros hoje seriam substancialmente menores. A segunda é que a
privatização por meio da venda de
ativos, com o objetivo de compensar o custo dos passivos, continua
sendo uma alternativa financeira
disponível para alguns Estados enfrentarem suas dificuldades de caixa (independentemente da necessidade de fazerem ajustes nas suas
despesas). Nesse sentido cabe notar que tanto Minas Gerais como
Rio de Janeiro têm ativos (empresas) importantes em seu poder,
que, caso vendidos, poderiam permitir a esses Estados realizar a quitação de parte das suas dívidas ou,
alternativamente, formar um fundo cujos rendimentos fossem utilizados para arcar com parte do fluxo de pagamento das prestações da
dívida renegociada.
Fabio Giambiagi, 36, economista, é gerente de
macroeconomia do BNDES. Foi professor da
UFRJ e assessor do Ministério do Planejamento e
Orçamento (governo Fernando Henrique Cardoso).
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