São Paulo, segunda-feira, 14 de fevereiro de 2000


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OPINIÃO ECONÔMICA
Procura-se

JOÃO SAYAD

São Paulo, quinta-feira, nove horas da manhã, cruzamento da Faria Lima com a avenida Rebouças, trânsito congestionado: dez ônibus ocupam todas as faixas da avenida.
Todos os ônibus juntos levavam apenas 15 passageiros: média de um passageiro e meio por ônibus! Ônibus praticamente vazios e não há nenhuma garagem por perto.
A mesma coisa pode ser vista em todas as avenidas de São Paulo: muitos ônibus vazios.
Em princípio, é muito bom para os passageiros, ainda que atrapalhe um pouco o trânsito.
Nesta coluna de economia, a observação cria duas dúvidas: primeiro, como os donos das empresas de ônibus conseguem sobreviver com tantos ônibus tão vazios? Quem paga pelos lugares vazios? Seria a Prefeitura de São Paulo?
Em segundo lugar, por que as lotações dirigidas pelos perueiros estão sempre cheias e andam para baixo e para cima fugindo da polícia? A tarifa é igual à do ônibus. O veículo é menor.
A maioria dos passageiros prefere o conforto da perua: conhecem o motorista, param em qualquer lugar, não permitem que homenzarrões apertem as mocinhas.
Por que cobrando o mesmo preço, as peruas estão cheias e os ônibus vazios? Será que o passageiro de transporte público não é soberano, não sabe o que quer? Confiamos na sua escolha entre diferentes parques temáticos, vários provedores de Internet, mas o consideramos um ignorante em questão de transporte pessoal.
Temos que "ensiná-lo" a tomar ônibus grandes, lerdos, com acesso muito difícil por causa da altura das carrocerias.
A propaganda contra perueiros fala em falta de segurança.
Quem entende mais de segurança: a) as empresas de ônibus; b) os técnicos do setor que insistem que transporte público exige fiscalização (que não coíbe o abuso de ônibus vazios) e que os veículos precisam ter corredor central; ou c) os passageiros?
De fato, quando a polícia persegue peruas dando tiros, elas acabam batendo nos postes, ferindo passageiros e pedestres.
Nós, os dinossauros, estamos sempre escrevendo a favor da empresa nacional, da empresa estatal, do servidor público, a favor de mais política e menos economia. Cumprimos rigorosamente os deveres de nossas convicções.
Por que os neoliberais não defendem os perueiros, representantes legítimos da melhor livre iniciativa, da guerra à burocracia, da criatividade, do auto-emprego e da concorrência?
O Cade poderia desviar atenção da cerveja e verificar a concorrência entre as "aparentemente numerosas" companhias de ônibus e os microempresários. O Sindicato de Microempresas, a Associação Comercial, a Federação do Comércio e as câmaras de comércio, os entusiastas da "nova economia", não têm nada a dizer sobre esse exemplo de criatividade, iniciativa e bons serviços? Onde estão todos?
Se os neoliberais continuarem de férias, os perueiros vão ficar à mercê da defesa que os dinossauros podem dar. E infelizmente temos perdido muitas batalhas.
Pensando bem, talvez eu não devesse falar sobre transporte público, pois não sou engenheiro nem especialista.
Mas o problema é simples.
Há uma briga.
De um lado estão o prefeito de São Paulo e as empresas de ônibus.
Do outro, uma infinidade de microempresários, motoristas de peruas e vans, lutando para ganhar a vida e oferecendo serviço que os consumidores querem. Quem está certo?


João Sayad, 53, economista, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e ex-ministro do Planejamento (governo José Sarney); é autor de "Que País é Este?" (editora Revan); escreve às segundas nesta coluna. E-mail: jsayad@ibm.net


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