São Paulo, quinta, 14 de janeiro de 1999

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Para o professor, mudança só vai desafogar a pressão sobre as reservas
Nova política cambial é um "blefe", afirma Dornbusch

ANTONIO CARLOS SEIDL
da Reportagem Local

O economista Rudiger Dornbusch, 54, professor do mitológico MIT (Massachusetts Institute of Technology), dos EUA, disse que a nova política cambial do Brasil é "um blefe".
"Serve apenas para desafogar um pouco a pressão sobre as reservas brasileiras", afirmou em entrevista, por telefone, à Folha.
Para Dornbusch, o fim da fuga de dólares do país depende do ajuste fiscal. "Um profundo ajuste fiscal, com um corte drástico de gastos, é a condição para a volta da confiança dos investidores."
"O Brasil tem um presidente ineficiente, que só sabe gastar e tomar emprestado."
Para o economista alemão naturalizado norte-americano, que em suas análises costuma defender uma desvalorização de 25% do real, os problemas fundamentais do Brasil não serão resolvidos pela nova banda. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - Como o sr. avalia a mudança na política cambial?
Rudiger Dornbusch -
É um blefe. Não é uma maxidesvalorização, não é uma mididesvalorização, não é nada. Serve apenas para desafogar um pouco a pressão sobre as reservas brasileiras. Quer dizer apenas que o Plano Real não vai acabar nesta semana.
Folha - Por quê?
Dornbusch -
Porque os problemas do Brasil não se resolvem com uma ampliação de 5% na banda cambial. Os problemas do Brasil são um gigantesco déficit orçamentário, uma moeda significativamente sobrevalorizada e um presidente que não cumpriu o que prometeu no seu primeiro mandato. Um presidente que é ineficiente em tudo, menos em gastar o dinheiro do contribuinte e aumentar a dívida pública.
Folha - Mas ele interrompeu as férias para ficar à frente da crise.
Dornbusch -
O presidente deveria ter interrompido suas férias há muito mais tempo. Deveria estar preocupado em buscar um programa de reforma radical, capaz de fazer o país voltar a crescer. É uma ilusão acreditar que a ampliação da banda vai resolver os problemas do gigantesco déficit orçamentário, da moeda sobrevalorizada, da recessão e da mega taxa de juros. A saída é uma reforma nos moldes da Argentina. Mas o presidente prefere seguir o exemplo do México. O Brasil, hoje, lembra o México nos meses que antecederam a crise.
Folha - A mudança cambial é uma medida paliativa, então?
Dornbusch -
Era a opção mais fácil para o presidente.
Folha - Pode, pelo menos, inverter a tendência de queda na confiança externa?
Dornbusch -
O Brasil precisa de um importante ganho de confiança no exterior, mas isso não virá da ampliação da banda. Virá da percepção de disciplina fiscal. Mas o mercado sabe que o presidente não tem poderes para obter um profundo ajuste.
Folha - Para o governo, a mudança cambial vai "potencializar" a queda dos juros.
Dornbusch -
Não é o bastante. A queda dos juros depende de um forte programa fiscal. E isso o presidente não pode ainda garantir. Ninguém tem razão para ter confiança na política econômica brasileira até que se veja não apenas a realização do atual esforço fiscal, mas também uma perspectiva de um equilíbrio fiscal.
Folha - O país terá de rever o acordo com o FMI?
Dornbusch -
O FMI não pode fazer nada pelo presidente. Pode colocar mais US$ 9 bilhões à disposição do Brasil, mas isso é apenas uma ponte para permitir que o presidente cumpra sua promessa de ajuste fiscal.
Folha - Mas o Plano Real derrubou a inflação.
Dornbusch -
O Real precisa de uma contrapartida na forma de estabilidade fiscal. Mas o problema é que o país está caminhando em direção ao "Plano B". Todos querem saber qual é esse plano.
Folha - Qual é, na sua opinião, o "Plano B"?
Dornbusch -
Vejo quatro hipóteses, que são excludentes. A primeira é um milagre.
Folha - Milagre?
Dornbusch -
Sim, porque seria uma profunda reforma fiscal.
Folha - E a segunda?
Dornbusch -
A segunda seria o presidente entender que, depois de 20 anos sem crescimento do PIB per capita, o Brasil precisa de reformas radicais. A terceira é uma desvalorização de 20% a 25% da moeda e uma reestruturação da dívida interna com o alongamento dos prazos de pagamento e a redução dos juros. E a quarta é a manutenção das políticas atuais na esperança de que as pressões desapareçam. Mas isso pode levar o país a uma catástrofe semelhante à crise russa.



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